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A pluralidade de razões imparciais

No documento A Ideia de Justica - Amartya Sen (páginas 170-181)

parte ii formas de argumentação racional

9. A pluralidade de razões imparciais

Argumentou-se no último capítulo que não há nada de extraordinário ou irracional em fazer escolhas e tomar decisões que ultrapassam as fronteiras estreitas da busca exclusiva do autointeresse. Os objetivos das pessoas podem ir muito além da promoção obstinada do autointeresse apenas, e suas escolhas podem até ir além da obstinada busca de seus objetivos pessoais, talvez movidas por algum interesse pela decência no comportamento, permitindo aos outros que também busquem seus objetivos. A insistência da chamada teoria da escolha racional na definição de racionalidade simplesmente como promoção inteligente do autointeresse dá pouco valor ao uso humano da razão.

A conexão entre a racionalidade da escolha e a sustentabilidade das razões por trás da escolha foi discutida no último capítulo. Nesse entendimento, a racionalidade é primariamente uma questão de basear — explícita ou implicitamente — nossas escolhas no

raciocínio que podemossustentar reflexivamente, e exige que nossas escolhas, assim como

nossas ações e objetivos, valores e prioridades, possam sobreviver ao nosso próprio exame crítico, seriamente realizado. Também foi discutido por que não existe nenhuma razão especial para imaginar que toda motivação que não a busca do autointeresse de alguma forma deve ser guilhotinada por essa análise crítica.

No entanto, embora a racionalidade da escolha possa facilmente permitir motivações que não são autointeressadas, a racionalidade por si mesma não as exige. Ainda que não haja nada de estranho ou irracional em alguém que se move pela preocupação com os outros, seria difícil argumentar que há alguma necessidade ou obrigação de ter essa preocupação com base apenas na racionalidade. Podemos ter razões sustentáveis para a ação que refletem nossas inclinações e nossas próprias linhas individuais de autoexame. A racionalidade como uma característica do comportamento da escolha não exclui o altruísta dedicado nem quem busca ponderadamente o ganho pessoal.

Se Maria decidisse, de forma convincente e inteligente, buscar sua ideia do bem social, mesmo com grande sacrifício para si mesma, seria difícil considerá-la, por essa razão, como “irracional”. Contudo, a acusação de irracionalidade pode ser difícil de sustentar contra Paulo mesmo que ele seja um maximizador prático do autointeresse, desde que seus valores,

prioridades e escolhas sobrevivam a sua própria análise séria.a O compromisso com os

interesses dos outros poderia simplesmente ser menos importante para Paulo do que para

Maria.b Podemos pensar que Paulo seja uma pessoa menos “razoável” que Maria, mas, como

John Rawls discutiu, essa é uma questão diferente da irracionalidade como tal.1 A

racionalidade é, de fato, uma disciplina bastante permissiva, que exige a prova do raciocínio, mas permite que o autoescrutínio arrazoado assuma formas bastante diferentes, sem necessariamente impor qualquer grande uniformidade de critérios. Se a racionalidade fosse uma igreja, seria uma igreja bastante ampla. De fato, as exigências da razoabilidade, assim como caracterizada por Rawls, tendem a ser mais rigorosas do que as exigências da mera

racionalidade.c

As exigências de escrutínio precisariam ser refinadas e acentuadas quando passamos da ideia de racionalidade para a de razoabilidade, se seguirmos a interpretação de John Rawls dessa distinção. Como foi discutido no capítulo 5, a ideia de objetividade na razão prática e no comportamento pode ser sistematicamente vinculada às exigências de imparcialidade. Partindo disso, podemos assumir que o padrão relevante de objetividade dos princípios éticos está ligado a sua defensibilidade em uma estrutura aberta e livre de argumentação

pública.d As perspectivas e avaliações de outras pessoas, bem como seus interesses, teriam

um papel aqui de uma forma que a racionalidade por si não necessita exigir.e

Entretanto, devemos investigar mais de perto a ideia de defensibilidade na argumentação com os outros. O que a defensibilidade exige e por quê?

o que os outros não podem razoavelme nte rejeitar

Na peça King John, de William Shakespeare, Filipe, o Bastardo, observa que nossa

avaliação geral do mundo é muitas vezes influenciada por nossos próprios interesses especiais:

Well, whiles I am a beggar, I will rail And say there is no sin but to be rich; And being rich, my virtue then shall be

To say there is no vice but beggary. f

É difícil negar que nossas posições e situações possam influenciar nossas atitudes e crenças políticas gerais sobre as diferenças e assimetrias sociais. Se levarmos o autoexame muito a sério, é possível que sejamos suficientemente obstinados para buscar mais consistência em nossos juízos avaliativos gerais (de modo que, por exemplo, nossos juízos sobre os ricos não variem radicalmente, dependendo se somos ricos ou pobres). Mas não há nada garantindo

que esse tipo de escrutínio rigoroso sempre ocorrerá, pois somos capazes de muita autoindulgência em nossos pontos de vista e opiniões sobre coisas em que estamos envolvidos diretamente, e isso pode limitar o alcance de nosso autoexame.

No contexto social, quando se trata da equidade em relação às outras pessoas, haveria alguma necessidade de ir além das exigências da racionalidade quanto ao autoexame permissivo, e considerar as exigências do “comportamento razoável” em relação aos outros. Nesse contexto mais exigente, é preciso prestar muita atenção nas perspectivas e nos interesses dos outros, pois eles teriam um papel importante no escrutínio ao qual nossas decisões e escolhas podem ser sensatamente submetidas. Nesse sentido, nossa compreensão do certo e do errado na sociedade tem de ir além do que Adam Smith chamou de ditames do “amor-próprio”.

Na verdade, como Thomas Scanlon persuasivamente argumentou, “pensar sobre o certo e o errado é, no nível mais básico, pensar no que poderia ser justificado aos outros por razões

que eles, se devidamente motivados, não poderiam razoavelmente rejeitar”.2 Embora a

sobrevivência ao autoexame com que alguém se envolve seja fundamental para a ideia de racionalidade, considerar com atenção um escrutínio crítico da perspectiva dos outros deve ter um papel significativo para nos levar além da racionalidade, em direção ao comportamento razoável em relação às outras pessoas. Aqui há espaço para as exigências da ética política e social.

O critério de Scanlon é diferente das exigências de equidade de Rawls feitas através do dispositivo da “posição srcinal”, que foi analisado acima? Certamente, há uma forte conexão entre os dois. Na verdade, o “véu de ignorância” na “posição srcinal” (segundo o qual ninguém sabe quem será no mundo real) foi concebido por Rawls para fazer as pessoas verem além de seus interesses pelo próprio benefício e objetivos pessoais. No entanto, existem diferenças substanciais entre a abordagem firmemente “contratualista” de Rawls, centrada, em última instância, nos benefícios mútuos resultantes do acordo, e a análise mais ampla da argumentação feita por Scanlon (apesar de Scanlon turvar bastante a água ao insistir em chamar sua própria abordagem de “contratualista”).

Na análise rawlsiana, quando os representantes do povo se reúnem e determinam quais princípios devem ser considerados “justos” para orientar a estrutura institucional básica da sociedade, os interesses de todas as pessoas contam (de forma anônima, já que ninguém sabe, graças ao “véu de ignorância”, quem exatamente de fato será). Assim como Rawls

caracterizou a posição srcinal em sua Teoria da justiça, as partes ou seus representantes não

deixam à solta suas opiniões morais específicas ou seus valores culturais próprios nas deliberações da posição srcinal; sua tarefa é simplesmente promover da melhor forma possível seus próprios interesses e os interesses daqueles que representam. Apesar de todas as partes buscarem seus respectivos interesses, o contrato em torno do qual se espera a unanimidade pode ser visto, na perspectiva de Rawls, como o melhor para os interesses de todos, tomados em conjunto, sob o “véu de ignorância” (pois o véu impede que qualquer

pessoa saiba quem exatamente ele ou ela será).g É preciso enfatizar que a agregação imparcial

está claro o que seria escolhido nesse tipo de incerteza planejada. A ausência de uma solução única, escolhida por unanimidade por todas as partes, corresponde à ausência de uma agregação social única dos interesses conflitantes de diferentes pessoas. Por exemplo, a fórmula distributiva rawlsiana de priorização dos interesses dos mais desfavorecidos tem de competir com a fórmula utilitarista de maximização da soma das utilidades de todos: de fato, John Harsanyi chega a essa solução utilitarista precisamente com base em um uso semelhante da incerteza imaginada sobre quem cada pessoa virá a ser.

Em contrapartida, na formulação de Scanlon, mesmo que sejam os interesses das partes que servem como base para a discussão pública, os argumentos podem vir de qualquer um nessa sociedade ou noutra que proponha fundamentos específicos para pensar que as decisões a serem tomadas podem ou não ser “razoavelmente rejeitadas”. Embora as partes envolvidas tenham direito a intervir precisamente porque seus interesses são afetados, os argumentos sobre o que pode ou não ser razoavelmente rejeitado em seu nome contribuem com diferentes perspectivas morais se forem considerados razoáveis, em vez de limitar a atenção às linhas de pensamento das próprias partes envolvidas. Nesse sentido, a abordagem de Scanlon permite um movimento no sentido explorado por Adam Smith em sua ideia do “espectador imparcial” (ver capítulo 8), ainda que a amarração de todos os argumentos permaneça limitada, mesmo na análise de Scanlon, às considerações e interesses das próprias partes afetadas.

Há também uma ampliação inclusiva na abordagem de Scanlon, pois as pessoas cujos interesses são afetados não precisam vir todas apenas de dada sociedade ou nação, ou comunidade política, como na busca da justiça “povo por povo” de Rawls. A formulação de

Scanlon permite a ampliação da coletividade de pessoas cujos interesses são vistos como

relevantes: não precisam ser todos cidadãos de determinado Estado soberano, como no modelo rawlsiano. Da mesma forma, já que a busca é por razões genéricas que as pessoas têm em várias posições, as avaliações da população local não são os únicos pontos de vista que contam. Já comentei, em particular no capítulo 6, a natureza restritiva da abordagem “contratualista” rawlsiana, que restringe a abrangência das perspectivas que podem valer nas deliberações públicas. E, na medida em que o chamado enfoque “contratual” de Scanlon elimina algumas dessas restrições, temos boas razões para confiar mais na formulação de Scanlon do que na de Rawls.

A razão de Scanlon para chamar sua abordagem de “contratual” (o que, acredito, não ajuda a pôr em evidência suas diferenças com o modelo de pensamento contratualista) é, como ele explica, seu uso da “ideia de uma vontade compartilhada de modificar nossas exigências particulares a fim de encontrar uma base de justificação que os outros também tenham razão para aceitar”. Embora isso não pressuponha nenhum contrato, Scanlon não está errado em ver essa ideia como “um elemento central da tradição do contrato social que remonta a Rousseau” (p. 5). Mas, dessa forma geral, essa também é uma ideia básica

partilhada por muitas outras tradições, desde a cristã (no capítulo 7, discuti os argumentos de Jesus com o advogado local sobre como discorrer sobre a história do “bom samaritano”) até a smithiana e inclusive a utilitarista (particularmente na versão de Mill). A abordagem de Scanlon é muito mais geral do que parece em sua própria tentativa de enquadrá-la estritamente dentro dos limites da “tradição do contrato social”.

a pluralidade da não rejeitabilidade

Passo agora a uma questão diferente. É importante ver que a forma de Scanlon identificar os princípios que podem ser vistos como razoáveis não precisa produzir, de maneira alguma, um único conjunto de princípios. Scanlon não diz muito sobre a multiplicidade de princípios concorrentes que podem passar por seu teste de não rejeitabilidade. Se ele tivesse feito isso, então o contraste entre sua chamada “abordagem contratual” e uma abordagem “contratualista” propriamente dita teria se tornado ainda mais transparente. Uma abordagem contratualista — seja a de Hobbes, Rousseau ou Rawls — deve levar a um contrato específico; no caso de Rawls, especifica um único conjunto de “princípios de justiça” sob a “justiça como equidade”. Na verdade, é muito importante ver quão crucial é essa singularidade para a base institucional do pensamento rawlsiano, uma vez que é esse único conjunto de exigências que determina, assim como Rawls narra a história, a estrutura institucional básica de uma sociedade. O desdobramento da versão rawlsiana de uma sociedade justa procede desde esse primeiro passo institucional baseado no acordo sobre um único conjunto de princípios, antes de passar a outras características (por exemplo, a operação da “fase legislativa”). Se houvesse princípios concorrentes, com diferentes exigências institucionais que emergissem todas pluralmente da posição srcinal, então a história rawlsiana não poderia ser contada da forma que ele a conta.

Discuti essa questão, no capítulo 2, com um foco relacionado, mas diferente — a implausibilidade de supor que algum conjunto único de princípios seria escolhido por unanimidade na posição srcinal de Rawls. Se houvesse muitas alternativas disponíveis para serem escolhidas no final do exercício de equidade, então não haveria um único contrato social que pudesse ser identificado e servisse como base para a explicação institucional que Rawls oferece.

Algo bastante importante está envolvido na compreensão da pluralidade de razões robustas e imparciais que podem surgir a partir da análise penetrante. Como foi discutido na Introdução, temos diferentes tipos de razões concorrentes de justiça, e pode ser impossível rejeitar todas com exceção de um só conjunto de princípios complementares que se harmonizam bem e integralmente uns com os outros. Mesmo quando uma pessoa tem uma prioridade claramente favorita, essas prioridades podem variar de pessoa para pessoa, e pode ser difícil para alguém rejeitar razões completa e possivelmente bem defendidas às quais os

outros dão prioridade.

Por exemplo, no caso das três crianças disputando uma flauta, que foi discutido na Introdução, pode-se argumentar que todos os três cursos alternativos de ação têm argumentos justificativos que não podem ser razoavelmente rejeitados, mesmo depois de muita deliberação e crítica. Os argumentos justificativos em que as reivindicações das três crianças foram respectivamente baseadas podem todos assumir formas “imparciais”, embora difiram no foco dos fundamentos impessoais sobre os quais as três defesas foram construídas. Uma reivindicação foi baseada na importância da realização e da felicidade, outra, na importância da equidade econômica, e a terceira, no reconhecimento do direito a beneficiar- se dos frutos de seu próprio trabalho. Naturalmente podemos tomar um partido ou outro ao considerarmos esses fundamentos concorrentes, mas seria muito difícil afirmar que todos

eles, exceto um, devem ser rejeitados pornão serem “imparciais”. Na verdade, mesmo juízes

inteiramente imparciais, que não são movidos por interesse no próprio benefício ou por alguma excentricidade pessoal, podem ver a força de várias razões díspares de justiça num caso como esse, e podem muito bem terminar discordando entre si sobre qual decisão deva ser tomada, uma vez que todos os argumentos concorrentes pretendem oferecer uma sustentação imparcial.

os benefícios mútuos da cooperação

Não é difícil ver por que a abordagem contratualista atrai alguns supostos “realistas” que querem que o comportamento decente surja de alguma consideração última relacionada à vantagem pessoal. O desejo de Rawls de ver “a sociedade como um sistema justo de

cooperação”h se encaixa bem nessa perspectiva geral. Como Rawls diz, a ideia da cooperação

“inclui a ideia de vantagem racional ou o bem de cada participante” e “a ideia de vantagem racional especifica o que é que as pessoas envolvidas na cooperação estão buscando promover desde o ponto de vista de seu próprio bem”. Existe algo em comum aqui com a perspectiva do autointeresse da teoria da escolha racional, exceto que se usa nas condições da posição srcinal, com um véu de ignorância sobre as identidades pessoais. Além disso, todas as pessoas envolvidas reconhecem claramente que não podem conseguir o que desejam sem a cooperação dos outros. Assim, o comportamento cooperativo é escolhido como uma norma de grupo para o benefício de todos, e envolve a escolha conjunta dos “termos que cada participante pode razoavelmente aceitar e às vezes deveria aceitar, desde que todos os

outros os aceitem da mesma forma”.3

Isso pode muito bem ser a moralidade social, mas é em última análise uma moralidade

social prudencial . Já que a ideia de uma cooperação mutuamente benéfica é tão central para

a concepção da posição srcinal rawlsiana, e já que a invocação da ideia fundamental da equidade é feita principalmente através do dispositivo da posição srcinal, a abordagem

rawlsiana da “justiça como equidade” tem uma fundamentação essencialmente baseada na vantagem.

A perspectiva baseada na vantagem é realmente importante para as regras sociais e o comportamento, uma vez que existem muitas situações em que os interesses comuns de um grupo de pessoas são muito mais bem servidos quando todos seguem regras de comportamento que impedem cada pessoa de tentar ganhar um pouco mais ao custo de tornar as coisas piores para os outros. O mundo real está cheio de muitos problemas desse tipo, variando desde a sustentabilidade ambiental e a preservação dos recursos naturais compartilhados (os bens comuns) até a ética do trabalho nos processos de produção e no

senso cívico na vida urbana.4

Ao lidar com essas situações, há duas grandes maneiras de gerar benefícios mútuos através da cooperação: contratos acordados cujo cumprimento pode ser impelido, e normas sociais que podem funcionar voluntariamente nesse sentido. Embora ambos os percursos tenham sido discutidos de uma ou outra forma na literatura contratualista da filosofia política que remonta pelo menos a Hobbes, a posição principal corresponde à rota do contrato cujo cumprimento pode ser exigido. Em contrapartida, o percurso da evolução das normas sociais é um tema intensamente explorado na literatura sociológica e antropológica. As vantagens do comportamento cooperativo e a reivindicação desse comportamento através da autolimitação dos membros do grupo têm sido investigadas de forma bastante esclarecedora por analistas sociais visionários, como Elinor Ostrom, para discutir o surgimento e a

sobrevivência da ação coletiva por meio de normas sociais de comportamento.5

o argumento contratualista e seu alcance

Resta pouca dúvida de que o argumento prudencial — com base última no benefício mútuo —, a favor da cooperação social e, através desta, da moralidade social e política, tem ampla relevância para a compreensão das sociedades e de seus sucessos e fracassos. A linha contratualista de argumentação tem feito muito para explicar e desenvolver a perspectiva da cooperação social através de desvios éticos, bem como de arranjos institucionais. A filosofia política e a antropologia explicativa foram bastante reforçadas pelo discernimento gerado pelo argumento contratualista.

Nas mãos de Rawls, e nas de Kant antes dele, essa perspectiva também foi muito enriquecida a partir da análise mais primitiva — mas esclarecedora — da cooperação social apresentada srcinalmente por Thomas Hobbes com relação a um argumento diretamente prudencial. Com efeito, o uso rawlsiano da perspectiva do “benefício mútuo” tem várias características de grande importância, particularmente para o emprego do raciocínio imparcial, apesar do fato de que a força motriz da “cooperação para o benefício mútuo” só pode ser, em última instância, prudencial, de uma forma ou outra.

Em primeiro lugar, embora a ideia de contrato seja utilizada por Rawls para determinar a natureza das instituições sociais e das correspondentes exigências de comportamento, sua análise não se baseia tanto na aplicação coercitiva do acordo (como em muitas teorias contratualistas) quanto na vontade das pessoas de acatarem o modo como elas, por assim dizer, “acordaram” em se comportar. Essa maneira de ver o problema tendeu a distanciar Rawls da necessidade da aplicação punitiva, que pode ser inteiramente evitada, pelo menos em teoria. As normas de comportamento assumem então uma forma de reconstrução pós- contratual, que também foi discutida acima, especialmente nos capítulos 2 e 3. A

No documento A Ideia de Justica - Amartya Sen (páginas 170-181)