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1.1 A CRISE AMBIENTAL E A SOCIEDADE DE RISCO

1.1.2 A Teoria da Sociedade de Risco

1.1.2.7 A percepção pública do risco

A despeito da aparente eficiência deste processo de ocultamento das origens e consequências dos riscos da segunda modernidade, o quadro de irresponsabilidade organizada sempre sofre um abalo em determinado momento, pois essas ameaças apresentam uma explosividade social, que lhes é inerente. Por isso, ao lado do processo autônomo de encobrimento dos perigos, também é possível identificar a presença de tendências opostas que desvelam esse encobrimento (BECK apud BAHIA, 2012, p. 58).

Nesse sentido, Leite e Ayala (apud FERREIRA, 2008, p. 63) consideram que os riscos modernos já não escapam à percepção pública, pois seus efeitos têm o potencial de romper o anonimato e a invisibilidade impostos através da sua negação institucional. De fato, este é um dos aspectos que, segundo Beck (apud FERREIRA, 2008, p. 63), diferencia a sociedade

industrial da sociedade de risco: enquanto naquela primeira os riscos eram sistematicamente produzidos sem envolvimento público; nesta última, a falência dos padrões de segurança típicos da primeira modernidade empurra a produção sistemática dos riscos para o centro da esfera pública, contrariando os esforços de dissimulação e resistência.

Goldblatt (apud BAHIA 2012, p. 58) observa que, para a teoria da sociedade de risco, a repetição de desastres ecológicos de grande magnitude seria a principal causa da perda de legitimidade e da desestabilização das instituições do Estado responsáveis pelo controle do risco e isso ocorre porque as promessas do Estado de Bem-Estar, apesar das suas tentativas para aprimorar os velhos modelos de controle e segurança da era industrial, são desarmadas pela enormidade dos riscos da atualidade.

Esse poder social da ameaça, para Beck (apud BAHIA 2012, p. 58), decorre dos fatos, dispensando qualquer autorização política ou autenticação e, uma vez que cobra existência, faz com que a consciência pública emergente ameace todas as instituições que o tenham produzido e legitimado. Como salienta o autor, o caráter virtual ou a própria concretização dos perigos, riscos e incertezas fabricadas em grande escala desenvolvem uma dinâmica própria de mudança cultural e política que atinge as burocracias estatais, questiona a hegemonia da ciência e altera os limites e as formas de enfrentamento da política contemporânea (BECK apud BAHIA 2012, p. 58).

Nesta mesma linha, Goldblatt destaca que:

[...] a dimensão dos riscos que enfrentamos é tal, e os meios pelos quais tentamos lutar contra eles, a nível político e institucional são tão deploráveis, que a fina capa de tranquilidade e normalidade é constantemente quebrada pela realidade bem dura de perigos e ameaças inevitáveis. (GOLDBLATT apud BAHIA 2012, p. 58). Segundo o autor, os Estados estão empenhados numa batalha perdida, pois empregam garantias de segurança do século XIX para enfrentar riscos e perigos que apresentam uma qualidade totalmente diferente (GOLDBLATT apud BAHIA 2012, p. 59).

Percebe-se então que, apesar de todo arsenal voltado para a normalização dos perigos da era tecnológica, as relações de definição da ciência e do Direito não oferecem qualquer proteção em face do pior acidente imaginável e que, enquanto o sistema legal dedica-se ao controle e à investigação detalhada dos riscos menos graves e tecnicamente manejáveis, em razão de não conseguir minimizar tecnicamente os perigos de alta consequência, limita-se a legalizá-los (apud BAHIA 2012, p. 59).

Deste modo, a evidência dos perigos termina desencadeando uma oposição crescente às velhas rotinas normalizadas de minimização e encobrimento, levando a administração dos

riscos, a racionalidade tecnocientífica e legal e as garantias de segurança ao colapso, deslocando os agentes da modernização nas searas econômica, científica e política para a incômoda situação “do acusado que nega tudo, mas a concatenação de indícios o leva a suar” (apud BAHIA 2012, p. 60).

Nesse quadro, ainda que possa haver variações na forma de percepção e no grau de tolerância do Risco, não há como negar que o fator incerteza, vinculado particularmente às novas tecnologias, continua a influenciar a esfera pública de uma maneira determinante. Em várias áreas, como a da biotecnologia e da pesca industrial, verifica-se uma demanda por regulamentações mais estritas. Isso significa que, muito embora os riscos possam ser minimizados em razão dos benefícios existentes, o simples fato de haver um percentual de incerteza associado a potenciais efeitos sobre os quais não se tem suficiente informação parece atrair a esfera pública e fazê-la questionar os padrões de segurança estabelecidos pela sociedade industrial. Como analisado anteriormente, a incerteza não é um atributo exclusivo da segunda modernidade, mas é justamente nesse estágio que o risco deixa de ser passível de previsão (FERREIRA, 2008, p. 66).

Assim, a incerteza afasta-se do plano do controle para manifestar-se também no plano da ausência de controle. Com isso, os riscos passam a ser percebidos e a falta de informações sobre o seu potencial de destruição encarrega-se de conduzi-los ao centro dos debates públicos.

Beck (apud FERREIRA, 2008, p. 66) denomina este fenômeno de explosividade social do risco, uma expressão relacionada aos efeitos de politização provocados pelos conflitos de risco. Segundo o autor, a realidade dos riscos e das incertezas fabricadas em grande escala desencadeiam uma dinâmica de mudança cultural e política que mina as burocracias estatais, desafia o predomínio da ciência e retifica as fronteiras da política contemporânea. Os perigos apresentam uma explosividade tanto social quanto física e tornam-se atores poderosos e incontroláveis que retiram a legitimidade das instituições e sistemas de controle e segurança (apud BAHIA 2012, p. 59).

A própria indústria da ameaça transforma-se no seu adversário mais influente e acidentes como o desastre nuclear de Chernobyl e o derramamento de óleo da Deepwater

Horizon no Golfo do México, passam a exercer a função de seus próprios críticos,

desempenhando este papel de modo mais eficiente e convincente que os próprios contramovimentos políticos (BECK apud BAHIA, 2012, p. 59).

Beck (apud BAHIA, 2012, p. 59) também observa que, sob o imperativo da necessidade, os indivíduos terminam sendo submetidos a um curso intensivo sobre as contradições da administração dos perigos na sociedade de risco, sobre a arbitrariedade dos níveis e procedimentos de cálculo aceitáveis ou sobre o caráter inimaginável das consequências em longo prazo e as possibilidades de fazê-las anônimas por meio das estatísticas.

Nesse contexto, a explosão social do perigo desmascara a irresponsabilidade organizada, pondo as suas estratégias e contradições ocultas em xeque (LENZI apud BAHIA, 2012, p. 59), revelando também a anarquia concretamente existente e que se desenvolve por meio da negação da produção e da administração social dos perigos de alta consequência (BECK apud BAHIA, 2012, p. 59).

Pardo (apud FERREIRA, 2008, p. 67), nessa mesma direção, assinala que há uma crescente sensibilização da sociedade diante dos riscos da atualidade. Isso pode ser constatado pela rapidez com que surgem explicações e justificações diante da ocorrência de danos ou mesmo em face de situações de alarme. É curioso perceber, entretanto, que a falha humana é apontada com frequência como fator responsável pela criação de ambientes de risco e pela materialização de seus efeitos secundários. Isso ocorre, assinala o autor, porque o ato de explicar e justificar relaciona-se fortemente com grau de percepção social dos riscos. É dizer: quando a ocorrência de danos ou as situações de alarme é associada à falha humana, tem-se a possibilidade de garantir a manutenção do estado de normalidade, uma vez que se pressupõe o conhecimento das causas que desencadearam o problema; o reconhecimento das limitações do saber, em contrapartida, desencadearia um efeito social indesejado na medida em que a incerteza passaria a atuar no campo da insegurança. Apesar de todos os esforços para bloquear o processo de percepção dos riscos, toma-se cada vez mais evidente o crescente interesse social pelo lado obscuro do progresso, o que tende a impulsionar as reações diante de acidentes provocados por tecnologias complexas.

Decorre desse crescente estado de ansiedade pública um interessante fenômeno. Conforme assinala Strydom (apud FERREIRA, 2008, p. 67), as reações negativas em face dos riscos da modernidade têm transformado a psicologia da oposição tecnocientífica em um novo objeto de estudo. E as conclusões se repetem: o público está despreparado para incorporar as análises objetivas dos riscos em sua dimensão apropriada. No mesmo sentido, Jasanoff (apud FERREIRA, 2008, p. 67) menciona que pesquisas dessa natureza consideram que o risco percebido representa uma versão distorcida do risco, delineada pela ignorância, pelos

preconceitos e pelas experiências pessoais subjetivas de não-especialistas. No curso do tempo, entretanto, a estratégia de opor a racionalidade científica à racionalidade pública converte-se em objeto de crítica e se consolida como um dos principais mecanismos responsáveis pela erosão da confiança pública nas instituições científicas, suas explicações e justificações. O problema básico consolida-se na falta de habilidade para comunicar e regulamentar os riscos através de um debate construtivo com todos aqueles envolvidos nas controvérsias da segunda modernidade.

Dessa maneira, afirma-se que a sociedade de risco demanda uma abertura dos processos decisórios. Os mecanismos simbólicos já não são propostas válidas e apenas estimulam os estados de ansiedade e apreensão. Diante da falência dos padrões de segurança que sustentaram a sociedade industrial, toma-se imprescindível uma reforma institucional das relações de definição e das estruturas de poder ocultas nos conflitos de risco. Com isso, ter-se- ia aberta a possibilidade para a redefinição da esfera pública, um espaço no qual as contingências deveriam ser debatidas e avaliadas.

Verifica-se então que o fenômeno da irresponsabilidade organizada já não sustenta os pretensos estados de normalidade e estes, por sua vez, já não subsistem à realidade das novas ameaças. Deste modo, parece necessário redimensionar a extensão e os limites dos processos de determinação, organização e regulamentação do risco sem, contudo, excluir a percepção e participação de todos os interessados.

1.1.2.8 Os desafios para a gestão dos riscos ambientais na sociedade de risco: