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2.1 NEUROCIÊNCIA E O PROCESSAMENTO DA INFORMAÇÃO

2.1.2 A plasticidade cerebral

A plasticidade neuronial é uma propriedade local que pode resultar em aprendizado global (CHURCHLAND e SEJNOWSKI, 1992). Essa plasticidade cerebral está relacionada à memória/experiência.

O crescimento e o brotamento de ramificações (novos dendritos) e colaterais (estruturas que partem do axônio) destinadas a inputs e a outputs determinam o aumento de intercomunicações neuroniais (OLIVEIRA, 1999; ELLIS, 2003; CIELO, 2004). Em decorrência disso, as células nervosas mudam suas respostas a determinados estímulos em função da experiência, resultado de dois mecanismos: a criação de novas conexões sinápticas e a modificação de sinapses existentes (HAYKIN, 2001; IZQUIERDO, 2006).

Nessa perspectiva, a simultaneidade do processamento em paralelo e a capacidade de construção de conceitos na forma ad hoc favorecem a afirmação de que não existe localização única14 para todas as nossas memórias (JENSEN, 2002; MAGRO, 2003; CASTRO, 2004).

As memórias se estabelecem quando o cérebro codifica, nos neurônios, a representação do mundo por padrões de atividades elétricas. Segundo Young e Concar (1992), esses padrões imitam as correntes dos íons que fluem através dos canais nas membranas dos neurônios, inibindo ou estimulando a atividade de um estímulo. Conforme o padrão, o cérebro entende um significado, codifica fragmentos de informações na memória e reconstrói as representações (CIELO, 1998). Dizemos, então, que pelo ajuste da força das sinapses acontece a recordação e o aprendizado.

O ato de lembrar envolve ativar de forma uníssona o hipocampo e o córtex, criando uma recordação integrada (experiência como um todo), a partir de fragmentos de experiência (YOUNG e CONCAR, 1992) que ficam disponíveis para serem reativadas, reorganizadas e ampliadas.

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As noções rígidas de organização do conhecimento, esquemas mentais e seus similares são desconsiderados (ZIMMER, 2001).

Assim, de acordo com Izquierdo et. al. (2003); Izquierdo (2006), a memória é aquisição (aprendizagem), o armazenamento e a evocação de informações. Nessa perspectiva, as memórias podem ser classificadas de acordo com a sua função, com o tempo que duram e com o seu conteúdo; porém suas classificações não devem ser tomadas ao pé da letra, mas como misturas de memórias antigas com outras que estão sendo adquiridas ou evocadas no momento.

A memória, segundo sua função, é denominada de trabalho ou memória operacional. Interface entre a percepção da realidade pelos sentidos e a formação ou evocação das memórias, a memória de trabalho não deixa traços, dura segundos ou poucos minutos. Tal memória apenas permite a análise de informações que chegam ao cérebro e as compara com as memórias existentes (declarativas e procedimentais, de curta ou longa duração). Segundo Baddeley (1986, p.46, citado por Kintsch, 2007, p.217), a memória de trabalho é um armazenamento temporário de informação que está sendo processado em qualquer escala de tarefas cognitivas.

As memórias, classificadas conforme o conteúdo, podem ser declarativas ou procedurais/procedimentos. As memórias declarativas, suscetíveis à modulação pelas emoções, ansiedade e pelo estado de ânimo, dividem-se em episódicas15 (fatos, eventos) e em semânticas16 (conhecimentos gerais). As memórias procedurais estão relacionadas às capacidades ou habilidades motoras ou sensoriais (andar de bicicleta, nadar etc). Tanto as memórias declarativas, quanto as procedurais podem ser explícitas e implícitas. As memórias de procedimento são, geralmente, adquiridas de maneira mais ou menos automática (implícita) sem que o sujeito perceba de forma clara o que está aprendendo. As memórias semânticas são adquiridas com a intervenção da consciência (explícitas). Porém, segundo Jensen (2002), somente armazenamos uma pequena parte do que absorvemos.

As memórias também podem ser classificadas, conforme o tempo que duram. A memória de curto prazo, parafraseando Smith (1989), possui importância central para a leitura, pois é onde se “guarda” os traços daquilo que acabou de se ler, enquanto se extrai sentido das próximas palavras. Já, as memórias de longa duração

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São consideradas autobiográficas (IZQUIERDO, 2006). 16

No que tange ao texto, as informações semânticas distribuem-se em dois grandes blocos: o dado e o novo, cuja disposição e dosagem interferem na construção de sentido.

(memórias remotas) não se estabelecem de forma estável ou permanente logo após sua aquisição (consolidação). Elas obedecem a alterações morfológicas das sinapses que poderão se constituir de alongamentos, estreitamentos, bifurcações ou outras mudanças estruturais das sinapses.

Não podemos esquecer de que na rede neuronial funciona uma memória autoassociativa, onde cada sinapse codifica várias informações e cada informação é codificada por várias sinapses. Ao evocar determinada experiência, ativamos a memória de trabalho para ver se essa memória consta ou não em nossos “arquivos” bem como evocamos memórias de conteúdo similar ou não e misturamos todas elas, às vezes, formando uma nova memória (CIELO, 1998). Nas associações entre dois estímulos, há a repetida liberação do glucomato e a despolarização da membrana pós- sináptica. Isso resulta em produção da Potencialização de Longa Duração (doravante LTP), um curioso fortalecimento de sinapses (KOLB e WHISHAW, 2002; IZQUIERDO, 2006; ROTTA, 2006).

A LTP é o coração molecular da memória (YOUNG e CONCAR, 1992, p. 7), presente numa molécula receptora simples chamada NMDA17 (N-metil D-Aspartato). Os NMDAs colocam a regra de Hebb em funcionamento por dois disparos que se abrem e permitem o tráfego iônico. Este fenômeno permite que os impulsos das sinapses se potencializem, tornando-se forte por um tempo maior, podendo durar semanas ou meses. Constitui-se, assim, a LTP num elemento vital na aprendizagem.

Assim, quando as sinapses colocam a regra de Hebb em ação, a recordação fica mais fácil. Os neurônios que estiverem ativos ao mesmo tempo, ficam ligados por sinapses mais fortes. Durante a lembrança, essas sinapses tenderão a ativar um ao outro neurônio e ajudar a criar o padrão original. Uma rede celular desse tipo, em plena atividade (memória associativa), é aquela em que cada sinapse participa de várias recordações e cada recordação é codificada por várias sinapses. Se a rede é estimulada com um pequeno fragmento de uma recordação, suas sinapses garantem que o fragmento de recordação regenere aquela recordação em sua totalidade.

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O NMDA é um aminoácido excitatório do neurotransmissor (disponível http:// pt. wikipedia.org/wiki/ NMDA).

Diante do exposto, falar em plasticidade neuronial é falar em memória como atividade realizada pelas conexões neuroniais. Quando o cérebro codifica a representação do mundo, as memórias se estabelecem por padrões de atividades elétricas, inibindo ou estimulando a atividade dos neurônios. Como resultado, acontece o ajuste na força de suas sinapses para a recordação (pelo reforço das sinapses) ou para o aprendizado (pela alteração nas estruturas sinápticas). As sinapses são fortalecidas pela LTP, a qual facilita a recordação ao colocar a regra Hebb em ação.

Modelar a linguagem à cognição humana tem sido palco de interesse de diversas pesquisas ao longo dos anos. O surgimento de muitos olhares lançados sobre as questões cognitivas leva-nos à necessidade de definirmos, na próxima seção, o que é cognição.