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1.4 A perceção das roturas ou o fim de um ciclo

Se os pressupostos da integração das expressões artísticas no programa do ensino primário e nos currículos das Escolas do Magistério correspondiam, como já o afirmámos, a uma reflexão que desde os anos cinquenta um grupo de pedagogos vinha fazendo sobre a problemática da educação pela arte, as outras iniciativas que se lhes seguiram são resultado do cruzamento da influência de outras reflexões e de outros movimentos. Entre estes, refira- se em particular o de animação sociocultural que, entre 1978 e 1980, congregou as práticas dos animadores e associações culturais que na altura intervinham no terreno, o de teatro para a infância e a juventude que, através do Centro Português de Teatro para a Infância e a

Juventude (CPTIJ), criou condições para que se tivesse assistido em Portugal a uma explosão da produção teatral para crianças e jovens e o dos museus e outras estruturas exteriores ao sistema escolar. A juntar a estes movimentos há que referir o facto de em 1979 se ter comemorado o Ano Internacional da Criança, o que levou a que a partir de 1977 se tivesse assistido em Portugal à constituição de equipas multidisciplinares que vieram a realizar os seus projetos durante as referidas comemorações.

Todo este conjunto de realizações, que foi acompanhado pela abertura de espaços de reflexão de que é exemplo mais significativo a revista de animação cultural "Intervenção", veio levar a que o campo de referência das práticas artísticas na educação se alargasse para além da perspetiva da educação pela arte, o que aconteceu logo na chegada dos professores de expressão dramática/movimento e drama às Escolas do Magistério quando se viu que só um pequeno número vinha da Escola Superior de Educação pela Arte, enquanto os outros tinham uma formação de base da Escola Superior de Teatro.

Esta diversificação e aprofundamento dos projetos não foi acompanhada pelo lançamento de medidas institucionais que permitissem criar condições para o desenvolvimento das práticas que suportavam esses projetos, tendo-se assistido ao aparecimento de dinâmicas institucionais contraditórias que se traduziram no(a):

a) enorme recuo institucional de que são exemplos paradigmáticos a não aprovação do Plano Nacional do Ensino Artístico, a extinção do Gabinete Coordenador do Ensino Artístico, pelo que deixa de haver no Ministério da Educação uma estrutura capaz de funcionar como interlocutor e com capacidade de compreender a globalidade da intervenção das artes e os seus possíveis desenvolvimentos no interior do sistema educativo;

b) esvaziamento progressivo das Escolas do Magistério, que até essa altura tinham sido o espaço de experimentação e referência do movimento de arte e educação, provocado pelo aparecimento das Escolas Superiores de Educação para onde passa a formação dos professores do ensino básico e dos educadores de infância. Esta passagem foi feita sem que tivesse sido feita uma análise mínima da experiência acumulada, muitas das vezes relegando para o esquecimento essa experiência, simplesmente porque não se avaliou, ou não se quis avaliar, um processo que tinha representado uma viragem radical nos modelos de formação de professores vigente em Portugal, nem se teve a coragem ou a capacidade de transformar a estrutura curricular dos planos de formação, tanto dos educadores como dos professores do 1º Ciclo. E bastava ter analisado as experiências realizadas e as medidas institucionais que foram aprovadas, para que a necessidade e os eixos dessa transformação curricular se tornassem visíveis;

d) ausência do mínimo sinal de abertura e de interesse da parte das escolas de formação de professores e de formação artística em responder à necessidade da formação de especialistas nas áreas das expressões artísticas;

e) redução drástica dos projetos de teatro para a infância e a juventude que se tinham começado a afirmar a partir de 1978 aquando dos encontros organizados pelo CPTIJ e da dinâmica criada à volta das comemorações do ano internacional da criança, redução provocada pelo estrangulamento dos apoios às companhias de teatro vocacionados para a infância e juventude por parte do Ministério da Cultura.

Houve efetivamente uma notória incapacidade institucional para potenciar todo este movimento e para responder às necessidades que emergiam da prática, podendo mesmo afirmar-se que, a partir de certa altura, se assistiu a uma atitude de recuo institucional. Quando todos os indícios apontavam para um reforço do apoio institucional ao movimento e às práticas saídas das manifestações realizadas em torno das comemorações do Ano Internacional da Criança em 1979, aconteceu o inverso: a única escola vocacionada para a formação de quadros especializados, Escola Superior de Educação pela Arte, é fechada em 1980, o Plano Nacional de Educação Artística de Madalena Perdigão é votado ao esquecimento, o movimento de teatro e animação para a infância e a juventude é estrangulado pela falta de apoios da Secretaria de Estado da Cultura e as horas previstas para os centros de tempos livres vão sendo progressivamente reduzidas.

Houve ainda uma outra impossibilidade no interior do próprio movimento: a do aprofundamento do diálogo e dos projetos entre a gente da formação e da criação que estavam dentro do CPTIJ nos anos dourados do Teatro para a Infância e a Juventude - 1978/1980. Esta impossibilidade de diálogo entre artistas e pedagogos provocou a primeira derrota do processo de afirmação do teatro, tanto no exterior como no interior da estrutura escolar, e impediu que o CPTIJ continuasse a assumir-se como espaço privilegiado de articulação entre a gente e os projetos prioritariamente ligados à criação e aqueles que estavam mais ligados à formação. Se essa articulação se tivesse aprofundado em 1980, talvez o CPTIJ ainda hoje tivesse a força que então tinha e não houvesse tanta necessidade de incentivar o diálogo entre pedagogos e artistas, porque ele já existiria naturalmente.