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A justiça social nos oráculos contra Israel e os povos vizinhos

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1 AMÓS: ARDENTE PALADINO DA JUSTIÇA

1.1.5 A justiça social nos oráculos contra Israel e os povos vizinhos

Nos oráculos contra Israel e os povos vizinhos veremos como este paladino da justiça agiu ao sentir-se convocado por Yahweh, por meio das visões que acabamos de analisar. Amós se tornou inquieto, duro, quase insensível. Quando sentiu a vontade de Yahweh e sua fúria, sua imediata e categórica decisão foi sair a anunciar, a convocar Israel e as nações vizinhas a recordar-se da justiça. “Os oráculos, como o próprio nome subentende, originavam-se no santuário quando uma pessoa com sérias dificuldades vinha procurar bênção e solução ou proteção contra um inimigo” (STUHLMUELLER, 2010, p. 111). Indicam uma comunicação de Deus a uma ou mais pessoas reunidas em oração, frequentemente em um santuário (Gn 26,24; 28,13; Sl 12,6). Amós adota este estilo para indicar que suas palavras expressavam uma consciência formada de uma experiência imediata de Deus.

A partir de agora, e tendo propriedade da Torah que Yahweh lhe fez ver, tentará, a todo custo, levar Israel e as nações vizinhas à vida de justiça. Amós, como afirma Cotapos (2019), é um profeta da conversão. Deste modo e sem reclamar, Amós sai a proferir acusações. A ordem elencada pela Bíblia de Jerusalém21 começa com as nações

estrangeiras, a saber: Damasco (Am 1,3-5), Gaza e Filistéia (Am 1,6-8), Tiro e Fenícia (Am 1,9-10), Edom (Am 1,11-12), Amon (Am, 1,13-15), Moab (Am 2,1-3), Judá (Am 2,4- 5) e, por último e não menos importante, Israel (Am 2,6-16). A Bíblia de Jerusalém (2002) explica em suas notas de rodapé que, estes oráculos vão acentuar a justiça de Yahweh, que pune qualquer tipo de injustiça, não importando a nação. Israel é colocado em último lugar, para mostrar que o castigo, “que eles não esperavam”, o atingirá, como os outros, e será a manifestação máxima da justiça divina. Veremos, pois, que a relação sincrônica

21 Resulta importante aclarar que, existem inúmeras teorias acerca da ordem cronológica, da historicidade e autenticidade destes oráculos, mas tomaremos como base aquilo que o próprio livro de Amós apresenta, já que, como nos alertou Paul (1991, p. 12) “nenhum desses estudiosos discerniu o ordenamento literário sistemático e coerente subjacente a esses oráculos”. Kaufmann, por exemplo, propôs, que “a ordem das nações fosse entendida como uma lista alternada dos inimigos de Israel e Judá, respectivamente. A sequência começa com os arameus, o inimigo clássico de Israel durante esse período; prossegue para os filisteus, os inimigos de Judá; e continua com os fenícios, o inimigo de Israel; os edomitas, inimigos de Judá; os amonitas, o inimigo de Israel; e finalmente os moabitas, que atacaram Edom (os supostos aliados de Judá)” (PAUL, 1991, p. 12).

diacrônica estará globalizando estes oráculos, fazendo com que confluam as bases macro (todas as nações) para a micro (Israel) num fluxo constante, de maneira que as camadas sociais de Israel representem as bases macro e micro, respectivamente.

As análises acerca deste subtópico de nossa investigação são extensas, então, como medida cautelar, e a fim de não tornar esta pesquisa enciclopédica, nos basearemos nas obras de Andersen & Freedman (1989) e nos estudos de Bovati e Meynet (1994), Paul (1991), Schökel e Sicre (1991), além de Schwantes (2004). Para além deste recorte metodológico, muitos autores22 tiveram bastante preocupação em

demonstrar a estruturação, a fórmula que compõe cada oráculo, a autenticidade, o jogo numérico, as camadas redacionais e demais elementos que os estruturam, de modo que nos isenta mencioná-los aqui. Obviamente que recorreremos a eles quando a necessidade for sentida, até porque, alguns detalhes que apresentam são fundamentais para se compreender com mais profundidade aquilo que o próprio livro de Amós não esclarece, mas sem a intenção de sumariá-los, como fizemos até agora.

É recorrente nas pesquisas a afirmação de que, a principal base que levou Amós a condenar Israel e as nações estrangeiras relaciona-se aos “crimes23 contra a

humanidade” (PAUL, 1991, p. 52), tais como serem intermediários na venda de soldados prisioneiros como escravos, guerrear com excessiva crueldade, matando mulheres e crianças, e profanar os ossos dos mortos. Estes crimes estão presentes em todos os oráculos e, diacronicamente, terão seu ápice em Israel. Como expomos no complexo das visões, o Deus da justiça agirá em todo e qualquer lugar onde a injustiça se faz evidente. Bem descreveu Fohrer (1982, p. 124), “a vontade de Deus é válida para todos os povos [...] Em última análise, todos os homens serviam ao Deus único”. Portanto, Amós não tem medo de condená-las, porque está possuído e impelido pela força divina.

As análises que Andersen & Freedman (1989) fizeram sugerem que os oráculos, ou “o livro das desgraças” amosiano oferecem uma estrutura simples, mas objetiva e saturada de significados. Conformam-se com os dados bíblicos de que os redatores do

22 Cf. Jeremias (1988), Koch (1976), Mays (1969), Wolff (1984), Epsztein (1990), De Vaux (1976), Coote (1981), Neher (1975), Quesnel e Gruson (2002), etc.

23 “A palavra hebraica para “crimes” ocorre só uma vez no Pentateuco (Ex 22,8), onde recorda as tradições pré-mosaicas dos clãs. Portanto, talvez Amós esteja penetrando na natureza humana básica para julgar o certo e o errado” (STUHLMUELLER, 2010, p. 111).

livro de Amós mostram os pecados que as respectivas nações estavam praticando, seguidos da ameaça por parte de Yahweh.

É verdade que Edom figura novamente no oráculo contra Moab; mas lá é vítima, enquanto no cap. 1 Edom é culpado (1,11-12) ou cúmplice (1,6,9). As conexões entre o segundo, terceiro e quarto oráculos sugerem que os três países citados - Filistéia, Fenícia e Edom – estavam, de alguma forma, envolvidos em atividades relacionadas, quando não conjuntas. Eles representam os pontos extremos de um triângulo em torno de Israel. Tanto a Filistéia quanto a Fenícia são acusadas de entregar “todo um grupo de cativos” a Edom (ANDERSEN & FREEDMAN, 1989, p. 285).

De maneira sucinta, vejamos como se deu esta relação entre crimes e castigos: Damasco: “porque esmagaram Galaad com debulhadoras de ferro” (Am 1,3); castigo: “eu enviarei fogo a casa de Hazael e devorará os palácios de Ben-Adad...” (Am 1,4); Gaza e Filistéia: “porque deportaram populações inteiras para entrega-las a Edom...” (Am1,6); castigo: “enviarei fogo contra as muralhas de Gaza, e ele devorará seus palácios...” (Am 1,7); Tiro e Fenícia: “porque entregaram populações inteiras de cativos a Edom e não se lembraram da aliança de irmãos” (Am 1,9); castigo: “enviarei fogo às muralhas de Tiro, e ele devorará os seus palácios” (Am 1,10); Edom: “porque perseguiu à espada o seu irmão e sufocou a sua misericórdia...” (Am 1,11); castigo: “enviarei fogo contra Temã, e ele devorará os palácios de Bosra” (Am 1,12); Amon: “porque abriram o ventre das mulheres grávidas de Gallad...” (Am 1,13); castigo: “atearei fogo nas muralhas de Rabá...” (Am 1,14); Moab: “porque queimou os ossos do rei de Edom até calciná-los” (Am 2,1); castigo: “enviarei fogo contra Moab, e ele devorará os palácios de Cariot...” (Am 2,2); Judá: “porque desprezaram a lei de Iahweh...” (Am 2,4); castigo: “enviarei fogo contra Judá, e ele devorará os palácios de Jerusalém” (Am 2,5).

Esta estrutura sofre uma alteração quando Yahweh se dirige a Israel. Se nos oráculos anteriores, os redatores registraram não mais que três versículos para julgar e ameaçar cada nação limítrofe, ao tratar de Israel, não pouparam tinta nem papel para fazê-la conhecida em dez versículos. A pena de Israel será pior que todas as demais. É proposital que tais compiladores invistam mais drama a Israel porque ele é o povo que Deus havia escolhido para formar uma Aliança. Então, no oráculo contra Israel (Am 2,6- 16), Yahweh faz com que eles se recordem de tudo; dos pecados praticados (Am 2,6-9),

do que Ele havia feito pelo povo (Am 2,10-11), o que o povo fez com as benesses recebidas (Am 2,12) e, por fim, a ameaça de destruição total (Am 2,13-16).

“Os oráculos concluem com um veredicto final no qual a Deidade, falando em primeira pessoa, condena cada nação à punição pelo fogo” (PAUL, 1991, p. 14) O primeiro crime denunciado por Amós refere-se a Damasco, pelo delito de ter danificado as terras de cultura de Galaad (Am 1,3-5). Damasco explorou a região de Galaad como um domínio agrícola; de fato, “eles pisaram” alude a debulhar grãos. Os arameus foram capazes de fazer isso porque eles tinham “grades de ferro”, provavelmente alusão ao seu poderoso armamento (BOVATI; MEYNET, 1994). A Bíblia de Jerusalém (2002) explica, em suas notas de rodapé que, esta “imagem é, frequentemente, usada para descrever o aniquilamento do vencido”. Através desta linguagem metafórica, Amós denuncia a implantação de uma violência ávida exercida contra este povo vizinho a Israel. Tal violência demonstra o grau de injustiça praticado por esta nação, portanto, “o castigo atinge até o último do povo culpado, até os palácios reais da dinastia; se o incêndio constitui uma das vinganças da guerra, aqui o fogo o envia o próprio Deus, como se tratasse de raio celeste” (ALONSO SCHÖKEL; SICRE DIAZ, 1991, p. 994).

Para Gaza e Filistéia a situação não é diferente. Deus mandará seu fogo cósmico que devorará também os palácios e as muralhas da nação. A mão poderosa e onipresente de Yahweh fará com que aquelas nações fossem tocadas pela justiça. A destruição nada mais é do que a manifestação da justiça divina. A perícope (Am 1,6-8) demonstra que o crime dos filisteus foi dispor dos homens como se fosse uma mercadoria. Portanto, Amós delata a “deportação” como a violência perpetrada contra uma população inteira, somente por interesses econômicos. Paul (1991, p. 57) menciona que “a venda de saque humano no mercado de escravos era uma prática bem conhecida que se tornou um subproduto lucrativo para os vencedores da guerra”, por isso Amós acusa “a desumanidade e a crueldade do tráfico de pessoas, que eles são abusados e rebaixados a meros números e objetos de mercadoria” (PAUL, 1991, p. 57). O povo, neste

contexto, nada mais é do que uma mercadoria. As relações entre Gaza e Edom, graças a suas relações comerciais, tornam-nas vítimas. Para a meticulosidade do seu delito, uma “deportação total” corresponde a uma punição que enumera detalhadamente as cidades responsáveis. Eles deportaram populações inteiras; eles serão totalmente

destruídos, porque “o fogo” não poupará nada. Nenhum dos filisteus escapará do julgamento vindouro. Todos aqueles que escaparam da punição, logo encontrarão seu destino e enfrentarão a aniquilação. Andersen & Freedman (1989) observam que, os crimes praticados por Gaza e Tiro, conforme veremos a seguir, são semelhantes,

mas, uma clara distinção é feita entre os filisteus, que são acusados de capturar essas pessoas, e os de Tiro, que são acusados de entregar os prisioneiros a Edom. As ações são parte de um único plano, porque é dito que os filisteus capturam as vítimas para entregá-las a Edom. Em outras palavras, estas não são transações separadas, mas um plano de duas partes, do qual o primeiro componente é realizado pelos filisteus (os ataques) e o segundo pelos tírios (entrega a Edom) (ANDERSEN & FREEDMAN, 1989, p. 291).

Como já é possível perceber, Tiro e Fenícia entram no rol pelo fato de manter suas relações comerciais com Edom também à base escravocrata (Am 1,9-12). Não difere das duas nações anteriores, “um acordo que não é apenas conivência, mas associação criminosa; isto é, o oposto da “consciência fraterna” que Tiro e Fenícia “esqueceram” dos povos deportados e vendidos” (BOVATI; MEYNET, 1994, p. 29). Atraiçoa a aliança de irmãos por dinheiro, esquecendo-se completamente da misericórdia (Am 1,11), o que implica no seu espírito mercantil, a mercadoria humana a qual tinha direito à liberdade. Sicre e Schökel (1991, p. 995) observam que, “o cultivo e a observação da cólera por cima de toda compaixão fraterna não tem perdão”. Paul (1991, p. 18) alitera que “Amós está realmente fornecendo aqui a mais antiga evidência de uma “prática de negócios” que se tornou uma profissão de Tiro por centenas de anos. Seu tráfego em escravos não parece ter começado após a queda do Templo”. Na opinião de Andersen & Freedman (1989) é muito provável que os filisteus e os tiranos estejam envolvidos em um empreendimento conjunto com a entrega dos escravos. Mas para estes, a ameaça por parte de Deus não muda: “enviarei fogo...”. “O Senhor é retratado aqui como um líder militar, o Divino Guerreiro, que emprega um fogo que devora tudo como uma de suas armas de guerra” (PAUL, 1991, p. 48).

O crime de Edom, ainda que o texto não identifique a vítima, os comentadores se conformam aos dados bíblicos de que é provável que seja contra Israel, uma vez que havia entre eles uma aliança que remonta ao rei Salomão em 1 Reis 5,26: “ Iahweh concedeu a Salomão a sabedoria, conforme lhe prometera; houve bom entendimento entre Hiram e Salomão e os dois fizeram uma aliança”; “ele disse: que “Que cidades são

estas que me deste, meu irmão?”, e deu-lhe o nome de “terra de Cabul”, que persiste até hoje” (1Rs 9,13). Para além desta aliança, existe consanguinidade entre estas duas nações, que o livro do Gênesis (25) relata acerca do nascimento de Esaú e Jacó: “Há duas nações em teu seio, dois povos saídos de ti se separarão, um povo dominará um povo, o mais velho servirá ao mais novo” (Gn 25,23). Ou seja, não é somente uma guerra entre dois povos quaisquer, é uma violência fratricida. A perícope (Am 1,11-12) é bastante incisiva em mostrar que Edom “perseguiu à espada o seu irmão [Israel] e sufocou a sua misericórdia, guardou para sempre a sua ira e conservou seu furor eternamente”.

A característica específica de Edom mencionada por Andersen & Freedman (1989) é que, Edom, mais do que qualquer outro vizinho de Israel, se tornou um símbolo de hostilidade e maldade, mencionado em três dos outros oráculos: em Am 1,11 ele é retratado como agressor, em Am 2,1 como vítima, e em Am 1,6,9 como o destino final no comércio de escravos. Em vista da extensão e complexidade da operação, o que se compreende é que Edom participa dos crimes provocados pelos filisteus e fenícios, como sendo cúmplice. É importante dizer que, o que Amós está fazendo é rememorar os crimes provocados pelas nações e pelo próprio Israel, que se colocam “contra o Senhor e contra o seu ungido” (Sl 2,2), portanto, não poderiam ser esquecidos. Isso quer dizer que,

no Discurso do Grande Conjunto dos capítulos 1-2 Amós não está listando os últimos crimes de todos esses países, mas está reunindo memórias do passado que não poderiam ser apagadas, um catálogo de eventos representativos que não poderiam ser esquecidos, sempre que ocorressem (ANDERSEN & FREEDMAN, 1989, p. 280).

Reveste-se de gravidade especial o crime de Amon, que a perícope descreve em Am 1,13-15, aqui não apresenta apenas crueldade desumana, mas também atitude que pretende exterminar toda a descendência na sua fonte vital, abrindo o “ventre das mulheres grávidas de Gallad” (v.13) e matando todos os seus filhos, sob a égide de alargar os seus territórios, ou seja, vidas inocentes por territórios. Esta é uma ação extrema que conclui sem piedade uma campanha militar. Sicre e Schökel (1991, p. 995) relatam que este crime “é mais grave do que a lei do faraó contra as crianças recém- nascidas dos hebreus. A intervenção de Javé é mais ostentosa: em meio aos “gritos”

bélicos ele se apresenta como a tempestade da teofania, lançando o fogo do seu raio justiceiro”.

Moab entra no conjunto dos oráculos também pela gravidade no crime que cometeu: “por ter profanado os ossos do rei24 de Edom” (Am 2,1-3). “É mais do que

recusar sepultamento ou lançar na cova comum, é a destruição vergonhosa dos últimos restos” (ALONSO SCHÖKEL; SICRE DIAZ, 1991, p. 995). Fazendo uma análise acerca deste oráculo, Andersen & Freedman (1989) minutam que, de acordo com 1 Sm 31,11- 13, queimar o corpo de um rei antes de enterrar era um ato piedoso. A “violação” perpetrada por Moab foi interpretada como um ato de profanação em uma pessoa já morta ou como um sacrifício. Atos de sacrilégio póstumo não são incomuns. O sacrifício humano é atribuído ao rei moabita em 2 Rs 2,27. Para estes dois pesquisadores,

este sacrilégio era temido na antiguidade e as sepulturas eram protegidas por maldições [...]. Removendo e queimando ossos, uma pessoa teria que acreditar que ele estava fazendo mais mal aos mortos do que poderia ser feito a ele pela maldição protetora. Tal ato arriscado deve ter sido motivado por intensa vingança (ANDERSEN & FREEDMAN, 1989, p. 288).

Mas tudo isso não passa ileso aos olhos de Yahweh. A honra de um defunto deve ser preservada para além da morte e Moab pagará por tudo isso, sob o fogo flamejante do Eterno, todos perecerão, os palácios de Cariot serão devorados, Moab morrerá em meio ao barulho e aos gritos de guerra, os juízes injustos e corruptos serão exterminados, juntamente com todos os seus príncipes (Am 2,2-3). Tudo isso será embalado pelo som da trombeta deste Deus amosiano que é guerreiro e que estará em guerra contra todas as injustiças. Andersen & Freedman (1989, p. 288-298) observam que a “origem divina e a natureza cósmica desse fogo são mais evidentes nesse ponto. Está dentro do poder de um invasor humano incendiar uma cidade, mas é preciso um Deus para queimar um país inteiro, que é o que acontecerá com Moab (2,2) e Judá (2,5)”.

24 É importante perceber que, Amós está sendo bastante específico: o crime não foi praticado contra uma nação inteira como é visível nos oráculos contra Damasco, Gaza e Filistéia, Tiro e Fenícia, mas contra uma pessoa específica, o rei. Da mesma maneira que o castigo será também a grupos específicos e não contra toda a nação. Andersen & Freedman (1989, p. 286) reiteram que “a identificação da vítima deixa claro que nem todas as “violações” condenadas na profecia eram contra Israel. O principal problema diz respeito à natureza do ato criminoso envolvido e sua relevância no contexto”.

Como vimos até agora, os oráculos contra Damasco, Gaza e Filistéia e Moab incluem a morte dos governantes das cidades. Os oráculos contra Damasco e Amon predizem o exílio para o rei, príncipes e pessoas. O oráculo contra os filisteus diz que até os remanescentes perecerão. Andersen & Freedman (1989, p. 291) resumem estes oráculos da seguinte maneira:

1. Fogo contra a cidade (todos os casos) 2. Guerra e tumulto (1,14; 2,2)

3. Morte dos governantes (1,5,8; 2,3) 4. Exílio (1,5,15)

5. Remanescente perece (1,8)

Para prosseguir com os oráculos, estarão no pleito agora as duas nações que comporão o judaísmo hodierno: Judá (Am 2,4-5) e Israel (Am 2,6-16). Para Judá, a ameaça será a mesma das nações anteriores, “o fogo divino”, já para Israel, a lista é imensa, conforme veremos a seguir. O crime de Judá, segundo os dados contidos no livro de Amós, foi afastar-se da lei de Yahweh. Andersen & Freedman (1989, p. 296) acreditam que o profeta está repreendendo “o povo e especialmente os governantes por não guardarem a Torá que deveriam saber. Esta Torá é “o conhecimento [de Deus]””, e rejeitar a Torá significa quebrar as estipulações da aliança abrahâmica.

Quando Amós 2,4b é lido à luz de 2 Rs 17,15,20 e 23,27, a rejeição da Torá é identificada não como o desejo de um rei humano, como em Samuel, ou como injustiça social, como em Oséias e Isaías, mas como idolatria. Então, “suas mentiras” são identificadas como ídolos (ANDERSEN & FREEDMAN, 1989, p. 299).

Judá rejeita a palavra de Yahweh para ouvir falsos profetas e obscurecer a verdade e as injustiças presentes dentro do reino. No contexto de Amós 2,4-5, significa a aceitação contrária de falsas profecias: “suas mentiras”. Por isso, a possibilidade a ser considerada é a de que, de acordo com Amós, a apostasia era realmente o pecado principal de Judá. Além do mais, embora a acusação tenha um caráter teológico geral e não cite erros específicos, como nos outros oráculos, esta acusação é baseada no fato de que os autores da denúncia expõem o mal em sua raiz e englobam todos os pecados, incluindo os da esfera moral e social. Neste aspecto Sicre e Schökel (1991, p. 995) concordam com os comentadores anteriores: “o autor destes versos [de Amós] julga ter

ela se tornado crime tradicional e hereditário, o que vai justificar o incêndio da cidade santa, Jerusalém”.

Todos esses componentes também estão presentes em Is 30,9-12, denunciando o povo rebelde que deseja se afastar da mensagem profética. Esses epítetos não implicam que as pessoas contam mentiras, mas que preferem ouvir mentiras em vez de ouvir a verdade: “se recusam a ouvir a Lei de Iahweh” (Is 30,9b); “visto que rejeitastes esta palavra” (Is 30,12b). “Nada poderia ser mais claro. Rejeitar os profetas e rejeitar a Torá de Yahweh é uma e a mesma coisa. Mais do que isso, os profetas são abusados em Is 30,11, verbal e fisicamente” (ANDERSEN & FREEDMAN, 1989, p. 300). Mas, a justiça vindoura será plena. Paul (1991, p. 20) reitera que o profeta Amós não poupa “até mesmo seus próprios concidadãos judeus de severa reprovação, sua denúncia se torna toda a mais pungente”.

O profeta ainda faz uma clara distinção entre a natureza e a essência das transgressões das nações e as de Judá. Porque os últimos estão ligados por uma relação de aliança íntima (Am 3,1-2), eles são especificamente indiciados por infrações de natureza religioso-moral-ética. “As nações estrangeiras, no entanto, desrespeitam a autoridade divina sempre que cometem grandes atos de barbárie e atrocidade contra os outros países” (PAUL, 1991, p. 45). Por esses crimes, eles são considerados culpados de se revoltarem contra o “Senhor da história” (ANDERSEN & FREEDMAN, 1989, p. 90), que, por sua vez, os responsabiliza diretamente e executará ações punitivas contra eles.

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