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I mparcialidades fechada e aberta

No documento A Ideia de Justica - Amartya Sen (páginas 116-138)

parte i as exigências da justiça

6. I mparcialidades fechada e aberta

O experimento mental de Adam Smith sobre a imparcialidade invoca o dispositivo do “espectador imparcial”, o que difere substancialmente da imparcialidade fechada da “justiça

como equidade”. A ideia básica é expressa com concisão por Smith, na Teoria dos

sentimentos morais, como a exigência, ao julgarmos a própria conduta, de “examiná-la do modo como imaginamos que um espectador imparcial a examinaria”, ou como ele a explicitou em uma edição posterior do mesmo livro: “Para examinarmos nossa própria conduta do modo como imaginamos que qualquer outro espectador justo e imparcial a

examinaria”.1

A insistência na imparcialidade feita pela filosofia moral e política contemporânea reflete, em grande medida, uma forte influência kantiana. Ainda que a exposição de Smith dessa ideia seja menos lembrada, há pontos substantivos de semelhança entre as abordagens de Kant e Adam Smith. De fato, a análise de Smith sobre o “espectador imparcial tem alguma pretensão de ser a ideia pioneira da tarefa de interpretação da imparcialidade e formulação das exigências de justiça que tanto envolveu o mundo do Iluminismo europeu. As ideias de Smith não eram apenas influentes entre os pensadores do Iluminismo, como Condorcet, que

escreveu sobre Smith. Immanuel Kant também conhecia a Teoria dos sentimentos morais

(publicada srcinalmente em 1759), e a comentou em uma carta a Markus Herz em 1771

(embora, infelizmente, Herz tenha se referido ao escocês orgulhoso como “o inglês Smith”).2

Isso ocorreu antes das obras clássicas de Kant, Fundamentação da metafísica dos costumes

(1785) e Crítica da razão prática (1788), e parece bastante provável que Kant tenha sido

influenciado por Smith.

Há certa nitidez na dicotomia entre a abordagem smithiana do “espectador imparcial” e a abordagem contratualista, da qual a “justiça como equidade” rawlsiana é uma eminente aplicação. A necessidade de invocar como as coisas pareceriam para “qualquer outro espectador justo e imparcial” é uma exigência que pode incluir juízos feitos por pessoas desinteressadas de outras sociedades também — distantes e próximas. Por outro lado, o caráter institucionalmente construtivo do sistema rawlsiano restringe a extensão na qual as perspectivas dos “outsiders” podem ser acomodadas dentro do exercício de avaliação

imparcial. Mesmo que Smith se refira com frequência ao espectador imparcial como “o homem dentro do peito”, uma das principais motivações da estratégia intelectual de Smith

foi ampliar nossa compreensão e alargar o alcance de nossa investigação ética.a Smith coloca

a questão desta forma (Teoria dos sentimentos morais,iii.3.38, pp. 153-4):

Na solidão, estamos aptos a sentir bem fortemente o que diz respeito a nós mesmos... A conversa de um amigo melhora nosso temperamento, a de um estranho, mais ainda. O homem dentro do peito, o espectador abstrato e ideal de nossos sentimentos e nossa conduta, com frequência precisa ser despertado e conscientizado de seu dever pela presença do espectador real: e é sempre com esse espectador, de quem podemos esperar o mínimo de simpatia e indulgência, que provavelmente aprenderemos a lição mais completa de autodomínio.

Smith invocou o dispositivo reflexivo do espectador imparcial para ir além da argumentação que pode — talvez de modo imperceptível — ser limitada por convenções locais de pensamento e para analisar, de forma deliberada, como um procedimento, como as convenções aceitas seriam a partir da perspectiva de um “espectador” distanciado. A

ustificação de Smith para esse procedimento de imparcialidade aberta é assim enunciada:

Nunca poderemos inspecionar nossos próprios sentimentos e motivações, nunca poderemos formar qualquer juízo sobre eles, a menos que nos retiremos, por assim dizer, de nossa própria posição natural e procuremos entendê-los a partir de certa distância de nós. Mas só podemos fazer isso esforçando-nos para vê-los com os olhos de outras pessoas, ou como outras pessoas provavelmente os veriam.3

Portanto, o argumento smithiano não apenas admite, mas exige, a consideração das opiniões dos outros, que estão distantes e próximos. Esse procedimento para alcançar a imparcialidade é, nesse sentido, aberto em vez de fechado e limitado às perspectivas e aos entendimentos da comunidade local.

a posição srcinal e os limites do contratualismo

Mesmo que o “véu de ignorância” rawlsiano enfrente efetivamente a necessidade de eliminar a influência dos interesses pelo próprio benefício e as inclinações pessoais dos diversos indivíduos dentro do grupo focal, ele se abstém de invocar o escrutínio pelos (na expressão de Smith) “olhos do resto da humanidade”. Algo mais do que um “blecaute de

identidade”dentro dos limites do grupo focal seria necessário para resolver esse problema. A

esse respeito, o dispositivo processual de imparcialidade fechada na “justiça como equidade”

pode ser visto como construído “paroquialmente”.A fim de evitar um mal-entendido, deixem-me explicar que, ao apontar o limitado alcance

da forma como Rawls chega a seus “princípios de justiça” (e, através deles, à determinação das “instituições justas”), não estou acusando Rawls de paroquialismo (o que, naturalmente, seria um absurdo). O questionamento diz respeito apenas à estratégia particular que Rawls utiliza na obtenção da “justiça como equidade” através da posição srcinal, que é uma única

parte de seu vasto corpus de trabalho em filosofia política; por exemplo, a análise de Rawls para a necessidade do “reflexivo equilíbrio” na determinação de nossas preferências pessoais, prioridades e senso de justiça não tem nenhuma restrição nesse sentido. Muitas das observações que Adam Smith fez sobre a necessidade de abertura ao estar interessado no que seria visto pelos “olhos do resto da humanidade” teriam sido, é claro, aprovadas em vez de rejeitadas por Rawls. O interesse ecumênico geral de Rawls, como filósofo político, em

argumentos provenientes de diferentes quadrantes não está de forma alguma em dúvida.b

Na parte da análise rawlsiana que diz respeito à importância de uma “estrutura pública de pensamento” e à necessidade de “olhar objetivamente para nossa sociedade e nosso lugar

nela”,4 de fato há muito em comum com a argumentação smithiana.c

Ainda assim, o procedimento das “posições srcinais” segregadas, operando como dispositivo isolado, não é propício para garantir um escrutínio adequadamente objetivo das convenções sociais e sentimentos paroquiais que podem influenciar as regras escolhidas na posição srcinal. Quando Rawls diz que “nossos princípios e convicções morais são objetivos na medida em que tenham sido alcançados e testados através da pressuposição de [um] ponto de vista geral”, está tentando destrancar a porta para permitir um escrutínio aberto; no entanto, mais adiante na mesma frase, a porta é parcialmente trancada pela forma processual de exigência de conformidade com a posição srcinal territorialmente isolada: “E pela avaliação dos argumentos a favor deles usando as restrições expressas pela concepção da

posição srcinal”. 5

É a estrutura contratualista da “justiça como equidade” que faz com que Rawls limite as deliberações na posição srcinal para um grupo politicamente segregado cujos membros

“nasceram na sociedade em que levam suas vidas”.d Não só não existe aqui nenhuma

barreira processual contra a suscetibilidade aos preconceitos locais, como não existe uma maneira sistemática de abrir as reflexões na posição srcinal aos olhos da humanidade. O que preocupa nesse caso é a ausência de alguma insistência processual num exame contundente dos valores locais, que podem, através de um exame minucioso adicional, revelar preconceitos e vieses que são comuns em um grupo focal.

De fato, Rawls passa para a indicação de uma limitação de sua formulação da justiça regionalmente confinada, modelada para o “povo” de determinado país ou comunidade política: “Em algum momento, uma concepção política de justiça deve abordar as relações ustas entre os povos, ou o direito dos povos, como direi”. Essa questão é de fato enfrentada

por um trabalho posterior de Rawls (The law of peoples, 1999). Mas as “relações justas entre

os povos” é uma questão completamente diferente da necessidade de um escrutínio aberto dos valores e práticas de dada sociedade ou comunidade política, através de um procedimento não paroquial. A formulação fechada do programa da “posição srcinal” rawlsiana extrai um preço muito alto na ausência de qualquer garantia processual de que os valores locais serão submetidos a um escrutínio aberto.

O “véu de ignorância” rawlsiano na “posição srcinal” é um dispositivo muito eficaz para fazer as pessoas verem além de seus interesses no próprio benefício e seus objetivos pessoais. Mesmo assim, ele faz pouco para garantir um escrutínio aberto dos valores locais e possivelmente paroquiais. Há algo a aprender com o ceticismo de Smith sobre a possibilidade de ir além dos pressupostos locais — ou até mesmo do fanatismo implícito — “a menos que nos retiremos, por assim dizer, de nossa própria posição natural e procuremos entender [nossos próprios sentimentos e motivações] a partir de certa distância de nós”. O procedimento smithiano inclui, como resultado, a insistência de que o exercício de imparcialidade deve ser aberto (em vez de localmente fechado), já que “só podemos fazer isso esforçando-nos para ver [nossos próprios sentimentos e motivações] com os olhos de

outras pessoas, ou como outras pessoas provavelmente os veriam”.6

cidadãos de um estado e de outros

Quais são os problemas em limitar a cobertura dos pontos de vista e as preocupações dos membros de um só Estado soberano? Não é assim que procede a política real em um mundo formado por Estados soberanos? Deveria a ideia de justiça ir além do que a política prática tende a acomodar? Em vez disso, não deveriam essas considerações mais amplas ser colocadas na cesta do humanitarismo, em vez de serem incluídas na ideia de justiça?

Há pelo menos três problemas distintos aqui. Primeiro, a justiça é, em parte, uma relação em que as ideias de obrigação mútua são importantes. Rawls reconhece plenamente o que devemos fazer pelos outros, e como podemos chegar a um “equilíbrio reflexivo” sobre o que nós — ao menos minimamente — devemos fazer de fato pelos outros seres humanos. Como Immanuel Kant argumentou, muitas das obrigações que reconhecemos assumem a forma do que ele chama de “obrigações imperfeitas”, que não são definidas de maneira particularmente precisa; ainda assim, elas não são nem ausentes nem insignificantes (voltarei a essa questão no capítulo 17 deste livro, no contexto da discussão sobre os direitos humanos). Argumentar que nós realmente não devemos nada às pessoas que não estão em nossa vizinhança, mesmo que fosse muito virtuoso sermos gentis e caridosos com elas, na verdade tornaria muito estreitos os limites de nossas obrigações. Se nós devemos alguma

consideração aos outros — sejam distantes, sejam próximos, e mesmo que a caracterização dessa responsabilidade seja bastante vaga —, então uma teoria suficientemente espaçosa da

ustiça tem de incluir essas pessoas dentro da órbita de nossos pensamentos sobre a justiça (não apenas na esfera sequestrada do humanitarismo benigno).

Uma teoria da imparcialidade que seja confinada exatamente às fronteiras de um Estado soberano prossegue ao longo das linhas territoriais, que naturalmente têm relevância

urídica, mas pode não ter semelhante perspicácia política ou moral.e Isso não é negar que

pessoas e excluem firmemente outras. Mas nosso senso de identidade — na verdade, temos muitas identidades — não se limita às fronteiras do Estado. Nós nos identificamos com pessoas da mesma religião, mesma língua, mesma raça, mesmo sexo, mesmas convicções

políticas ou mesma profissão.7 Essas múltiplas identidades atravessam as fronteiras nacionais,

e as pessoas de fato fazem coisas que acham que realmente “precisam” fazer, em vez de aceitar virtuosamente fazer.

Em segundo lugar, as ações de um país podem influenciar seriamente as vidas em outros lugares. Isso não se dá somente pelo uso deliberado de meios vigorosos (por exemplo, a ocupação do Iraque em 2003), mas também pelas influências menos diretas dos negócios e do comércio. Nós não vivemos isolados em nosso próprio casulo. E, se as instituições e políticas de um país influenciam as vidas em outros lugares, as vozes das pessoas afetadas em outros lugares não deveriam contar, de algum modo, na determinação do que é justo ou injusto na forma como a sociedade está organizada, geralmente com efeitos profundos — diretos ou indiretos — sobre as pessoas em outras sociedades?

Em terceiro lugar, além dessas considerações, Smith acena para a possibilidade de o paroquialismo negligenciar todas as vozes de outros lugares. O ponto importante aqui não é que as vozes e os pontos de vista em outros lugares tenham de ser levados em conta pelo simples fato de existirem — eles podem estar lá, e ser inteiramente sem atrativos e irrelevantes —, mas que a objetividade exige que se faça um sério escrutínio e dê atenção a pontos de vista diferentes a partir de outros lugares, refletindo a influência de outras experiências empíricas. Um ponto de vista diferente coloca uma questão: mesmo que em muitos casos essa questão seja descartada depois de uma análise adequada, esse não precisa ser sempre o caso. Se vivermos em um mundo local de crenças fixas e práticas específicas, o paroquialismo poderá ser um resultado não reconhecido e não questionado (como Smith exemplificou com o apoio intelectual que os antigos atenienses, mesmo Platão e Aristóteles, deram a sua prática estabelecida do infanticídio, embora desconhecessem sociedades que funcionassem bem sem a alegada necessidade). Considerar as opiniões dos outros e os argumentos por trás delas pode ser uma forma eficaz de determinar o que a objetividade exige.

Para concluir essa discussão, a avaliação da justiça exige um compromisso com os “olhos da humanidade”; em primeiro lugar, porque podemos nos identificar de forma variada com as pessoas de outros lugares e não apenas com nossa comunidade local; em segundo, porque nossas escolhas e ações podem afetar as vidas dos outros, estejam eles distantes, estejam próximos; e terceiro, porque o que eles veem desde suas respectivas perspectivas históricas e geográficas pode nos ajudar a superar nosso próprio paroquialismo.

O uso de Adam Smith do observador imparcial se relaciona com a argumentação contratualista de uma forma semelhante àquela na qual os modelos de arbitragem justa (pontos de vista sobre o que pode ser solicitado por qualquer um) se relacionam com os modelos de negociação justa (na qual a participação está limitada aos membros do grupo envolvido no contrato srcinal para determinado “povo” de um país soberano específico). Na análise smithiana, os juízos relevantes podem vir de fora das perspectivas dos protagonistas das negociações; na verdade, podem vir, como diz Smith, de qualquer “espectador justo e imparcial”. Ao invocar o espectador imparcial, obviamente não é a intenção de Smith deixar a tomada de decisão à arbitragem final de uma pessoa desinteressada e apática, e nesse sentido a analogia com a arbitragem legal não funciona aqui. Mas a analogia funciona ao abrir espaço não só para ouvir vozes, porque elas vêm do grupo de decisores ou mesmo das partes interessadas, mas por causa da importância de ouvir o ponto de vista dos outros, o que pode nos ajudar a atingir uma compreensão maior — e mais justa.

É claro que esse seria um passo inútil se quiséssemos chegar a uma avaliação completa da

ustiça que resolvesse todos os problemas decisórios.f A admissibilidade da incompletude

discutida anteriormente (na Introdução e no capítulo 1), em uma forma tentativa ou assertiva, é parte da metodologia de uma disciplina que pode permitir e facilitar a utilização de pontos de vista de espectadores imparciais de longe e de perto. Eles ingressam não como árbitros, mas como pessoas cuja leitura e avaliação nos ajudam a alcançar uma compreensão menos parcial da ética e da justiça de um problema, em comparação com a limitação da atenção apenas às vozes daqueles que estão diretamente envolvidos (e dizendo a todos os outros que cuidem de sua própria vida). A voz de uma pessoa pode ser relevante porque ele ou ela é um membro do grupo que está envolvido no contrato negociado para uma comunidade política específica, mas também pode ser relevante por causa do esclarecimento e do alargamento de perspectivas que uma voz vinda de fora das partes contratantes pode fornecer. O contraste entre o que respectivamente chamamos de “direito de um membro” e “relevância para o esclarecimento” no capítulo 4 é de fato uma distinção significativa. A pertinência do primeiro não elimina a importância da última.

Há também semelhanças significativas entre partes da própria argumentação de Rawls e o exercício de imparcialidade aberta com a ajuda de espectadores imparciais. Como foi mencionado anteriormente, apesar da forma “contratualista” da teoria rawlsiana da justiça como equidade, o contrato social não é o único dispositivo que Rawls invoca em sua

abordagem geral da filosofia política, e até mesmo em sua compreensão específica da justiça.g

Existe um “pano de fundo” para os eventos imaginados na posição srcinal, e é importante examiná-lo aqui. Na verdade, grande parte do exercício reflexivo acontece antes mesmo de os representantes do povo serem imaginados reunidos na posição srcinal. O “véu de ignorância” pode ser visto como uma exigência processual de imparcialidade, que se destina a restringir as reflexões morais e políticas de qualquer pessoa, quer um contrato seja

finalmente invocado, quer não. Além disso, embora a forma do exercício de imparcialidade permaneça “fechada” no sentido já discutido, é evidente que as intenções de Rawls incluem

inter alia a eliminação do controle das influências arbitrárias relacionadas à história passada (bem como às vantagens individuais).

Ao ver a posição srcinal como “um dispositivo de representação”, Rawls tenta resolver vários tipos de arbitrariedade que podem influenciar nosso pensamento real, que tem de ser

submetido à disciplina ética para alcançar um ponto de vista imparcial. Mesmo na primeira declaração sobre a motivação por trás da posição srcinal, Rawls esclarece este aspecto do exercício:

A posição srcinal, com as características formais do que chamei de “véu de ignorância”, é este ponto de vista... Essas vantagens contingentes e influências acidentais do passado não devem afetar um acordo sobre os princípios que hão de

regular as instituições da própria estrutura bá sica desde o presente até o futuro.8

Com efeito, dado o uso do método do “véu de ignorância”, as partes (isto é, os indivíduos sob o véu) já concordariam entre si quando se tratasse de negociar um contrato. De fato, observando isso, Rawls se pergunta se um contrato é afinal necessário, dado o acordo pré- contrato. Ele explica que, apesar do acordo que antecederia o contrato, o contrato srcinal tem um papel significativo porque o ato de contratar, mesmo em sua forma hipotética, é em si importante, e porque a consideração do ato de contratar — com um voto vinculante — pode influenciar as deliberações pré-contratuais que ocorrem:

Por que, então, a necessidade de um acordo quando não há diferenças a negociar? A resposta é que chegar a um acordo unânime sem um voto vinculante não é a mesma coisa que todas chegarem à mesma escolha ou constituírem a mesma intenção. O fato de ser um compromisso que essas pessoas estão assumindo pode afetar similarmente as deliberações de todas de forma que o acordo resultante seja diferente da escolha que todas de resto teriam feito.9

Portanto, o contrato srcinal continua a ser importante para Rawls; contudo, uma parte substancial da argumentação rawlsiana diz respeito a reflexões pré-contratuais, em alguns aspectos executadas em linhas paralelas ao processo smithiano envolvendo a arbitragem usta. Porém, o que distingue o método rawlsiano, mesmo nesta parte, da abordagem smithiana é a natureza “fechada” do exercício participativo que Rawls invoca através da

limitação do “véu de ignorância” aos membros de determinado grupo focal.h

Isso está de acordo com a inclinação de Rawls a reconhecer, nesse contexto, apenas o “direito de um membro”, sem reconhecer suficientemente, nesse exercício específico, a “relevância para o esclarecimento”. Como venho argumentando, essa é uma limitação grave; contudo, antes de eu passar para a abordagem alternativa smithiana (na qual a relevância para o esclarecimento é de extrema importância), devo reafirmar que, apesar da limitação da estrutura rawlsiana, aprendemos com ela algo muito fundamental sobre o lugar da imparcialidade na ideia de justiça. Rawls mostra com uma vigorosa argumentação por que os uízos de justiça não podem ser um assunto totalmente privado, incompreensível para os

outros, e a invocação rawlsiana de “uma estrutura pública de pensamento”, que por si só não demanda um “contrato”, é um passo criticamente importante: “Olhamos para nossa sociedade e nosso lugar nela objetivamente: partilhamos um ponto de vista comum com os

outros e não fazemos nossos juízos de uma perspectiva pessoal”.10 Esse passo foi

posteriormente consolidado pelo argumento de Rawls, particularmente em Political

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