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A PERSPECTIVA DE ATRAÇÃO DE INVESTIMENTOS

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4 MOBILIDADE E MUTAÇÕES NO PROCESSO DE IMPLEMENTAÇÃO: O

4.1 A PERSPECTIVA DE ATRAÇÃO DE INVESTIMENTOS

Em meados de 2013, quando comecei a montar meu projeto de pesquisa, o ProSavana era alvo de pesadas críticas. As informações públicas e os estudos sobre o Programa eram ainda escassos, muito pouco se sabia sobre o seu estágio de implementação e predominava a visão de que se tratava de um projeto voltado para a internacionalização do agronegócio brasileiro. Havia uma grande dúvida no ar: estariam, de fato, as empresas do agronegócio brasileiro aportando em território moçambicano? Essa foi uma das questões que motivou a minha primeira ida a campo. Em todas as entrevistas que realizei, em algum momento, chegava a hora em que essa questão era

abordada. Descobri que, a princípio, os agricultores brasileiros pareciam mais interessados no extremo norte do Corredor de Nacala, na província de Niassa – uma região menos habitada e indicada pelo governo Moçambicano como a mais adequada para empreendimentos de mais de 10.000 hectares. Vários relatos indicaram a visita de delegações de empresários brasileiros interessados em conhecer a região. Porém, a única presença real do agronegócio brasileiro no Corredor de Nacala era, até fevereiro de 2014, a do empreendimento agrícola Agromoz, na localidade de Lioma, distrito de Guruê, na província da Zambézia. Essa província é considerada hoje como a mais importante região de produção de soja de Moçambique (HANLON; SMART, 2014).

Em janeiro de 2014, realizei uma visita à Agromoz, onde fui recepcionada pelo gerente brasileiro, que acumulava também o cargo de diretor do grupo Pinesso em Moçambique e que me levou a conhecer a fazenda e me cedeu uma longa entrevista. A Agromoz recebeu do governo moçambicano, em 2012, o DUAT para exploração de uma área de 10.000 hectares. A empresa é uma sociedade entre os grupos Pinesso, pelo lado do Brasil; Américo Amorim, um dos principais conglomerados econômicos portugueses em Moçambique; e Intelec Holding, companhia moçambicana. Segundo o entrevistado: “dizem que Guebusa (ex-presidente de Moçambique) é o presidente, mas nunca esteve aqui, não apita em nada, quem esteve aqui foi o Salimo Abdula, que é presidente do grupo”. Abdula acumulava, na época dessa primeira ida a campo, o cargo de presidente da assembleia geral da CTA e o de presidente da Confederação Empresarial da CPLP – CE-CPLP. O grupo Pinesso tem como presidente Gilson Pinesso, que por muitos anos foi também presidente da Associação Brasileira de Produtores de Algodão – ABRAPA. A empresa brasileira cultiva soja, algodão, milho e sorgo nos estados do Mato Grosso e Mato Grosso do Sul e tem no Sudão a maior empreitada brasileira em solo africano: Segundo o entrevistado, trata-se de uma concessão para utilização de 100 mil hectares de terras, onde já eram cultivados algodão, milho, sorgo, feijão e girassol.

Em Lioma, 3.000 ha de soja já estavam sendo cultivados, mas a intenção era a de expansão da área de produção dessa cultura para depois dar início ao cultivo do algodão. Na Agromoz, os brasileiros são responsáveis pela produção, o que fazem a partir da experiência de trabalho no Cerrado brasileiro. Além do gerente do empreendimento, havia na fazenda um total de oito funcionários brasileiros, todos eles com histórias de muitos anos de trabalho junto ao

Grupo Pinesso e alguns com passagem pela fazenda do Sudão. As sementes de soja utilizadas são a Serenadi, produzida no Zimbabwe, e a Sambaiba, uma variedade da Embrapa, a mesma utilizada na fazenda de propriedade do grupo, em Rondonópolis (MT), que está no mesmo paralelo geográfico de Lioma. Grande parte dos maquinários e implementos estava ainda em processo de importação, vindos do Brasil. Na visão do diretor da Pinesso em Moçambique, que foi também responsável pela abertura da fazenda no Sudão, a expertise dos agricultores brasileiros “na produção em larga escala e com o uso intensivo de tecnologias faz muita diferença no continente africano, temos muito o que fazer na transferência de nossa experiência”46. O entrevistado avaliou que a transferência tecnológica à Moçambique, a partir da experiência brasileira, já está acontecendo na Agromoz, uma vez que há uma importante absorção de conhecimento por parte dos agrônomos e funcionários moçambicanos contratados. Relatou também a parceira com a ONG americana Technoserve, através da qual pequenos e médios produtores de soja da região visitam a fazenda como parte de projetos que promovem outgrower scheemes, ou esquemas de produção por contrato, financiados pelo Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola – FIDA, agência da ONU, e pela Fundação Bill e Melinda Gates.

O entrevistado não associou a chegada da Agromoz em Moçambique ao ProSavana e pouco sabia sobre o andamento do Programa. Relatou que o empreendimento nunca se beneficiou das iniciativas da Embrapa em Moçambique. As sementes da Embrapa que utilizam são importadas diretamente pela empresa. Nada sabia sobre o Plano Diretor do ProSacana, mas tinha conhecimento do Fundo Nacala e contato com os consultores responsáveis da FGV Agro, que, segundo ele, “trabalham direto com o Roberto Rodrigues e a ABRAPA, que parece que é também parceira do Fundo”. As últimas notícias a que tinha conhecimento eram sobre a previsão de que o Fundo Nacala começaria a ser operacionalizado a partir da safra de 2015/2016, apoiando a produção em 35.000 ha de terra, e que o governo brasileiro já havia disponibilizado recursos, mas que haviam entraves burocráticos. O que acabou por nunca acontecer. Segundo ele, os beneficiários brasileiros desses financiamentos já estavam inclusive selecionados. Em sua visão a grande vantagem da vinda para Moçambique é “não ter que pagar pela terra”. Ainda assim, para ele, “falta coragem aos produtores brasileiros, até porque ainda está se ganhando muito dinheiro no Brasil”.

Outras visões sobre a perspectiva de ida de empresários brasileiros à Moçambique foram expressas em entrevistas por mim realizadas. De maneira geral, os relatos sugerem que as condições desejadas para a produção de larga escala, nos moldes da realizada no cerrado brasileiro, ainda não estão dadas. Não há disponibilidade de terras de grande extensão, tal qual se esperava, nem tampouco oferta de infraestrutura, logística e recursos humanos capacitados.

O Brasileiro pensou: deixa eu correr primeiro. Mas quando viu que não havia disponível para ele 40.000 hectares voltou para casa. Talvez a FGV tenha vindo com essa intenção. Politicamente criou essa situação. Mas essa não é a intenção de todos (Representante moçambicano no Gabinete do ProSavana, Nampula, nov. 2014).

A concepção generalizada de trazer agricultores brasileiros para cá não é exatamente assim, porque ninguém vai sair de lá pra vir pra cá onde não há a mínima infraestrutura. Eventualmente investidores brasileiros vêm falar comigo, eu digo que tem terra, mas tem gente em cima, é do governo, mas não é livre. Segundo, não há pessoas capacitadas para desenvolver agricultura tropical, não há mão de obra qualificada, aqui a agricultura é de cabo curto. Vai trazer um trator de 1 milhão de dólares e vai botar na mão de quem? Não há mecânicos. (...) É um investimento altíssimo, que não compensa. E não há garantia da terra, as pessoas deixam as terras, recebem algum dinheiro de indenização, mas depois, na próxima safra, voltam (Representante da Embrapa em Nampula, Nampula, nov. 2014).

Acho que os produtores brasileiros não vieram porque não há condições logísticas no Corredor para se fazer a produção de larga escala que eles pretendiam. Sem condições logísticas não é possível operações daquele tamanho. Teriam que fazer investimentos, se calhar, duas ou três vezes maiores do que pensavam que haviam de fazer. E duvido que mesmo as agências dos governos do Japão e do Brasil estavam preparadas para investimentos dessa ordem. Penso que eventualmente podem vir, mas vai ser aos bocadinhos (Empresário da Matharia Empreendimentos, Maputo, fevereiro de 2015).

Em fevereiro de 2014, realizei minha primeira entrevista coletiva com representantes da ABC, da JICA e do MINAG no gabinete de coordenação do ProSavana em Maputo. Ainda que meu foco principal de interesse fosse entender o estágio de implementação do Programa, em relação a seus três componentes, não pude deixar de levantar o debate sobre as críticas da sociedade civil e a perspectiva de internacionalização do agronegócio brasileiro. Foi possível perceber, por parte dos representantes dos três países, um discurso comum que buscava dissociar o ProSavana, de qualquer iniciativa de atração de investidores e produtores estrangeiros para o Corredor de Nacala. Na visão expressa pelos representantes oficiais do Programa: i) a contratação

da FGV Agro para a elaboração do PD não está associada aos interesses do agronegócio brasileiro; ii) o Fundo Nacala nunca foi parte do Programa; e iii) o ProSavana não facilita a aquisição de terras para investidores estrangeiros.

Não há empresários brasileiros vindo para Moçambique, isso é um equívoco, uma falácia. Houveram missões de agricultores brasileiros, que foram liderados por parlamentares, mas não há investimentos da ABC nesse sentido. Houve apenas uma iniciativa da ABC com o MAPA, uma apresentação do Corredor de Nacala. A contratação da FGV não reflete essa perspectiva de vinda do empresariado brasileiro, é apenas uma empresa de consultoria. Não incentivamos em nada a vinda do setor privado brasileiro (Representante da ABC no gabinete de coordenação do ProSavana, Maputo, fevereiro de 2014). Essa chegada dos empresários, eu gostaria que não se associasse isso ao ProSavana, porque nunca trouxemos nenhum empresário para desenvolver agricultura. Como disse, qualquer empresário estrangeiro segue os canais normais de aquisição de terras, não tem que passar pelo ProSavana (Representante do MINAG no gabinete do ProSavana, Maputo, fevereiro de 2014).

Os representantes dos três países foram enfáticos em afirmar que o Fundo Nacala não é, nem nunca havia sido, uma iniciativa que fazia parte do ProSavana. As indagações levantadas por mim sobre o Fundo geraram os momentos mais tensos dessa entrevista coletiva. A representante da JICA insistiu em afirmar que o Fundo nunca havia sido parte de nenhum tipo de acordo trilateral e que todo o esforço público no âmbito do ProSavana era direcionado aos produtores familiares. O representante do MINAG defendeu o direito do governo moçambicano de negociar diretamente com os investidores privados interessados em colaborar com o objetivo nacional de aumentar a produção agrícola e considerou como oportuna a parceira com a Fundação Getúlio Vargas – FGV no sentido de buscar formas de financiamento da produção agrícola nacional, contanto que as iniciativas do setor privado encontrassem respaldo no Plano Diretor. A representante da ABC se absteve de opinar sobre o Fundo.

A relação existente entre o Fundo Nacala e o ProSavana nunca foi suficientemente clara para o público em geral. Alguns dos fatores que borraram essas fronteiras foram a justaposição de papéis desempenhados pelo FGV Agro na elaboração do Plano Diretor e na concepção do Fundo, o evento de lançamento do Fundo e as notícias de jornais, bem como a falta de clareza nas declarações oficiais prestadas por membros dos governos brasileiro e moçambicano (FASE, 2015). Mesmo entre os três países, parece nunca ter existido um entendimento comum quanto à

sua operacionalização, o que teria levado o governo japonês a retirar seu apoio à iniciativa (FASE, 2015). Segundo um dos entrevistados da JICA, a proposta do Fundo Nacala não foi aceita pelo Japão, que recomendou sua retirada do desenho do Programa, pois, entre outras questões, havia a exigência, para a criação do Fundo, de que fossem cedidos 60.000 ha de terra aos produtores brasileiros. Em síntese, o Fundo Nacala foi uma proposta dos atores da cooperação brasileira, sobre a qual não houve consenso trilateral. Previsto para ser constituído em 2012 e administrado pela FGV, o Fundo nunca chegou a iniciar suas operações. Tal qual previsto originalmente não mais existirá, o que não significa que não esteja em andamento a criação de um arranjo financeiro com a mesma finalidade (FASE, 2015). Após as críticas e os esforços de dissociação do ProSavana, o Fundo teve seu nome e regime jurídico e operacional modificados em relação ao que se planejava originalmente. Mas segue a parceria entre o governo moçambicano e a FGV nesse arranjo financeiro. Está em curso a estruturação de uma empresa em Moçambique, que deverá levar a cabo as ideias que se originaram no âmbito da cooperação trilateral, com o envolvimento da mesma equipe da FGV que esteve engajada na concepção do Fundo Nacala (FASE, 2015).

Apesar dos esforços dos representantes oficiais dos três países na construção de um discurso que tenta descartar os sinais de interesses comerciais, é possível observar na fala de representantes do governo moçambicano que a perspectiva de atração de investimentos externos para o Corredor de Nacala não está abandonada. Essa posição, por vezes, passa a impressão de que ainda não foram realizadas as etapas para se chegar ao estágio de atração de investimentos, ou, ainda, que este deixa de ser um objetivo direto do Programa, mas não do governo moçambicano.

Em primeiro lugar queria dizer que temos como princípio que os principais protagonistas de desenvolvimento para o Corredor de Nacala são os pequenos e médios produtores que lá existem. Entendemos que não pode haver desenvolvimento feito por forças externas, o que não significa que outros atores de fora não possam dar sua contribuição. No âmbito do ProSavana, pelo menos até agora, ainda não estamos a promover nenhum tipo de investimento externo. Primeiro porque não temos ainda o nosso Plano Diretor concluído. Mas o fato do ProSavana não estar a promover investimento não significa que o governo não possa estar fazendo isso (Representante do MINAG no gabinete de coordenação do ProSavana, Maputo, fev. de 2014).

Existe a etapa da cooperação técnica, com o PI, o PD que vai desenhar as linhas orientadoras, como deve ser o investimento externo em Nacala, e o PEM, que vai definir qual é a melhor forma de incorporar o produtor moçambicano. Só depois é que vem a fase da atração de investimentos, aberta para qualquer nação (Representante moçambicano no gabinete do ProSavana em Nampula 2, Nampula, nov. 2014).

4.2 MELHORIA DA CAPACIDADE DE PESQUISA: TRANSFERÊNCIA TECNOLÓGICA

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