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2.5 LEITURA E COMPREENSÃO

2.5.3 O processamento da leitura em LE/L2

A complexidade dos processos de compreensão da LE para os aprendizes de inglês no Brasil não se deve ao fato do desconhecimento da LE, mas principalmente, conforme Kato (1999, p. 2), à inabilidade de interagir com o texto escrito na própria língua materna.

Uma possível justificativa para essa afirmação pode ser encontrada na visão interacionista de Zimmer (2004) e Alves (2006). Segundo Zimmer, a LM serve de andaime cognitivo para a construção do conhecimento de LE/L2. Conforme Alves, a LM e a LE/L2 fazem parte do mesmo sistema cognitivo, nas redes neuroniais, cujas conexões podem ser fortalecidas ou enfraquecidas.

Mesmo com os conhecimentos dos padrões linguísticos sejam diferenciados e insuficientes de LM para LE/L2, o que fica “armazenado” na memória é um conjunto de forças de conexões (ZIMMER e ALVES, 2007) que, quando ativadas, geram afirmações que correspondem a esquemas instanciados68. Tanto o processamento linguístico da informação em LM quanto em LE/L2 são influenciados por dois fatores principais: o grau de experiência com a língua e fatores biológicos,

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Esses esquemas, observa Bransford et al. (1984), permanecem potencialmente disponíveis para serem ativados.

como a velocidade do processamento cognitivo (ELMAN et al., 199669; MACDONALD e CHRISTIANSEN, 2002).

Dito isso, precisamos relembrar que o paradigma conexionista se opõe à noção rígida de subsistemas modulares para o processamento de conhecimento. Não há, portanto, um saber armazenado no módulo da consciência e outro num módulo da inconsciência. Ambos excercem funções complementares entre os conhecimentos adquiridos da forma implícita ou explícita. Tais formas de conhecimento podem perfeitamente serem reforçadas através das sinapses (ALVES E ZIMMER, 2005).

Para tanto, no Modelo Hipcord de McClelland, McNaughton e O`Reily (1995, citado por ZIMMER, 2006), a aprendizagem e a memória emergem na interação entre o processamento de dois sistemas cognitivos complementares (hipocampo e neocórtex). No hipocampo, acontece a aprendizagem associativa que vai gradualmente sendo integrada no neocórtex70, o qual auxilia na aprendizagem de forma lenta e gradual. O conhecimento que vai do hipocampo ao sistema do neocórtex é incorporado por reinstanciações sinápticas71 cuja função é engramar o novo conhecimento ao conhecimento prévio já existente em conexões sinápticas no córtex. Há, assim, uma interação gradiente entre a codificação explícita e a implícita na formação de novas memórias ou conhecimentos, à medida que o processo de consolidação vai se desenrolando (MCCLELLAND et al., 1995; ALVES e ZIMMER, 2005; ZIMMER, 2006).

Como vemos, a leitura hábil em LE/L2 se caracteriza como uma constante interação entre os processos cognitivos ascendentes e descendentes. Na versão de Kintsch (2007), três fatores determinam se uma pessoa é ou não um bom leitor: as

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Obra citada por Zimmer (2006). 70

É a denominação que recebe todas as áreas mais evoluídas do córtex. Estas áreas constituem a “capa neural” que recebe os lóbulos pré-frontais e, em especial, os lobos frontais dos mamíferos. É a porção anatomicamente mais complexa do córtex. Se estendido no plano teria o tamanho de um guardanapo e é esta camada que nos proporciona todas as recordações, conhecimentos, habilidades e experiências acumuladas. Disponível em http://pt.wikipedia.org/wiki/Neoc%C3%B3rtex.

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A múltipla instanciação ou ativação sináptica é fenômeno indispensável para que as redes neuroniais processem a informação linguística mediante a freqüência e a regularidade das palavras, ao mesmo tempo em que ativam o conhecimento prévio do leitor relativo ao assunto do texto. Disso se infere que, na construção do sentido na leitura, seja ela em LM ou L2, o que varia é a velocidade do processamento – mais lento na L2 - e a quantidade maior de sinapses envolvidas na leitura em L2 (ZIMMER, op.cit.).

habilidades de decodificação, habilidades de linguagem e domínio de conteúdo. As diferenças individuais acontecem, para Grabe (1991); Koda (1994); Zimmer (2006), no processamento da linguagem (transferência do conhecimento de LM para a L2 nos níveis ortográfico, fonológico, morfológico, semântico e pragmático); no conhecimento (linguístico e enciclopédico), e no contexto social que envolve expectativas sobre a leitura e sobre como os textos que podem ser usados.

Considerando o que foi dito, o bom leitor estabelece a conversão grafema- fonema com rapidez e correção, constrói representações mais complexas e precisas do conteúdo textual sem que sua consciência devote atenção a questões maiores de significado, ou ainda, pode passar dos padrões perceptivos ao significado sem necessidade do estágio ortográfico. Isso porque, possui habilidades linguísticas que lhe permitem perceber os elementos proposicionais de um texto, quando necessário. E mais, podem compensar suas deficiências em um nível (reconhecimento de palavras, por exemplo) por conhecimentos construídos a partir de outros níveis. Desse modo, a estratégia ascendente (reconhecimento de letras, de palavras e de sintagmas) se torna automatizada, ao se estabelecer uma ponte entre o material linguístico e o conhecimento prévio por inferências (GOLDMAN e DURAN 1988; SEIDENBERG e MCCLELLAND, 1989; PLAUT et al., 1996; ANDERSON, 2005; ZIMMER, 2006; PACHECO, 2007).

Em tarefas complicadas em LE/L2, o processamento fonológico da informação pode sobrecarregar a memória de trabalho que tem capacidade limitada de três chunks72. Se a memória de trabalho não liberar o processamento sintático e semântico73 (LABERGE e SAMUELS, 1974; ZIMMER, 2001), o leitor gastará mais tempo para processar o significado das palavras e, por conseguinte, para o sentido do texto (KODA, 1994; HARRINGTON e SAWYER, 1992; ZIMMER, 2006). Como resultado, a saturação da memória.

A situação se agrava para leitores com pouco conhecimento de conteúdo, quando não conhecem estratégias para aplicar num texto nem são conscientes de

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Segundo Anderson (2005, p.136), os chunks geralmente contem cerca de três elementos. No exemplo DRQNSLWCF, os sujeitos repetem DRQ-pausa-NSL-pausa-WCF, e as pausas refletem onde as séries foram divididas em chunks (pedaços).

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como ou quando aplicar o conhecimento que possuem. Nesse sentido, não podem inferir o significado das palavras, e encontram dificuldades para avaliar o texto com clareza, consistência e plausibilidade (ALDERSON, 2000; HIRSCH, 2003). Nesse caso, segundo Moos e Azevedo (2008), a maioria da capacidade da memória de trabalho acaba sendo usada para processar a informação, não permitindo planejamento e monitoramento da sua aprendizagem. Sem conhecimento acessível para monitorar a relevância do conteúdo, esses leitores precisam desenvolver, ainda, estratégias para construir a base de conhecimento necessário.

Fica evidente que na compreensão em leitura em LE/L2, as informações fornecidas pelo leitor ao preencher as lacunas do texto, são resultado de um processamento que acontece em dois sistemas complementares - hipocampo e neocórtex - a interação entre conhecimento explícito e implícito, respectivamente. Nessa perspectiva, o reconhecimento da palavra se dá pela ativação de um padrão elétrico já formado anteriormente, caracterizando-se em conhecimento (linguístico ou enciclopédico) do leitor. Não há dúvida de que a experiência exerce papel fundamental na compreensão do texto, quando associada às habilidades de decodificação, habilidades de linguagem e conhecimento prévio de conteúdo. Tudo isso auxilia na liberação da memória de trabalho para o processamento da leitura de forma hábil. Sem a sobrecarregada da memória de trabalho, esses três fatores contribuem para o rápido acesso ao processamento do texto, culminando como uma fotografia do texto como um todo.

Dissertar sobre leitura e compreensão é uma tarefa das mais complexas, pois haverá sempre algo que não foi dito, dada a infinidade de elementos envolvidos (GABRIEL e FRÖMMING, 2002). Na tentativa de complementar esta discussão, na próxima seção, entrelaçaremos alguns posicionamentos e pesquisas que envolvem os assuntos discutidos até o momento.