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PLANO DIRETOR: UM MODELO DE DESENVOLVIMENTO RURAL EM

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4 MOBILIDADE E MUTAÇÕES NO PROCESSO DE IMPLEMENTAÇÃO: O

4.3 PLANO DIRETOR: UM MODELO DE DESENVOLVIMENTO RURAL EM

O segundo componente do ProSavana é o Plano Diretor, que, de acordo com os objetivos formalmente expressos, consiste na elaboração de um instrumento de planejamento territorial, com vistas ao desenvolvimento agrícola do Corredor de Nacala, a partir de zoneamentos econômicos e do conceito de conglomerados agrícolas. Em sua origem, tinha como instituições executoras o MINAG representando Moçambique; pelo lado do Japão, a JICA e um consórcio de empresas japonesas de consultoria (Oriental Consultants, NTC International e TaskCo.); e, pelo lado do Brasil, o FGV Agro. O FGV Agro formaliza sua participação no ProSavana a partir de um acordo de cooperação de dois anos com a ABC, que teve início em 2012, com o objetivo de “elaboração de um plano diretor para o desenvolvimento da agricultura que contribua para o desenvolvimento econômico e social através da promoção de investimentos em sistemas produtivos sustentáveis e da redução da pobreza no Corredor de Nacala”. Entre os componentes do ProSavana, o PD é o principal alvo de negociações e disputas entre os vários atores, pois é principalmente nesse instrumento de planejamento que se expressam as visões de desenvolvimento rural para o Corredor de Nacala. É sobre o conteúdo do PD que acontecem as tentativas de diálogo. Não por acaso, até o final de 2015, ainda não havia se chegado a uma versão de consenso entre os atores.

Na perspectiva do governo moçambicano, o PD é um instrumento que se desdobra a partir do PEDSA, que tem como parte de suas estratégias o desenvolvimento de cadeias de valor para os produtos agrários com base em seis corredores, entre eles o Corredor de Nacala. O PD é descrito por gestores do MINAG como uma peça técnica, que detalha o PEDSA no território do Corredor de Nacala e que conta com a consultoria de brasileiros e japoneses, pela experiência acumulada por ambos os países. Defendem, porém, que o protagonismo político na elaboração do plano é do governo moçambicano. Na visão de um dos entrevistados do MINAG, consultores brasileiros e japoneses estariam exercendo um papel estritamente técnico, já que foram os consultores japoneses, sediados em Nampula, que elaboraram as primeiras versões do PD, em diálogo constante com os consultores brasileiros, que vinham a Moçambique apenas em missões esporádicas. As entrevistas revelam que não houve participação nem da Embrapa, nem do IIAM, na elaboração desse instrumento. Pelo lado do Brasil, apenas o FGV Agro participou do processo.

Em meados de 2013, foi vazada uma versão preliminar do PD, que se tornou imediatamente alvo de críticas por parte do movimento de resistência ao ProSavana. As visões expressas em cartas tornadas públicas logo após o vazamento consideram essa versão “um plano de negócios, voltado para a aquisição de terras e o controle da agricultura em Moçambique por parte das grandes empresas” (UNAC, 2013). Os movimentos sociais avaliaram que o PD não considerava as características da população e produção local, desconhecendo suas necessidades, histórias, conhecimentos e aspirações futuras. Analisaram essa versão preliminar como um instrumento que pretendia promover a transição dos agricultores de seu modo de produção tradicional, baseado na agricultura itinerante e em técnicas tradicionais de gestão de terras, para a adoção de técnicas de cultivo intensivo à base de sementes comerciais, produtos químicos e títulos de propriedade privada. Algumas formas de incentivo a essa transição propostas na versão vazada do PD eram a criação de grupos demonstrativos de agricultores principais, com o objetivo de mostrar as vantagens da agricultura intensiva; a criação de um sistema de subsídios para a compra de fertilizantes químicos; e a emissão de títulos de DUAT para os agricultores que se propusessem a se integrar a essas estratégias de tecnificação. Na visão crítica da sociedade civil, essa é uma estratégia para empurrar os agricultores para um regime de produção por contrato com empresas agrícolas e de processamento.

Na carta crítica à versão vazada do PD, as organizações e movimentos denunciaram a intenção expressa de transformar a agricultura de pousio em cultivo intensivo, limitando os agricultores a uma parcela fixa de terra. Consideraram essa demarcação de terras como uma estratégia que as tornava mais acessíveis aos investidores externos, uma vez que facilita a comercialização não permitida no sistema de cessão de terras públicas moçambicano. Para os camponeses, o componente sobre o registro de terra de agricultores de pequena e média escala do PD teria como objetivo facilitar a identificação de áreas para a promoção da agricultura por grandes fazendeiros, empresas privadas e produtores de médio porte, sendo também esta uma forma de criação de um ambiente de cooperação e integração entre a fazenda de pequena escala e novos investidores. A forma de integração dos camponeses proposta nessa primeira versão vazada se dava através de uma combinação de grandes e médias fazendas em sistemas de produção sob contrato com pequenos agricultores, o que na visão da sociedade civil, tendia a torná-los dependentes de uma única empresa para tudo, desde as sementes até a venda das suas colheitas, restringindo sua autonomia. Os direitos dos pequenos agricultores, assim como outros

possíveis conflitos de interesses, teriam como única solução o compromisso dos novos investidores com as Diretrizes do ProSavana para o Investimento Agrícola Responsável, elaboradas com base em documentos de referência do Banco Mundial que, segundo expresso na carta, têm sido severamente criticados por organizações camponesas em todo o mundo. Os movimentos consideraram as diretrizes fracas e facultativas, devendo ser complementadas por novas leis ou regulamentos nacionais que pudessem realmente defender as comunidades contra aquisições indevidas de terras (JUSTIÇA AMBIENTAL et al., 2013). Em síntese, a crítica expressa publicamente denunciava o ProSavana, a partir de análises do PD vazado, como uma estratégia que buscava criar as condições ideais para a entrada do agronegócio em Moçambique, o que teria como consequência a perda de autonomia das famílias camponesas e a desestruturação de seus sistemas tradicionais de produção.

A partir de então, as demandas da sociedade civil passaram a ser focadas na exigência de maior participação na elaboração do Plano Diretor dos que são oficialmente indicados como beneficiários do Programa, os pequenos e médios camponeses do Corredor de Nacala. Na carta direcionada aos presidentes dos três países, a sociedade civil expressou sua discordância quanto às diretrizes do PD e se recusou a reconhecer a legitimidade desse instrumento enquanto não fosse realizado um processo capaz de assegurar o direito de livre consentimento dos agricultores (UNAC, 2013).

A sociedade civil não concorda com o PD enquanto não houver um processo de socialização do planejado e que assegure o direito dos camponeses, integrando de forma positiva o setor familiar (Representante da plataforma de ONGs de Nampula 1, Nampula, jan. 2014).

Um dos representantes do governo moçambicano defendeu a ideia de que a versão vazada era apenas um documento técnico elaborado pelos consultores, que passaria ainda por várias etapas até seguir para o conselho de ministros, tornando-se assim um instrumento de governo. Segundo o entrevistado, o documento vazado não expressava uma visão oficial e concluída do ProSavana. Em sua opinião, “a sociedade assumir isso como uma posição é um erro”52

. O relato de um técnico do MINAG expressa bem o impacto da desaprovação ao

52 Representante moçambicano no gabinete do ProSavana em Nampula 2 entrevistado em Nampula no mês de novembro de 2014.

andamento desse componente do Programa: “quando começa a aquecer a crítica, o PD começa a fracassar, a perder força, e os consultores começam a ver tudo parar”53.

Como resposta à demanda por maior participação, o governo moçambicano organizou dois momentos descentralizados de diálogo com a sociedade civil. A avaliação que o gabinete de coordenação do ProSavana fazia era a de que havia um enorme desconhecimento em relação ao que de fato era o Programa. Os encontros tiveram início em novembro de 2013 e foram realizadas rondas de discussão, com base em uma Nota Conceitual do PD, em 19 distritos, nas províncias de Nampula, Niassa e Zambézia e em Maputo. Delas participaram camponeses, organizações de produtores, comunidades e organizações da sociedade civil. A proposta era a promoção do debate junto aos camponeses e o recolhimento de recomendações para o Plano Diretor. Tal qual expresso na fala abaixo, o processo de consulta foi desqualificado por representantes da sociedade civil.

Houve de fato um início de diálogo, mas não há acordo, não há consenso. Não houveram respostas (dos presidentes) às cartas. As rondas não são suficientes enquanto processo de consulta e se cobra ainda a resposta dos três presidentes. Seguem negociações técnicas, mas faltam respostas políticas (Representante da plataforma de ONGs de Nampula 3, Nampula, nov. 2014).

Em março de 2015, após um longo período de silêncio do governo moçambicano quanto aos rumos do Programa e logo após a eleição do novo presidente Filipe Nyusi, foi levada a público uma versão zero do Plano Diretor, que, na visão dos proponentes do ProSavana, já incorporava as demandas dos camponeses consultados na primeira rodada. Mais uma vez, o PD se tornou objeto de auscultação pública, em novas rondas de discussão realizadas também em 19 distritos e finalizadas em junho do mesmo ano com uma sessão em Maputo. O objetivo das reuniões era o de obter opiniões dos diversos segmentos da sociedade moçambicana sobre as opções possíveis para o desenvolvimento da agricultura no Corredor de Nacala. É importante notar que a FGV Agro teve seu contrato de consultoria encerrado em 2014 e que essa Fundação não participou da elaboração dessa versão zero do PD, nem tampouco do processo de consulta, protagonizado pelo governo moçambicano, com a participação de consultores da JICA. Antes mesmo da realização da sessão em Maputo, quando deveria se concluir o processo, 68 (sessenta e

53 Representante moçambicano no gabinete do ProSavana em Nampula 1 entrevistado em Nampula no mês de janeiro de 2014.

oito) organizações da sociedade civil e movimentos sociais assinaram uma carta que reivindicava a invalidação do processo de auscultação pública do Plano Diretor do ProSavana, conformando uma frente que falou em nome dos povos de Moçambique, Brasil e Japão54 e que tem continuidade, em termos de organizações participantes e discursos, nas I e II Conferências dos povos e na campanha Não ao ProSavana. O documento expressa insatisfação dos três Povos e aponta irregularidades do processo de ouvidoria pública, como a omissão da base jurídico-legal das reuniões; distribuição seletiva de convites e limitação de acesso de organizações dos camponeses e da sociedade civil; prévia seleção de funcionários públicos e representantes da Frelimo para evitar a intervenção de participantes do movimento camponês; privilégio à participação de funcionários públicos e representantes da Frelimo; e intimidações por parte de membros do governo.

A análise da versão zero apresentada na carta reafirmou os mesmos campos de controvérsias que já vinham sendo expressos nas cartas anteriores. Elas se organizam basicamente em torno de concepções de desenvolvimento rural, formas de integração dos camponeses e uso e aproveitamento da terra. Denunciam a visão de desenvolvimento proposta, baseada em culturas de rendimento, como soja e algodão; na agricultura de contrato; e no uso massivo e intensivo de agroquímicos e fertilizantes, sistemas estes que estariam causando “graves violações aos direitos humanos, ao meio ambiente aos ecossistemas, ao direito à terra, à segurança e soberania alimentar e nutricional, bem como exploração de camponeses pela cadeia empresarial no Brasil onde um programa idêntico vem sendo implementado” (UNAC, 2013). E apontam para o fato de que a agricultura de pousio segue apresentada como principal fator que impede o aumento da produtividade, quando, na visão dos movimentos que assinam a carta, essa forma de produção é responsável pela conservação da fertilidade dos solos. No que se refere à terra, delatam a negligência em relação à Lei de Terra moçambicana e às Diretrizes Voluntárias sobre a Governação Responsável da Posse de Terra, Pescas e Florestas, desenvolvidas pela FAO.

54 São signatários da carta no Brasil: Amigos da Terra, Articulação Internacional dos Atingidos pela Vale, As Filhas da Caridade de S. Vicente de Paulo, Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (CONTAG), Federação de Orgãos para Assistência Social e Educacional (FASE), Federação Nacional dos Trabalhadores e Trabalhadoras na Agricultura Familiar, (FETRAF) /CUT, Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (IBASE), Instituto de Estudos Socioeconômicos (INESC), Instituto Políticas Alternativas para o Cone Sul (PACS), Justiça Nos Trilhos, Justiça Global, Movimento de Atingidos por Barragens/Via Campesina (MAB), Movimento de Mulheres Camponesas/Via Campesina (MMC), Movimento de Pequenos Agricultores/Via Campesina (MPA), Movimento de Trabalhadores Rurais Sem Terra/Via Campesina (MST), Rede Brasileira pela Integração dos Povos (REBRIP), Rede de Mulheres Negras para Segurança Alimentar e Nutricional.

Para a frente de movimentos, a análise cuidadosa da versão zero mostra claramente que “o Plano Diretor tem como objetivo final encontrar terras para promover investimentos, ou seja, é um mecanismo de usurpação de terra que pretende ser legitimado por uma política pública” (UNAC, 2013).

Em março de 2016, uma frente brasileira55 de movimentos do campo, organizações sociais e grupos de pesquisa, que acompanham as ações da cooperação e os investimentos brasileiros no Corredor de Nacala em Moçambique e seus impactos, também produziu uma avaliação dessa versão do PD. O documento interno, de 34 páginas, apresenta visões que se assemelham às posições da UNAC e traz uma análise que se constrói a partir do que essa frente considera como uma “experiência falida já observada no cerrado” e nas alternativas de políticas públicas construídas no Brasil “baseadas na agroecologia, na soberania dos povos e em políticas públicas voltadas à agricultura familiar e camponesa” (PORTO, 2016). Na visão do grupo, o Plano Diretor “tem defeito de origem” (PORTO, 2016), uma vez que viola os princípios democráticos básicos do direito à consulta livre, prévia e informada, aos quais o Brasil está vinculado pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho – OIT, e é o projeto de cooperação brasileiro que mais tem confundido a ideia de solidariedade com interesses empresariais e que mais reforça modelos e pressupostos da RV.

Na leitura que a frente brasileira faz do PD, há uma desqualificação do conhecimento local. Os sistemas tradicionais de produção são responsabilizados pela baixa produtividade de alimentos, enquanto são desprezadas questões relevantes, que podem ser as verdadeiras causas para os problemas da agricultura moçambicana, dentre as quais são identificadas: a falta de infraestrutura; o pequeno tamanho das unidades familiares de produção; a ausência de apoio público que valorize o conhecimento tradicional, como as sementes crioulas e as tecnologias desenvolvidas pelas famílias agricultoras, no âmbito das comunidades rurais; e a falta de

55 MPA - Movimento de Pequenos Agricultores, CONTAG - Confederação Nacional dos Trabalhadores da Agricultura, FETRAF - Federação Nacional dos Trabalhadores e Trabalhadoras da Agricultura Familiar, MMC - Movimento de Mulheres Camponesas, CPT - Comissão Pastoral da Terra, CONAQ - Coordenação Nacional das Comunidades Quilombolas, Movimento dos Trabalhadores Sem Terra - MST, Conselho Indigenista Missionário - CIMI, FASE - Solidariedade e Educação, INESC - Instituto de Estudos Socioeconômicos, PACS - Políticas Alternativas para o Cone Sul, Oxfam Brasil e Action Aid Brasil; e pesquisadores/as de diversos departamentos, tais como CPDA / Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, NAEA / Universidade Federal do Pará, Núcleo Tramas / Universidade Federal do Ceará e LABMUNDO / Universidade Federal da Bahia.

instrumentos públicos para o fomento agrícola e a assessoria técnica, voltados para a realidade dessas famílias.

As principais críticas ao PD são quanto à perspectiva de subordinação da agricultura familiar e camponesa aos interesses do agronegócio. No desenho proposto, a inclusão produtiva dos camponeses depende dos investimentos privados, cabendo a esse setor assegurar às famílias agricultoras “o acesso ao mercado e provisão de serviços financeiros” (MOÇAMBIQUE, 2015), além do fornecimento dos “insumos agrícolas, incluindo o uso de sementes de qualidade” (MOÇAMBIQUE, 2015). Na visão dos brasileiros, esse é um modelo que restringe a autonomia das famílias agricultoras, uma vez que o setor privado controla toda a operação, bem como a definição das culturas. Os críticos brasileiros também desaprovam a postura do estado moçambicano, que se propõe a criar um ambiente favorável à promoção dessas estratégias sem intervir diretamente no relacionamento entre grandes e pequenos produtores. Acreditam que a proposta, expressa no PD, de criação de um guião operacional do esquema de produção sob contrato para as empresas de agronegócio e para os produtores locais dificilmente dá conta de minimizar o nível de conflito de interesses que tende a determinar essas relações comerciais, haja vista a desigualdade de poder entre as partes, e que tais regulamentações e aparato burocrático para operacionalizar e fiscalizar uma estratégia como essa são caros e ineficientes.

O documento apresenta ainda uma série de críticas ao governo brasileiro, responsabilizado por deixar o ProSavana e seu Plano Diretor serem orientados por valores, princípios e diretrizes do agronegócio, em detrimento da concepção de desenvolvimento inclusivo e solidário que se orienta por princípios como a SAN e a agroecologia. Seus autores entendem que o governo brasileiro conhece outros caminhos e conta com um conjunto de políticas públicas que deveriam ser acionadas se o objetivo é assegurar um processo de desenvolvimento rural inclusivo e sustentável, sobretudo a partir dos programas de transferência de renda, do fortalecimento da agricultura familiar e da agroecologia. Em sua visão, “o Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento – MAPA e a Embrapa não podem ser a referência para o estabelecimento dessa cooperação com Moçambique, pois nada têm a ver com a agricultura familiar e camponesa” (PORTO, 2016), que no Brasil é comandada pelo MDA. Assim como os demais atores que conformam o movimento de reação ao Programa, defendem um modelo de desenvolvimento rural orientado pelos princípios da soberania alimentar.

Como alternativa às estratégias que visam a assegurar mercado através de relações contratuais com o setor privado, a frente brasileira propõe a institucionalização de mecanismos de compras públicas como forma de garantir a comercialização da produção camponesa, direcionando os alimentos para o consumo das crianças nas escolas e para famílias em situação de insegurança alimentar e nutricional. Na perspectiva de CSS, apresenta como referência as experiências de políticas brasileiras como o PAA e o PNAE. Outras propostas dadas são a de programas voltados ao manejo da agrobiodiversidade, incluindo a distribuição de sementes tradicionais (crioulas) e a construção de cisternas e de outras tecnologias sociais, utilizadas pelas famílias que compõem as organizações de base da Articulação Semiárido Brasileiro – ASA. Lançam o questionamento sobre o porquê de não constarem no Plano de Desenvolvimento Agrário do Corredor de Nacala outros programas brasileiros que já são ou foram objeto da cooperação brasileira com Moçambique, como é o caso do PAA África, da cooperação brasileira para a elaboração de um programa de alimentação escolar e da cooperação, entre organizações da sociedade civil, para a preservação e multiplicação de sementes crioulas.

O cotejo entre a primeira versão vazada e a versão zero permite observar que o PD deixou de ser um instrumento cuja característica principal parecia ser a produção de informações técnicas para atrair o agronegócio brasileiro e internacional, fundamentar a criação de fundos de investimento e viabilizar as parcerias público-privadas e passou a estar focado na definição de estratégias voltadas para a integração da agricultura familiar no desenvolvimento agrário e em questionáveis instrumentos de proteção dos direitos dos produtores familiares e das comunidades à terra e a outros recursos naturais. Essa mudança de perspectiva também se refletiu no discurso de interlocutores oficiais do Programa e em uma estratégia oficial de comunicação descentralizada, que buscou afirmar que o público alvo do Programa não é o agronegócio, mas os pequenos e médios produtores do Corredor de Nacala.

O nosso foco é o trabalho com pequenos e médios produtores. O ProSavana trabalha com os grandes apenas com o PD, com recomendações sobre como os investimentos em agricultura deveriam ser. Se investidores estrangeiros vierem, há passos a serem observados. Como a adoção dos princípios para investimentos responsáveis, com base em recomendações da FAO e o seguimento das leis moçambicanas. Há um documento sendo compilado, com guidelines. Daí o investidor decide se quer vir para Moçambique ou não (Representante do MINAG no gabinete de coordenação do ProSavana, Maputo, fev. 2015).

A comparação das versões, bem como a fala de representantes do MINAG, transparece a visão de que o PD, após as críticas, não sofreu nenhuma alteração em sua perspectiva de desenvolvimento rural, aquela voltada para a transição dos agricultores de seu modo de produção tradicional para a agricultura moderna. No entanto, o PD mudou seu caráter de principal

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