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Esta seção será composta por dois eixos, no qual o primeiro explicita a origem do termo “alternância” e da expressão “pedagogia da alternância”, e o segundo estabelece uma relação com os modelos de alternância e a sua relação com a Educação Física.

A pedagogia tem por objeto a parte sistemática da atividade humana que dirige as ações de educação e de formação. Como toda atividade humana, tem seus princípios e métodos; define uma função, descreve uma conduta específica, so- cialmente construída, principalmente na escola e nas instituições formadoras. A pedagogia participa das evoluções em curso, mas tem também sua própria his- tória e sua própria cultura: a das práticas, dos modos de pensamento, e seus pró- prios modelos. Ela contribui para uma profissionalização dos ofícios de professor e formador. (Morandi, 2002, p.9)

A seguir, buscaremos entender a formação em alternância.

A formação em alternância: origem

Historicamente, as primeiras referências sobre a utilização de modelos de formação em alternância apontam para a Idade Média, período caracterizado pelo desenvolvimento concomitante da escolarização e da aprendizagem profis- sional (Marcon, 2005).

Nesse contexto, observou-se certa concorrência entre a escola e a empresa, o que gerou um distanciamento entre esses dois espaços da formação profissional. Contudo, propostas voltadas para uma reunificação efetiva entre os mundos da escola e do trabalho foram formuladas na Alemanha, no século XIX, onde foi adotado um sistema de formação, conhecido como “sistema dual”, em que jo- vens intercalavam períodos de estudos na escola e de trabalho na empresa (Pe- droso, 1996).

No entanto, no final de 1970, a necessidade de aproximação entre a formação e o trabalho tornou-se imprescindível. O ensino encontrava-se em crise, havendo a necessidade de mudar a concepção de escola, pois a vigente promoveu a sepa- ração entre o ensino e o mundo do trabalho, e era necessário voltar a reuni-los, tendo como palco o trabalho no campo. Nesse momento, instaura-se uma ideia, já utilizada nas universidades medievais francesas e no início do século XX em escolas agrícolas, que envolvia ter um período de estudo na escola e um período de trabalho no campo. Assim, a formação em alternância constituiu-se numa possibilidade interessante diante das necessidades da época, como alternativa para atender a necessidade descrita.

Fonseca, Carbonesi & Pimentel (2006) afirmam que a pedagogia da alter- nância teve origem na década de 1930, em Serignac-Péboudou, na França, quando alguns membros do Secretariado Central de Iniciativa Rural (SCIR) de- cidiram assumir uma forma diferente de educação para os seus filhos. Desse

modo, foi organizado um tipo de ensino em alternância, em que os alunos per- maneciam um período na paróquia e outro com a família.

Escolas com tal modelo de formação se inscreveram no quadro do ensino profissional agrícola com estatuto de escola privada reconhecida pela nação. Porém, o reconhecimento por lei como modalidade pedagógica de alternância ocorreu apenas em 1960.

No Brasil, as primeiras experiências com a formação em alternância so- freram influência dos modelos adotados na Europa no âmbito das escolas agrí- colas a partir do final dos anos 1960, particularmente no estado do Espírito Santo.

Nessa direção, Marcon (2005) vai assinalar que, com relação aos cursos de formação inicial de professores em Educação Física, aplicam-se modelos de for- mação em alternância e não uma pedagogia da alternância, pois esses modelos não são apontados diretamente no planejamento de suas estruturas curriculares ou em seus projetos político-pedagógicos. Em face desse apontamento, um dos desafios deste trabalho circunscreveu-se em identificar a existência ou não de uma formação pautada na alternância, identificando os modelos de alternância.

Modelos de alternância: entendendo o conceito

Pensar em modelo nos traz o seguinte questionamento: o que é um modelo? Modelo e métodos são sinônimos ou podem se diferenciar?

Para compreensão desse conceito, referendamos Morandi (2002), que ex- plica que o termo “modelo” vem do latim modulus e remete a modus, que designa o modo, a dimensão, o tempo-limite e relação, proporção; nesse sentido, ele é molde e maneira, medida e valor, forma e sentido.

Para o autor, o modelo é uma configuração, um conjunto de caracteres de representações individuais e coletivas sobre determinado assunto e, nesse itine- rário, é capaz de situá-lo e comunicá-lo. São norteados pelo próprio trabalho pe- dagógico e referência para ele, refletindo o processo da atuação docente como sua representação. Possuem uma natureza subjetiva e simultaneamente real, pois refletem uma ideia, bem como orientam uma ação.

De acordo com Morandi (2002), um modelo surge de acordo com um con- texto social, cultural e humano que requer da sua relação com a aprendizagem a produção de determinados princípios para atender a busca pela coerência ou to- mada de consciência. Portanto, os modelos evoluem, se transformam de acordo com o contexto. O modelo pode contribuir, desse modo, para uma represen- tação coerente de um conjunto unindo sujeitos em busca de princípios de organi-

zação e condução, sendo a referência para a compreensão das situações e a adoção de coerência nos procedimentos profissionais de ensino e formação.

O método, por sua vez, é um caminho, odos, isto é, estrada, que permite atra- vessar, meta, entendido como através; nesse sentido, ele pode ser concebido como um procedimento organizado de um fazer e como fazer, sendo conduta e condução de práticas. Contudo, ele não é resultado e também não pode ser apli- cado, mas sim seguido e executado (Morandi, 2002). A escolha de um método reflete a escolha de um plano constituído da organização de objetivos, procedi- mentos e modos de trabalho e suporte do trabalho docente. Ele organiza o tra- balho pedagógico, na medida em que coordena as disposições previstas pelo professor em sua intervenção e o caminho que deve ser percorrido por seus alunos.

Comparando os conceitos, o modelo permite a organização de uma classe, assim como a escolha de métodos é capaz de promover a compreensão das prá- ticas e métodos dos professores através da análise da dimensão, isto é, do modo de pensamento do modelo. No entanto, os modelos e métodos refletem a evo- lução do pensamento pedagógico (Morandi, 2002).

Para Lima (2005), a pedagogia da alternância consiste na organização de espaços e tempos diferenciados ao apresentar um currículo que parte de uma “realidade empírica dos alunos num processo dialético prática-teoria-prática tra- duzindo-se num movimento entre escola e casa e/ou comunidade”. Além disso, pontua que a pedagogia da alternância não se reduz a um ritmo alternado entre casa e escola (no caso da formação em escolas agrícolas), pois esse tipo de for- mação proporciona ao aluno a oportunidade de intervir e transformar sua rea- lidade. Desse modo, esse modelo de formação acaba sendo marcado pela ação-reflexão-ação norteado pela pesquisa e aplicação dos conhecimentos adqui- ridos. Portanto, valoriza-se a experiência como matéria-prima para uma apren- dizagem dinâmica e contextualizada.

Fonseca, Carbonesi & Pimentel (2006) afirmam que a formação em alter- nância prioriza e potencializa a experiência como formadora, além de ser capaz de reinventar o modelo de educação ao exigir que o professor estabeleça priori- dades, acrescente elementos significativos aos conteúdos escolares: o conheci- mento da realidade do educando e a relação entre escola e família.

Teixeira, Bernartt & Trindade (2008) assinalam que a pedagogia da al- ternância consiste numa metodologia de organização do ensino escolar que con- templa diferentes experiências formativas, distribuídas em tempo e espaço distintos, tendo como finalidade a formação profissional. Afirmam também que o surgimento dessa pedagogia no Brasil tinha como objetivo principal atuar

sobre os interesses do homem do campo para elevar seu nível cultural, social e econômico.

Ao investigarem a produção de dissertações de mestrado e trabalhos de dou- torado entre 1969 e 2006, identificaram quatro linhas temáticas :

1) Pedagogia da alternância e educação do campo. 2) Pedagogia da alternância e desenvolvimento.

3) Processo de implantação de Ceffas (Centros Familiares de Formação por Alternância) no Brasil.

4) Relações entre Ceffas e famílias, e outras linhas temáticas (que não pu- deram ser agrupadas).

Nesse contexto, os temas mais investigados referem-se à pedagogia da alter- nância e educação do campo e às relações entre a pedagogia da alternância e a questão do desenvolvimento.

Embora haja uma quantidade expressiva de dissertações e teses sobre a te- mática (46 trabalhos), há ainda pouca ênfase na discussão da proposta pedagó- gica no meio acadêmico e nos órgãos técnicos e oficiais.

Na Educação Física, os trabalhos encontrados sobre o assunto apontam para Pedroso (1996), Nascimento (2002, 2006) e posteriormente para Marcon (2005) na questão da formação em alternância, buscando descrever suas características através da classificação dos diferentes modelos. Nesse caso, a diferença entre os autores Pedroso (1996) e Nascimento (2002, 2006) está apenas na nomenclatura usada para os modelos e a quantidade destes, sendo que Marcon (2005) fala com base no trabalho dos dois autores e pelo fato de que Pedroso (1996) não realiza estudos no âmbito da Educação Física.

Para Pedroso (1996), existem seis tipos de formação em alternância, que são: alternância implícita, estágios de inserção, estágios de aplicação prática de co- nhecimentos, alternância justaposta, alternância por associação e articulação de componentes e alternância interativa. Desse modo, descreveremos, a seguir, a classificação proposta pelos autores e sua existência nos cursos de formação ini- cial de professores de Educação Física.

Alternância implícita

Nesse modelo de formação não há o objetivo de se estabelecer uma relação direta entre a teoria e a prática na formação inicial (Nascimento, 2002; Marcon, 2005). Desse modo, o estudante-professor é o único responsável pela transfe-

rência dos conhecimentos teóricos para sua aplicação prática, mesmo que essa aplicação aconteça dentro do próprio curso de Educação Física, de forma que a experiência pessoal, que faz com que essa alternância aconteça, apareça vincu- lada ao desenvolvimento das competências profissionais no cotidiano das apren- dizagens de cada um dos estudantes-professores, nas atividades de práticas pedagógicas realizadas no curso ou no seu ambiente de trabalho.

Nessa perspectiva, o estudante deve participar, vivenciar situações de prá- tica, de atuação e, desse modo, mobilizar os saberes que considerar pertinentes para a situação vivenciada, gerando reflexão e tomada de decisão por parte do estudante.

Estágios de inserção

Trata-se do oferecimento pelos cursos de experiências de trabalho anteriores à sua aplicação profissional. Nesse caso, o contato direto do estudante-professor com os seus alunos ocorre antes das Práticas de Ensino e do Estágio Supervisio- nado (que costumeiramente ocorre no final dos cursos) e a relação entre teoria e prática é realizada no decorrer do próprio curso, visando à preparação do estu- dante-professor para sua atuação profissional (Nascimento, 2002; Marcon, 2005).

Nesse modelo de formação, o ambiente de trabalho é reproduzido no local de ensino da forma mais fidedigna possível e a formação universitária pode ser considerada como um processo de orientação profissional. Porém, essa iniciativa de trazer o mundo do trabalho para dentro do ambiente escolar universitário pode parecer desnecessária para estudantes-professores que possuem experiên- cias prévias como alunos ou como atletas, mas, para aqueles sem nenhuma expe- riência, pode ser bastante relevante. Além disso, é importante destacar que, nesse caso, a “experiência de trabalho não tem como objetivo a qualificação em si, mas uma sensibilização para as aprendizagens subsequentes, o desenvolvimento pes- soal e o amadurecimento dos estudantes-professores entendidos como profes- sores em formação” (Marcon, 2005, p.35).

Resta destacar que, mesmo que os estudantes possuam experiências prévias sobre o contexto de prática promovido pela universidade, cabe aos docentes res- ponsáveis pelo desenvolvimento propor a reflexão sobre as experiências anterior- mente adquiridas visando sua ressignificação, bem como o possível surgimento de novas aprendizagens.

Estágios de aplicação prática de conhecimentos

Segundo Marcon (2005), os estágios de aplicação prática de conhecimentos são um modelo de alternância observado na grande maioria dos cursos de for- mação inicial de professores de Educação Física. Assim como os estágios de in- serção, os estágios de aplicação prática de conhecimentos também ocorrem durante a realização do curso. Porém, no modelo em discussão, o objetivo não é a construção de novas competências, mas a aplicação, em situação real de trabalho, daquelas competências já construídas anteriormente durante o curso. Como exemplo, temos os estágios curriculares realizados ao final dos cursos de licen- ciatura em Educação Física, espaço onde as competências adquiridas são trei- nadas. Nessa perspectiva, a intersecção entre o ensino e o trabalho é proporcionada pela estratégia de formação do próprio curso, e não somente pelas experiências do estudante-professor, como no caso da alternância implícita.

Diante das diretrizes de formação do professor de educação básica, que prevê a realização do Estágio Curricular Supervisionado a partir da metade do curso, e não mais no final, esse modelo de formação pode perpassar ainda mais o processo formativo.

Alternância justaposta

Para Marcon (2005), trata-se de um modelo de formação encontrado com frequência nos cursos de formação inicial de professores em Educação Física. Caracteriza-se por ser composto por diversas experiências de trabalho que o es- tudante-professor tem durante o curso, que acontecem de forma paralela e si- multânea à sua realização, tendo relação ou não com a Educação Física.

Evidencia-se que a alternância justaposta pode se concretizar a partir da ne- cessidade de uma fonte de renda para custear a permanência do estudante-pro- fessor no ensino superior, ou pelo interesse do próprio estudante-professor em qualificar a sua formação com experiências profissionais paralelas.

Nesse modelo, a situação de trabalho se apresenta de forma autônoma, desen- volvendo-se paralelamente à situação de formação e sem qualquer vínculo com o ensino superior, havendo, portanto, desarticulação entre a teoria e a prática.

Em relação à utilização pelo mercado de trabalho de mão de obra advinda dos estudantes-professores em processo de formação profissional, Nascimento (2002) assinala que esses são empregados com remunerações inferiores às que orientam o próprio mercado. Ainda afirma que as contribuições advindas do mercado de trabalho nesse modelo serão utilizadas para o enriquecimento das

aulas e para o desenvolvimento da consciência crítica do estudante-professor sobre as relações sociais e as condições reais do mercado de trabalho.

Entendemos que o envolvimento dos estudantes em atividades profissio- nais, quando relacionadas ao curso, pode resultar em aprendizagens profis- sionais, na medida em que o estudante pode relacionar o que aprende no contexto acadêmico com o que aprende na atividade remunerada. Por outro lado, também pode prejudicar sua formação universitária, caso deixe ter compromisso com ela e estabeleça um compromisso maior com a atuação profissional remunerada.

Alternância por associação/articulação de componentes

No modelo de formação em alternância por associação/articulação de com- ponentes (Pedroso, 1996), existem também dois contextos distintos de formação, pois, primeiramente, o estudante-professor constrói os conhecimentos teóricos durante o curso de Educação Física e, num segundo momento, desenvolve suas atividades profissionais paralelamente ao curso. No entanto, o modelo de for- mação em alternância por associação/articulação de componentes tem, como ob- jetivo principal, a aproximação desses dois momentos, estabelecendo-se um elo entre o ensino e o trabalho, produtores de aprendizagens independentes, porém “consideradas pelos currículos dos cursos de Educação Física e planejadas de maneira que se apoiem e se potenciem mutuamente, configurando a associação e a articulação entre as competências construídas” (Marcon, 2005, p.37).

Esse modelo se configura na previsão por parte do projeto pedagógico, e portanto do corpo docente, de que os estudantes participem de atividades pro- fissionais no decorrer de sua formação. Com a previsão desse envolvimento em atividades profissionais, é possível promover a articulação do contexto de atuação profissional com a formação universitária, buscando o desenvolvimento de aprendizagens profissionais nos estudantes, e, consequentemente, resultando em uma formação mais contextualizada e significativa para os alunos.

Alternância interativa

Alternância interativa caracteriza-se por apresentar objetivos semelhantes aos descritos nos estágios de inserção. Em ambas existe a busca pela aproximação entre os estudos teóricos de sala de aula e as experiências de trabalho, de maneira que as aprendizagens construídas em ambos se somem e se complementem (Pe- droso, 1996). Consequentemente, o mundo do trabalho está inserido na for-

mação, assim como a formação está inserida no mundo do trabalho. A diferença entre os modelos citados está na elaboração da estratégia pedagógica que ligará o ensino ao trabalho, e vice-versa. A estratégia utilizada pela alternância interativa está centrada na solução de problemas e na realização de projetos, por meio dos quais se busca relacionar a teoria com a prática. Sendo assim, as dificuldades en- contradas no mundo do trabalho, ou em atividades que o simulam, são solucio- nadas com pesquisas e investigações teóricas, da mesma forma que as dúvidas que surgem a partir da teoria estudada em sala de aula são solucionadas com a sua aplicação na prática, simuladas ou não (Marcon, 2005).

A utilização dessas estratégias, ou seja, da solução de problemas, realização de projetos e problematização e simulação de situações da atuação docente, se constituem como espaços para se articular as experiências de prática docente com o ensino de saberes na formação universitária, que, se bem conduzidas, pode suscitar aprendizagens, bem como se tornar um espaço a mais para pro- mover a articulação entre teoria e prática.

Nesse itinerário, entendemos que os saberes docentes também podem per- passar a formação em alternância, visto que ela é composta por saberes e compe- tências, bem como se constitui como elemento importante para ressignificar os processos formativos (Pimenta, 2002) e promover um novo status à prática peda- gógica e, com isso, também aos professores. Nesse sentido, iremos, a seguir, dis- cutir a questão dos saberes docentes e das competências.