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4.1 RELATO DOS DOCENTES

4.1.3 A Pesquisa e a Publicação

Aliada ao dilema apresentado pelas categorias anteriores, uma nova categoria surge, uma que se dedica a falar dessa atividade docente, invisível maioria das pessoas, que ____________

2 O professor Flávio em entrevista relatou que no tempo da graduação tinha o sonho de ser esportista, mas que por questões de saúde não foi possível.

3 A professora Valéria relatou que durante um tempo de sua vida ela deu aulas particulares como fonte renda.

no meio acadêmico é tão cobrada e criticada: a pesquisa e a publicação. Publicar ou não torna-se, em alguns momentos, quase que escolher um lado em uma guerra, talvez uma guerra fria. Quando questionados sobre a realização de pesquisa, sobre iniciação científica, grupos de pesquisa, publicação, relação do que pesquisam e a sala de aula, os professores mostraram que existem dois lados de entendimento do que é ou não seu trabalho e que há uma linha tênue no departamento que separa os indivíduos, a partir dos seus posicionamentos a esse respeito.

Te cobram muito a publicação de artigo, isso eu acho muito ruim, porque não tão nem aí se você é um bom professor, se na sala de aula os alunos gostam de você. E ai criam-se grupinhos, grupinho dos que produzem e dos que não produzem, o grupinho dos que estão dando aula no mestrado e os que não dando aula no mestrado, é muito triste. Você vê um departamento, o nosso departamento hoje está assim, dividido, com um grupo que menospreza o outro, por causa de valores quantitativos. E que se você for ver, claro que não tem gente que não tá nem aí, que não faz bem o seu trabalho, mas tem um monte de gente que faz, que não produz bem, mas é um ótimo professor, e ajuda em outras coisas, sabe? Essa coisa, essa necessidade, essa obrigação de ter que produzir, acho isso ruim (PROFESSORA EDILAMAR).

Como já mencionado, a norma sobre o trabalho do docente do ensino superior diz que os docentes devem, além da aula, realizar ao menos uma das seguintes possibilidades: a) Pesquisa, b) Extensão, c) Assistência não renumerada, d) Administração, e) Coordenação do Programa de Educação Tutorial – PET, f) Coordenação do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência – PIBID (RESOLUÇÃO Nº 60 DE 1993, ART.4). Não há portanto, na norma, a obrigatoriedade exclusiva da realização de pesquisa, porém, entre os pares essa regra está posta, independente se é aceita por todos ou não.

O sistema de avaliação da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) que avalia os cursos de pós-graduação, utiliza a produção dos professores e alunos de forma quantitativa, pontuação, como forma de avaliação. Essa produção é entendida principalmente como artigos publicados; outras atividades podem contar como pontuação, mas valem menos.

Essa predileção pela pesquisa e publicação de artigos na visão de alguns professores, é uma interpretação equivocada da norma,

[...] existe uma interpretação equivocada do tripé ensino, pesquisa e extensão [...]. A constituição diz que as universidades vão se apoiar no ensino, pesquisa e extensão. Elas têm a obrigatoriedade de fazer isso, de forma indissociável. Só que acontece uma coisa, eu sou professora, fui contratada para ser professora, fazer pesquisa é de pesquisador, fazer extensão de extensionista. [...] essa compreensão equivocada da constituição e há uma tentativa de institucionalizar na função do professor as três atividades, tá. Se

fosse realmente isso verdadeiro, todos nós do departamento deveríamos ser cobrados por extensão, se fosse verdadeiro! Tá! Mas, por que que a pesquisa sobrevive? Por causa do mestrado, porque o ministério da educação cobra pesquisa e cobra publicação. Você vai ficar publicando artigo teórico, só teórico? Você tem que ter campo, né? Isso que incomoda. Incomoda dois pesos e duas medidas. Fulano pode fazer uma coisa, Beltrano não pode (PROFESSORA VALÉRIA).

Dessa forma, a publicação de artigos ganha espaço e importância maior que as demais atividades da docência, o que é disseminado, de geração em geração de mestres e doutores, que em sua formação são conduzidos a publicar, desde o início do curso, mesmo que para tal ainda não estejam preparados, com conhecimento de assunto, com “linguagem acadêmica” e capacidade de reflexão crítica desenvolvidos (ALCADIPANI, 2011). Porém, não se deve negar que não há muito a ser feito, já que as regras estão postas, restando apenas escolher se adere ou se paga o preço por recusá-las (ASSIS, BONIFÁCIO, 2012).

Ao recursar-se, o docente sujeita-se a ser visto por seus colegas como preguiçoso, como um docente que “só dá aula”, que não cumpre com o seu papel, que não está produzindo, como destacado pelos professores,

Porque a maioria não quer fazer nada, por exemplo [...] se o cara for pescar toda tarde, e eu ficar avaliando artigo pra revista, escrevendo artigo, fazendo pesquisa financiada, orientando aluno de mestrado e doutorado, dando aula no mestrado e doutorado [...] Ganho da mesma forma que ele, ele pode dar só duas aulinhas na graduação e ir embora, o dia inteiro à toa, pescar, relaxar (PROFESSOR PAULO).

[...] entrou no concurso você e mais cinco. Desses seis, se três forem muito bons, se dedicados, derem boas aulas, fizerem pesquisa e tal, e os outros três não fizerem porcaria nenhuma, você vai ter o mesmo salário desse cara pelos próximos 30, 35 anos, e vocês vão se aposentar da mesma forma [...] às vezes até entra bem intencionado, corre o risco de se acomodar, e irem para essa zona de conforto e assinarem o pacto da mediocridade, que é muito comum na universidade (PROFESSOR FLÁVIO).

Os docentes que decidirem não seguir a corrente e decidirem que a aula é a sua maior obrigação, terão que suportar ser vistos pelos colegas dessa forma, mesmo que de forma velada, independentemente se realizam outras atividades que não estejam ligadas à pesquisa e publicação.

O mercado de trabalho docente irá exigir dos futuros docentes que tenham publicações, sejam pesquisadores, e nem sempre exigirão capacidade didática para empregar o recém-formado mestre ou doutor. Dessa forma, qualquer um que deseje enveredar-se por esse trabalho acaba por ceder a essas regras. O mercado também é exigente. Não é possível conseguir uma vaga sem determinada pontuação, o que não quer dizer que os materiais publicados são de qualidade. Uma pessoa pode

publicar vários artigos em revistas de reputação duvidosa e ter uma alta pontuação e uma pessoa que publicou poucos artigos, mas em revistas de alta qualidade, e o primeiro ficar com a vaga,

“[...] aí você vê pessoas que têm um monte de artigos publicados, fala que é pesquisador, têm um monte de artigo publicado, mas os periódicos são de qualidade duvidosa, e outro que tem bem menos, mas só periódico qualificado, esse cara que tem menos, ele vai ser visto como pior, porque o cara que tem mais artigo acaba fazendo mais pontos, isso que interessa” (PROFESSOR FLÁVIO).

Mas, conseguir a vaga não encerra o processo, há a necessidade de se manter a vida inteira produzindo, em um ritmo cronometrado, produzir como um reloginho, caso contrário, o sujeito poderá ser alvo de comentários dos colegas e se for docente em um curso de pós-graduação, poderá ser cortado do programa, independente se você é um excelente orientador, professor: “[...] você precisa publicar, né? Porque também o que que acontece, se você não publica prejudica a nota do programa, e aí dependendo do programa, eles começam a cortar os professores, é um constrangimento” (PROFESSORA ALBA).

Lemos (2011) chama a atenção para os professores que precisam atender às demandas do mercado acadêmico, onde de uma certa forma o docente atua como agente duplo, ora fazendo pesquisa por interesse próprio, ora fazendo a pesquisa de temas de interesse do órgão de fomento, dos patrocinadores. Os docentes pesquisados não falaram dessa questão dos órgãos de fomento, patrocinadores das pesquisas que realizam. O tema do mercado acadêmico foi discutido a partir da avaliação CAPES que, como a professora Alba disse, cobra publicação dos docentes. A necessidade por publicação existe tanto para o aluno do mestrado/doutorado como para o professor, “[...] essa é uma cobrança da CAPES que eu acho que não vai ter volta; a gente tem que se enquadrar para que os programas tenham notas e recebam bolsas, enfim, recursos, né? Vai precisar da publicação” (PROFESSORA ALBA).

Na verdade o mestrado é o início da formação de pesquisador, e o primeiro passo do pesquisador é a publicação de artigo, e isso é uma exigência da própria CAPES, os cursos pra se manterem abertos (PROFESSOR PAULO). Apesar de, na fala dos professores a publicação de artigos ser uma cobrança maior para os docentes que atuam na pós-graduação, isso não quer dizer que quando o docente é cortado, essa informação não chegue aos seus colegas e os afete de alguma forma, ou seja, mesmo que o professor não queira pesquisar, publicar, de

alguma forma essa cobrança também chega até ele, seja pela cobrança relacionada a si mesmo ou aos outros.

Essa situação pode reforçar o posicionamento do docente a respeito da pesquisa, favorável ou não, ou gerar uma mudança de posicionamento, produzindo novas subjetividades (ANSELMO, 2011). Um novo olhar é lançado sobre a forma de realização do trabalho docente, esse é um processo contínuo, que envolve a produção de subjetividades (VOLNOVICH, 1996; MANSANO, 2010; ANSELMO, 2011) e renormalização (TELLES; ALVAREZ, 2004; SCHWARTZ; DURRIVE, 2010; DIAS, SANTOS; ARANHA, 2015).