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3 O DESENVOLVIMENTO DA LEITURA COMO PRÁTICA SOCIAL COM VISTAS AO LETRAMENTO

3.2 ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO

3.2.2 A perspectiva social do letramento

O letramento numa perspectiva social abrange aspectos que vão além do contexto individual. Ele não é simplesmente um conjunto de habilidades individuais, mas um conjunto de práticas sociais ligadas à leitura e à escrita num contexto social no qual os indivíduos estão inseridos.

A noção de contexto é de suma importância para o trabalho com letramento na educação básica. O fato de se trabalhar a língua em uso como uma prática social é bastante relevante para preparação do sujeito (aluno) para agir criticamente na sociedade, tomando uma postura de um cidadão atuante. A pesquisa em letramento requer uma construção dialógica no âmbito escolar, respeitando o contexto situacional e cultural dos alunos.

Definir contexto é uma tarefa bastante complicada. O contexto tem sido um conceito chave no campo da pragmática, caracterizando-se como um estudo orientado da linguagem em uso. A noção de contexto atrela-se à perspectiva de prática situada, distante de uma definição formal (GOODWIN & DURANTI, 1992, p. 2). Envolve uma justaposição fundamental de duas entidades: um evento focal e um campo de ação em que o evento está encaixado. Há uma

diferença considerável entre evento focal e contexto. O primeiro é considerado como um foco da atenção do participante, enquanto que o último é visto como um fenômeno ligado à experiência. O contexto é uma estrutura que cerca o evento examinado e fornece recursos para sua interpretação apropriada.

A noção de contexto demonstra uma perspectiva em que o ator está agindo ativamente no mundo no qual ele se encontra, relacionando aspectos culturais organizados socialmente. É importante salientar que os sujeitos (participantes) estão situados em múltiplos contextos e são capazes de uma mudança rápida e dinâmica em eventos em que eles estão engajados. Dessa forma, o contexto é um fenômeno socialmente constituído e interativamente sustentado. De acordo com Marcuschi (2007, p. 39), “a apropriação da linguagem no formato de uma língua não é aleatória, mas condicionada pela inserção social e pelo contexto em que estamos situados”.

O contexto pode ser definido não apenas como decorrência do ambiente físico. Muito mais que isso, ele se constitui pelo que as pessoas fazem a cada instante. Os participantes constroem o contexto social quanto à natureza da situação em que se encontram e, posteriormente, nas ações sociais que as pessoas executam (ERICKSON & SHULTZ, 1998, p. 143).

A língua não transmite informações, mas ajuda em sua construção, por isso não se caracteriza como um código informacional. Os sujeitos estão situados no mundo de forma contextualizada. A conexão entre contexto e língua mediante a ação e percepção é capaz de gerar significação e informações. A língua não é autônoma, pois os sujeitos sempre estão situados em contexto e toda produção de significação está ligada a uma atividade coletivamente conduzida.

Uma importante perspectiva de contexto emerge não de um estudo de linguagem em si mesmo, mas de interesses sociológicos em análises sistemáticas de como membros de uma sociedade constroem os eventos e participam dele (cf. GOODWIN & DURANTI, 1992, p. 27).

Segundo Soares (2006, p. 72), há interpretações conflitantes sobre a natureza da dimensão social do letramento: uma interpretação é a progressista (liberal) e a outra é a radical (revolucionária). A perspectiva liberal defende que as habilidades de leitura e escrita devem estar

associadas diretamente à língua em uso e não pode dissociar-se das formas empíricas que elas assumem na vida social. A dimensão social de letramento relaciona-se ao domínio de habilidades para o uso crítico e reflexivo da língua no contexto social. Essa funcionalidade social da língua proporcionou o surgimento da expressão “letramento funcional”, expressão criada por Gray em 1956 num estudo internacional para UNESCO acerca da leitura e da escrita.

De acordo com a perspectiva liberal, o letramento é responsável por um balanço positivo no contexto em que é empregado como prática social. Por isso, uma pessoa letrada terá um maior sucesso pessoal e um senso crítico que possibilita um desenvolvimento cognitivo e econômico mais enfático, uma maior mobilidade social e o exercício da cidadania. Nessa perspectiva, letramento é definido como um conjunto de habilidades essenciais para o funcionamento adequado da leitura e da escrita que são exigidos pelas práticas sociais. Já na interpretação revolucionária,

letramento não pode ser considerado um “instrumento” neutro a ser usado nas práticas sociais quando exigido, mas é essencialmente um conjunto de práticas socialmente construídas que envolvem a leitura e a escrita, geradas por processos sociais mais amplos, e responsáveis por reforçar ou questionar valores, tradições e formas de distribuição de poder presentes nos contextos sociais (SOARES, 2006, p. 74-75).

Segundo Street (1984), a dimensão revolucionária deve ser vista como um modelo ideológico de letramento. Ele salienta que a natureza do letramento está relacionada a práticas de leitura e escrita em diferentes contextos sociais. Tais práticas são exigidas pela sociedade contemporânea, por isso o letramento, segundo Street (1984), tem um significado político e ideológico e não pode ser visto como um fenômeno autônomo. O letramento está ligado a processos sociais mais amplos. De acordo com Soares (1998, p. 76),

Paulo Freire foi um dos primeiros educadores a realçar este poder revolucionário do letramento, ao afirmar que ser alfabetizado é tornar-se capaz de usar a leitura como um meio de tomar consciência da realidade e de transformá-la. Freire concebe o papel do letramento como sendo ou de libertação do homem ou de sua ‘domesticação’, dependendo do contexto ideológico em que ocorre, e alerta para a sua natureza inerentemente política, defendendo que seu principal objetivo deveria ser o de promover a mudança social.

A perspectiva social de letramento relaciona-se à possibilidade de transformar a consciência primária em consciência crítica. Dessa forma, o letramento é um direito inalienável a todo indivíduo, independente de suas condições econômicas e sociais (BORTONE, 2000, p. 168). Diferentes contextos sociais demandam diversas atividades de letramento que desempenham papéis na vida de cada grupo e de cada indivíduo. Por isso, fatores como moradia rural ou urbana, etnia, classe social, sexo e idade podem determinar e caracterizar uma atitude de letramento.

A partir da concepção de letramento como prática social, Barton & Hamilton (1998) explicitam algumas considerações importantes acerca do letramento. Para eles, letramento é um conjunto de práticas sociais. Além disso, há diferentes tipos de letramento e suas práticas são arquitetadas pelas instituições sociais e relações de poder. As práticas de letramento são encapsuladas em objetivos sociais mais amplos e em práticas culturais, sendo historicamente situado. Barton & Hamilton enfatizam, ainda, que as práticas de letramento estão em constante mudança.

De acordo com Barton (1994), o letramento é uma atividade social e é delineado em termos de práticas de letramento, sendo que os participantes se envolvem em eventos de letramento. Os eventos estão relacionados às realizações particulares em que o letramento desempenha uma função. As práticas são as formas culturais do uso do letramento. Essas práticas estão contidas em relações sociais mais amplas e são atualizadas por eventos, ou seja, as práticas de letramento tornam-se explícitas por eventos de letramento.

Barton (1994) explicita que o letramento é fundamental para a representação do mundo. Ele é um sistema simbólico e tem base cognitiva e cultural/social. Uma leitura proficiente, por exemplo, é um sistema simbólico que faz a mediação entre a cognição individual e os fenômenos sociais. O letramento possui um significado social, está encapsulado em contextos que delineiam as práticas e os significados sociais inter-relacionados à leitura e à escrita. Ler e escrever são práticas sociais que trazem contribuições fundamentais para a transformação social.

Portanto, letramento não é apenas a simples habilidade de ler e escrever, mas é a execução dessas habilidades no exercício social, é um fenômeno socialmente construído. A perspectiva

social está centrada num processo em que letramento é construído diariamente por meio de trocas interacionais e a negociação de significados em diferentes contextos (COOK-GUMPERZ, 1986, p. 1-2).