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A pessoa do profeta Amós: é possível uma biografia?

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1 AMÓS: ARDENTE PALADINO DA JUSTIÇA

1.1.3 A pessoa do profeta Amós: é possível uma biografia?

Praticamente todos os estudos sobre este profeta apresentam alguns dados biográficos, mas estes dados, em sua maioria, são inconclusos, e quase sempre são obrigados a se conformarem com as fontes bíblicas; uma porque os dados relativos a ele são muito escassos, e outra porque resulta quase impossível de realizá-la. Falar de um personagem do século VIII a.C. não é tão simples como se pode falar de alguém do século XIX ou XX. Mas, não é pelo fato de ser um desafio que, necessariamente, alguém não possa tentar fazê-lo, ainda que deva tomar todas as cautelas possíveis. Complexo.

Para tanto, sabendo da obscuridade desta empreitada, iniciaremos esta possível biografia esclarecendo dois pontos: o primeiro é que existem muitas discussões sobre a autoria do livro de Amós, dificilmente obra de um único autor e, provavelmente, com acréscimos dos seus discípulos. Esta afirmação fica mais evidente nos comentadores como Jörg Jeremias (1988, p. 198) que postula o livro de Amós “baseia-se em dois sistemas de classificações diferentes” e na tese de Robert B. Coote (1981) segundo a qual o processo redacional do livro de Amós teria ocorrido em três fases, que ele classifica em A, B e C, sendo que apenas a fase A derivaria do profeta Amós.

O estágio B foi composto em Jerusalém, tardiamente, no século sétimo por um escriba adjunto à elite dirigente, que, mediante a escrita e a arte literária, teria expressado e preservado, em nome da elite dirigente, o desejo de manter o status e o poder de Jerusalém como um centro sócio-político, e a motivação para utilizar este poder em um programa de reforma dos costumes e do direito (COOTE, 1981, p. 97).

Muitos outros autores advogam a favor da criação coletiva deste livro. Para estes, o livro se compõe de numerosos ditos (EISSFELDT, 1965), de textos deuteronômicos (SCHMIDT, 1971), de material resultante de longo processo redacional (MAYS, 1969), de material oriundo de quatro etapas, ou seja, da antiga escola de Amós, do tempo de

Josias, do deuteronomismo e do pós-exílio (WOLFF, 1984), de material doxológico e deuteronômico do período exílico (JEREMIAS, 1988), de um antigo panfleto por detrás de Am 3,3-4,3, formado por cinco ditos proféticos, cuja base seria o texto em 3,3-8 (SCHWANTES, 1985).

O segundo ponto é que as únicas fontes diretas disponíveis são as do próprio livro de Amós. Essas fontes podem ser confirmadas – ou não - com dados da história, geografia, arqueologia, etc., como serão apresentados a seguir, mas não compõem propriamente uma biografia, no sentido de uma “história de vida”. Portanto, o que exporemos aqui, são os elementos registrados no livro do profeta, com os resultados das últimas pesquisas consideradas fundamentais acerca desta abordagem.

Tudo isso porque, saber um pouco de sua biografia nos permitirá entender o porquê de tanta rigidez em suas críticas, os motivos pelos quais ele questionava todas as instituições estabelecidas e, ainda mais, porque os estudiosos das mais variadas áreas não relatam, com profundidade, elementos de sua vida pessoal e familiar. Ou seja, qual a genealogia de Amós? Como ele era fisicamente? Ele era casado? Tinha filhos? Qual o seu nível de formação intelectual? Como, quando e por que morreu? Estas e tantas outras perguntas podem ser colocadas neste pleito, com o objetivo de clarear a história deste personagem, tão importante, mas, ao mesmo tempo, tão enigmático, fazendo com que saia da sombra e do anonimato.

Após escutarmos o que diz o seu livro, seremos guiados pelos seus comentadores e estudiosos, tratando de reconstruir o máximo possível da história e do significado da justiça social amosiana, começando dos dados mais simples aos mais complexos, considerando sempre a distância histórica. No entanto, conforme Andersen & Freedman (1989) acreditam, apesar de os dados acerca dele serem vulneráveis à corrupção e à contaminação, podem preservar dados autênticos. Schwantes (1987a, p. 30; 2004, p. 49) resume sucintamente esta falta de informações da seguinte forma:

para aqueles que nos legaram o livro, a pessoa de Amós sempre permaneceu em segundo plano. Em primeiro estava a mensagem. O que sabemos de Amós está na dependência de sua atuação. Fomos informados a seu respeito na medida em que seus discípulos o consideravam relevante para entender os conteúdos proféticos.

Um dos primeiros dados importantes sobre este profeta, dos quais os comentadores fazem uso parte daquilo que seu livro descreve; de que ele era de Técua, trabalhava no campo e que a sua missão profética deu-se no reinado de Ozias em Judá e Jeroboão II em Israel: “Palavras de Amós, um dos criadores de Técua. O que ele viu contra Israel, no tempo de Ozias, rei de Judá, e no tempo de Jeroboão, filho de Joás, rei de Israel, dois anos antes do terremoto” (Am 1,1). Porém, firmar uma data específica a esta informação parece não ter a mesma simplicidade. O problema gerado para analisar este fato se dá pela completa falta de uma datação histórica, a não ser aquela que o próprio livro fornece: “dois anos antes do terremoto”16. O que, para alguns exegetas e

estudiosos, parece ter sido um evento importante.

Andersen & Freedman (1989) relatam que Amós teve suas visões nos dias de Ozias de Judá (792 a.C. a cerca de 740 a.C.) e Jeroboão II de Israel (793/2 a 753/2 (Thiele) ou 786-746 (Albright). Assim, podemos olhar primeiro para a década em que esses dois monarcas estavam em pleno poder como a melhor localização para as atividades de Amós, digamos 765-755”. (ANDERSEN & FREEDMAN,1989, p. 19). André Neher (1975), fazendo uma análise do confronto de Amós com o sacerdote Amasias, situa-o na metade do século VIII, exatamente no governo de Jeroboão II. Joseph Blenkinsopp (1983, p. 86) apresenta que “tornou-se parte da sabedoria convencional datar o início da profecia “clássica” de Amós para meados do século VIII a.C”. Klaus Koch (1976, p. 15; 1983, p. 37) aquiesce que “de acordo com o título do livro, Amós apareceu como profeta durante o reinado de Jeroboão II (de acordo com uma data bem conhecida: 787-747 a.C.)”. José Sicre (1992) acredita que, de fato o título do livro insere sua atividade nos reinados de Ozias de Judá e de Jeroboão II de Israel, mas entre os anos de (767- 739) e (782-753), ou seja,

“teríamos que datá-la, portanto, entre os anos de 767 e 753 para que coincidisse com ambos os reis. Um dado ao que parece dar muito valor o livro é o de 1,2: “dois anos antes do terremoto”. Mas, não sabemos em que ano teve lugar este terremoto” (SICRE, 1992, p. 265).

16 A Bíblia de Jerusalém (2002) afirma que “esse terremoto é, talvez, atestado pelas escavações arqueológicas de Hasor, na Galiléia superior; deve ser situado nos meados do século VIII a.C. De acordo com Zc 14,5 (LXX), em consequências desse sismo, os vales foram obstruídos. Não se trata, apenas, de simples nota cronológica: os editores do livro, responsáveis por essa notícia, viram nele, por certo, manifestação divina confirmando a mensagem de Amós.

Outros comentadores, de igual modo não conseguem definir uma data específica: Hans Walter Wolff (1984) insere-o entre os anos 760 a.C., no reinado de Jeroboão II; Prado (1987) sem definir uma data, segue os dados bíblicos, alocando-o no reinado de Jeroboão II; Jesus Diaz (1979, p. 185) pontua em, “meados do século VIII e termina ao fim do século VI”; Milton Schwantes (1987a, p. 12; 1987b, 63; 2004, p. 14), semelhantemente a Wolff, acredita que “há bons argumentos para a afirmação de que a atuação profética de Amós esteja situada em torno de 760 a.C., ou seja no governo de Ozias no norte (787-735), em Israel, Jeroboão II (787-746)”; Jörg Jeremias (1995) registra-o entre os anos de 787-747 a.C.; Silva (2001) reitera que Amós exerceu seu ministério em Israel ao tempo do rei Jeroboão II (787-747 a.C.); Holman (2005, p. 163) reflete a mesma incerteza quanto a uma datação exata, inserindo-o durante os reinados de Ozias de Judá nos anos (792-740 a.C.) e Jeroboão II de Israel (793-753)., Wilhelm Rudolph (1971, p. 95) não difere do relato bíblico, para ele, “Amós surgiu entre os reinados de Ozias de Judá e Jeroboão II de Israel, no século VIII, vivendo lado a lado por décadas”.

Portanto, conformando-se a estes comentadores e com a observação de Bruce E. Willoughby (1992, p. 210), pode-se dizer que “em sua maior parte, o Livro de Amós contém as palavras do profeta do século VIII”. Deste modo, e de maneira mais segura, tomaremos o século VIII como o período histórico de sua missão profética, entre os anos 760 a.C. e 740 a.C., ainda que para muitos, sua profecia não tenha durado tanto tempo, sobre isso refletiremos mais adiante. Realizada esta auditoria acerca do seu período histórico e estabelecida uma possível delimitação didática, tomaremos agora outros elementos relativos à pessoa deste profeta.

Nenhum dos livros bíblicos ou qualquer outro documento registram informações acerca de sua genealogia, se foi casado ou se deixou herdeiros, muito menos como ele era fisicamente, existem apenas conjecturas. Andersen & Freedman (1989, p. 24) aludem que “a verdade é que o homem e o profeta são desconhecidos fora deste pequeno livro. Ele não é mencionado em outras partes da Bíblia, e não há informações sobre ele de nenhuma outra fonte contemporânea”. O profeta Isaías (1,1) introduz suas visões apresentando-se como “filho de Amós”, naturalmente se trata de outro Amós, até porque

Amós era um nome comum em Israel, e significa “Yhwh “carrega/sustenta” (SCHWANTES, 2004, p. 49). Também existe um Amós mencionado na genealogia do Evangelista Lucas (3,5), mas, tampouco se sabe dele (UTLEY, 1996). Quanto a datação do seu nascimento e da sua morte, permanece um mistério, tal qual grande parte da sua vida. Existe um antigo relato apócrifo sobre a vida dos profetas do Antigo Testamento intitulado, Vida dos Profetas17 que menciona como sucedeu. Não há um consenso quanto à datação destes escritos nem sua autoria. Nela o autor afirma que, afetivamente, o profeta Amós sofreu uma morte violenta nas mãos do poder:

Ele era de Técua. Amasias (o sacerdote de Betel) frequentemente o espancara e, finalmente, o filho de Amasias o matou com um porrete, atingindo-o no templo. Enquanto ainda vivia, ele foi para sua terra e depois de alguns dias morreu e foi enterrado lá. (TORREY, 1946, p. 40).

Comentando este relato da morte do profeta Amós, Andersen & Freedman (1989, p. 24) apontam que “alguns detalhes parecem ser de origem independente [o envolvimento do filho de Amasias e as circunstâncias de sua morte, incluindo as feridas na cabeça], mas, que tal desenvolvimento pode ser aceito como um resultado plausível do confronto descrito no cap. 7”. Jeremias (1995, p. 15) duvida desta teoria: “se Amós foi deportado para fora do reino do Norte como se suspeitava, ou foi martirizado em BeteI (como afirma o Vida dos Profetas do século I d.C.), nós não sabemos”, já que se trata de uma fonte sem sustentação argumentativa. Estando seguros ou não destas informações, o fato é que este profeta se apresenta a nós com uma importância singular.

Bem, como parece improvável datar o seu nascimento, alguns comentadores foram levados a crer que Amós era uma pessoa jovem quando foi escolhido por Deus para proclamar a justiça social. Neste sentido, Sicre (1989, p. 87), tomando a posição de Wolff (1977), relata que, “baseando-se na dureza e concisão de sua linguagem, pensa

17 “Este trabalho sobrevive apenas em manuscritos cristãos. Existem dois grupos de manuscritos gregos: o primeiro grupo inclui muitas versões, bem conhecidas nos séculos passados, com fortes acréscimos cristãos. Algumas dessas versões foram atribuídas ao bispo Epifânio de Salamina, do final do século IV, outras ao sacerdote Doroteu de Tiro (255-362 d.C). O outro grupo de manuscritos gregos é mais estável e livre das interpolações encontradas no grupo anterior: o melhor códice é um manuscrito do século VI d.C geralmente chamado de fonte Q. Há também uma versão latina com um texto perto de Q usado por Isidoro de Sevilla (636 d.C). Há também versões em siríaco, armênio e árabe”. Cf. Lives of the Prophets. Disponível em: https://www.revolvy.com/page/Lives-of-the-Prophets. Acessado dia 09 de janeiro de 2019.

que ele era bastante jovem. Nisto coincidiria com o que sabemos de Isaías e Jeremias; mas se trata de uma mera hipótese”. Porém, Wolff não propõe nenhum marco à sua festa natalícia.

Quando Amós nasceu e quando ele morreu, nós não sabemos. Quantos anos ele tinha na época de sua aparição por volta de 760 a.C. permanece escondido de nós. Ele tinha prestado atenção aos assuntos distantes (1:3-8; 1:13-2:3; 3:9; [6:2]; 9:7). Seu veredicto a respeito de Israel era bem fundamentado e conclusivo (2:6- 9; 5:5; 6:12). Isso e nada mais podem ser concluídos a partir de seus oráculos. (WOLFF, 1977, p. 90).

Porém, um fenômeno aceito pela maioria é que, o profeta Amós era um cidadão de Técua. Existem muitas teorias que especulam se Técua poderia ser considerada uma “cidade, já que o livro do profeta simplesmente menciona “um dos criadores de Técua” (Am 1,1). Acerca desta epígrafe, a Bíblia de Jerusalém (2002), em suas notas de rodapé, registra que “Técua é uma aldeia de Judá, a 9 Km a sudeste de Belém”. Prado (1987, p. 54) e Andersen & Freedman (1989, p. 83) seguem os dados bíblicos de que seria uma aldeia. Já para Schwantes (1987a, p. 31) seria um povoado e Sicre (1989, p. 87) assinala que era “uma cidade a 17 quilômetros ao sul de Jerusalém”. A importância desta informação se dá à medida que vamos tomando conhecimento da linguagem, ora rebuscada, ora agropastoril, utilizada pelo profeta Amós.

Também os questionamentos acerca de sua condição social são imensos, o que se distingue em muito dos “profetas maiores”. Além de ser “um dos criadores de Técua” (Am 1,1), diante do conflito com o sacerdote Amasias, Amós se apresenta como vaqueiro: “Não sou profeta, nem filho de profeta; eu sou vaqueiro e cultivador de sicômoros” (Am 7,14). Partindo desta afirmação que o próprio profeta nos presenteia, estudiosos se debruçaram para interpretar o que Amós queria dizer quando proferiu tal afirmação. Para alguns comentadores como Andersen & Freedman (1989), Amós era um homem simples do campo, para outros como Wolff (1977), não é possível admitir que um homem do campo tivesse tanta capacidade intelectual para estruturar, de maneira tão lógica, seus argumentos. Além do mais, o termo noqed (criador de ovelhas), que aparece em Am 7,14 e em 2Rs 3,4, é aplicado ao rei Mesa de Moab, que pagava ao rei de Israel um tributo de cem mil cordeiros e a lã de cem mil carneiros. “Isto tem feito pensar muitos autores que

Amós era um homem rico, ou ao menos, um pequeno proprietário com mais do que precisa para viver” (SICRE, 1989, p. 87).

É por esta razão que muitos estudiosos e comentaristas não estão em conformidade. Para uns ele era “pastor”, para outros, ele era “vaqueiro”, “cultivador/agricultor”, ou seja, “pobre”. Em oposição a esta postura, alguns o apresentam como “rico”, “independente” e que “possuía algumas posses”. Na perspectiva da condição social agro pastoril encontramos estudiosos como Schwantes (1987a; 2004), Sicre (1989), Andersen & Freedman (1989), Madera (2007), Silva (2001) dentre outros, enquanto que na negativa mencionamos aqui Ábrego de Lacy (1993), Wolff (1977), Michel Quesnel e Philippe Gruson (2002), etc. Sem extasiar a pesquisa, relataremos aqui algumas destas teorias que tratam da condição social de Amós, sem esquecer, porém, que independentemente de sua condição pessoal, ele fez uma opção clara pela justiça, na defesa dos menos favorecidos, e isso não se pode duvidar.

Em suas inúmeras pesquisas, a conclusão que Schwantes (1987a, p. 31; 2004, p. 51) chega é a seguinte: “Amós sobrevive à base de três ocupações: pastor de ovelhas (7,15), pastor de gado/vaqueiro (7,14), trabalhador de sicômoros (7,14)”. E não para por aí, este autor insiste na sua posição: “Pode um pobre como Amós ser fonte de literatura? Pode! A literatura reunida em nosso livro inclusive tem uma das principais marcas da literatura popular: agrupada em pequenos textos, breves ditos, perícopes” (SCHWANTES, 1987a, p. 32; 2004, p. 52). Neste sentido, para Schwantes (1987a, p. 31; 2004, p. 53) “Amós é a voz do campo”. “É gente do campo” (SCHWANTES, 1987a, p. 32; 2004, p. 54).

Sicre (1989, p. 87) comunga deste posicionamento, para ele, Amós “havia sido de classe humilde e pobre. [...] vaqueiro e cultivador de sicômoros (7,14)”. Andersen & Freedman (1989, p. 83) registram-no como sendo “pastor e guardião de pomar”. Para Madera (2007, p. 502) “sua origem campesina se reflete nas metáforas que emprega e na concisão e dureza com que comunica sua mensagem profética”. Em corroboração, Aleixandre (1997, p. 142) assevera que

sem dúvida, Amós não é homem da cidade, e sim do campo. É alguém que conhece bem a natureza, que observa o crescimento da erva tardia (7,1), tem medo dos gafanhotos e do leão (3,4-8), fica preocupado com a seca (4,7; 8,11), verifica se os frutos do verão estão maduros (8,1), observa

o pássaro preso na armadilha (3,5) e a cobra escondida dentro de casa (5,19).

Tratando deste apelativo de “profeta do campo”, para Silva (2001, p. 19) “seu estilo, variado e cativante, é assinalado pela presença de um vocabulário próprio à gente do campo, o que revela as origens desse profeta”. Segundo esta autora, “no texto de Amós há pelo menos 55 palavras que indicam um vocabulário de origem rural” (SILVA, 2001, p. 19). Prado (1987) o chama de “humilde lavrador”. Na introdução aos profetas da Bíblia de Jerusalém (2002) Amós é apontado como sendo um pastor em Técua, de “rudeza simples e altiva e com a riqueza de imagens dum homem do campo”, mas, que “não era simples guardião de rebanhos (cf. 7,14; 2Rs 3,4)”. O comentarista bíblico, Bob Utley (1996) considera que, o transfundo agrícola de Amós é a fonte de várias de suas profecias: animais selvagens, 3,3-8; 5,19; murcharão as pastagens dos pastores, 1,2; vacas de Basã, 4,1; falta de pão, 4,6; falta de chuva para a colheita, 4,7; não há água para beber, 4,8; insetos, 4,9; campesinos na luta, 5,16; vinhas, 5,17; gafanhotos 7,1; seca 7,4-6; fogo 1,4; frutos maduros 8,1-2; dias de prosperidade agrícola 9,13-15, dentre outros.

Na contramão desta visão campesina, Michel Quesnel e Philippe Gruson (2002, p. 286) em seus comentários bíblicos afirmam que Amós, de fato, era um cidadão do campo, mas que, “sem dúvida, pertencia à classe média ou acomodada de Técua (próximo de Belém)”. Do mesmo modo, Ábrego de Lacy (1993, p. 52), acredita que,

pelo que se refere à profissão do profeta, devemos dizer que Amós aparece no livro de seu nome como um personagem bastante culto. Em efeito, sabe como se jura nos templos, conhece a história sagrada (conhece, por exemplo, a teologia da eleição e as tradições israelitas), tem também conhecimentos de história e geografia profanas (perigo da Assíria, o Nilo...). Em resumo, Amós conhece bastante bem seu entorno, pelo que não devia ser um simples pastor, só e isolado.

Além do mais, “como o cultivo de sicômoros parecia ser uma atividade bem mais humilde, se poderia afirmar que Amós era um campesino de escassos recursos. Mas, a qualidade de sua linguagem e o grau de cultura que nele se reflete induz a pensar em uma origem social não tão modesta” (MADERA, 2007, p. 502). É por esta razão que Wolff (1977) o classifica como um criador de ovelhas, para ser distinguido claramente de um pastor humilde; “ele provavelmente não era exatamente pobre” (WOLFF, 1977p. 90).

Respondendo os motivos da linguagem rebuscada de Amós, Wolff (1977) apresenta duas teorias conjuntas. A primeira é a de que, com a transmissão da sabedoria que havia sido ensinada a ele pelos anciões do clã, e suas variadas viagens que fazia em virtude de suas plantações de sicômoros, já que essa árvore não cresce nas colinas ao redor de Técua, mas apenas nas margens do Mar Morto e do Mediterrâneo. Assim, ele se tornou um Israelita de visão ampla e informado (WOLFF, 1977). E foi dessas viagens que ele trouxe para casa muito conhecimento dos eventos entre os povos vizinhos (Am 1,3-8; 1,13-2; 3,3-9; 6,2; 9,7). Assim, ele pode ter conhecido os males específicos do reino do Norte, especialmente em Samaria e Betel18. A segunda teoria

complementa a primeira, ou seja, para além do conhecimento clânico e de suas viagens, “a mão de Yahweh o havia arrancado do seu reino familiar e o fez romper o silêncio dos sábios nos tempos maus (5,13). Sempre que ele revela a base para sua aparência profética, ele aponta exclusivamente a insistência irresistível de Yahweh” (WOLFF, 1977, p. 91). Ou seja, “Amós não proclama o julgamento como uma consequência do raciocínio legal, baseado na infração dos antigos decretos divinos; antes, porque ele foi obrigado por Yahweh a proclamar seu julgamento” (WOLFF, 1977, p. 91).

A postura de Schwantes (1987a) é consonante a Wolff, nele a sabedoria popular dos clãs foi a matriz intelectual da profecia de Amós, ou seja, “seu ninho efetivamente é a cultura sapiencial popular do jeito como era cultivada em aldeias interioranas” (SCHWANTES, 1987a, p. 31). Da mesma forma, Alberto Ferreiro, na obra La Bíblia comentada por los Padres de la Iglesia (2007, p. 131) assinala que “a beleza e a fluidez da linguagem de Amós cativa. Isto fez com que Agostinho assinalasse que Amós, a quem o tinha por um pastor rústico sem nenhuma formação, só pudesse expressar-se com uma linguagem humana sofisticada sob a inspiração do Espírito Santo”.

Destarte, comungando com a ideia de que Amós era um homem do campo, outros detalhes inerentes a sua história ainda merecem atenção; quanto tempo durou sua profecia? Como foi o seu chamado vocacional? E, que fim tomou este personagem que

18 “El é o nome próprio da principal divindade dos cananeus; para os filhos de Jacó, porém, que vieram morar na terra de Canaã, El passou a ser substantivo comum, nome genérico para designar qualquer divindade ou ser superior. Betel significa, pois, casa de Deus ou casa da divindade; mas na religião popular israelita, Betel acabou tornando-se mais um apelativo de Deus” (PRADO, 1987, p. 87).

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