• Nenhum resultado encontrado

a polêmica sobre o “Que fazer?”

No documento ESTUDOS ESTRATÉGICOS (páginas 92-99)

Da religião ao socialismo é, literalmente, o percurso político-cultural do Josip Djugashvili — mais tarde conhecido pelo nome de Stalin — na última década do século passado. A rígida educação religiosa imposta em urna atmosfera de conformismo autoritario, como a respirada pelo jovem aluno na escola paroquial de Gori (1888-1894) e no seminario de Tiflis (1894-1899). podia se tornar um ótimo caldo de cultura para a rápida maturação da mais radical rebeldia. Mas isso não diz respeito apenas a Stalin. A fermentação de urna cultura de oposição entre os alunos do seminario de Tiflis, num ambiente no qual o autoritarismo religioso aparecia claramente como dócil instrumento da autocracia política, envolvia grupos consistentes de jovtns intelectuais georgianos, os quais, por outro lado, não podiam deixar de sofrer a influência das novas orientações socialistas e marxistas que haviam penetrado naquele período na tumultuosa torrente da tradição revolucionaria russa.

A esta tradição, liga-se também o fato de que uma opção de ruptura político-cultural se traduza logo em total opção existencial; e que, portanto, não se conheça para o jovem Djugashvili, depois de ter abandonado o seminário em maio de 1899 e salvo o breve e modesto emprego no Observatorio Astronómico de Tiflis (pouco mais de um ano), nenhuma outra ocupação além daquela de “revolucionário profissional”: uma figura bem conhecida na realidade da história russa muito antes das teorizações Lêninianas do Que fazer?

Para Stalin, todavia, o que será determinante na especificação do seu papel histórico é, indubitavelmente, sua relação com Lênin. De resto, é exatamente a partir do início de tal relação que se pode dispor de precisas fontes documentais para avaliar o pensamento staliniano fora das cômodas reconstruções das diversas lendas de partido ou das testemunhas orais de dúbia credibilidade (sobretudo quando se trata de testemunhos dados com grande distância de tempo). Em 1946, ao apresentar o primeiro volume do conjunto das suas Obras, o próprio Stalin — para justificar algumas divergências em relação às posições de Lênin no período inicial do bolchevismo — convidava a que se julgassem seus escritos daquele período como “trabalhos de um jovem marxista que não era ainda um marxista-leninista completamente formado”. Porém, esta justificação parece menos óbvia, quando, além de admitir a “insuficiente preparação teórica” do “jovem marxista”, ele punha em causa “a indiferença — própria dos

Dossiê III.17 - O Partido enquanto agente transformador

93

escritos de Stalin, o qual podia certamente se reconhecer, na categoria dos bolcheviques que eram chamados de “práticos”, mas somente na atmosfera de um período em que toda luta de partido era fortemente marcada por precisas opções teóricas.

Embora em posição marginal com relação aos principais protagonistas do debate, Stalin — ao tomar posições em face das polémicas suscitadas pelo Que jazer? — empenha-se numa série de motivações teóricas que oferecem significativos elementos de julgamento para entender não apenas o tipo de receptividade da política Lêniniana numa mente como a dele, mas também algumas raízes do futuro stalinismo. Como se sabe, a polêmica sobre o Que fazer? explode sobretudo depois do Segundo Congresso (1903) e se articula (sendo, de qualquer modo, condicionada por elas) com as divergências surgidas no Congresso; e, logo depois, aprofunda-se nos problemas organizativos de construção do partido. Alinhando-se com a ala bolchevique, Stalin não se limita a tomar posição num dado alinhamento político, mas contribui para definir sua orientação e determinar a sua fisionomia; isto é, não se limita a apoiar Lênin, mas o interpreta à luz de suas próprias convicções e dele extrai determinados desenvolvimentos.

Os escritos do “jovem marxista” que se conservaram deixam bem claro quais são estes

desenvolvimentos, já em duas cartas datadas de Kutaisi (escritas entre setembro e outubro de 1904) (6)

emerge, ao lado da admiração por Lênin, uma certa insatisfação pelo modo como a idéia “leninista” é defendida por alguns dos seus colaboradores. Particularmente, não agradam a Stalin os artigos de Cíalerka (o bolchevique Olminski), que tinha defendido Lênin dos ataques de Plekhanov; trata-se, segundo Stalin, de uma defesa fraca, que fugia dos problemas de fundo abordados no Que jazer?

Na minha opinião, teria sido melhor se Galerka tivesse tratado esses problemas e outros semelhantes com profundidade. Tu dirás que isto é problema de Lênin, mas eu não posso estar de acordo, porque as opiniões de Lênin que foram criticadas e a deformação delas dizem respeito aos outros membros do Partido e não apenas a Lênin. É certo que Lênin poderia resolver este

problema melhor do que os outros (7).

Na realidade, Lênin explicará mais tarde — em 1907 — por que não considerara oportuno, naquele momento, replicar às críticas de Plekhanov ao Que fazer?, mas sua explicação irá exatamente na direção oposta à pretendida por Stalin. Já no II Congresso do Partido, diante das acirradas contestações às teses do Que fazer?, Lênin tinha se recusado a defendê-las detalhadamente, na letra de cada afirmação

singular, e tinha recorrido pela primeira vez à fórmula da “curvatura do bastão” (8). E agora, em 1907,

reconhecendo explicitamente que certas expressões do seu opúsculo eram “formuladas de modo não inteiramente feliz ou não inteiramente preciso”, esclarecia que o significado do Que fazer? não ia além da polêmica com o economicismo, a qual fora partilhada pelò próprio Plekhanov. A fórmula da “curvatura do bastão”, portanto, era retomada e reforçada, a fim de advertir contra qualquer mal entendimento das suas posições:

No Que fazer?, tenta-se acertar o bastão curvado pelos economistas, disse eu (...); e, exatamente porque consertamos com energia a curvatura, nosso “bastão” será sempre o mais reto. O sentido destas palavras é claro: o Que fazer? corrige polemicamente o economicismo, e considerar o seu

conteúdo fora da tarefa a que ele se propunha é errado (9).

Lênin referia-se evidentemente às interpretações do Que jazer? dadas pelos seus críticos, mas a especificação vale igualmente para uma parte, pelo menos, dos seus defensores, entre os quais, precisamente, estava Stalin. Este não apenas tendia a endurecer a curvatura do bastão, com a pretensão de defender além dos limites cada vírgula do Que fazer?, mas não hesitava em acrescentar-lhe novos corolários complementares que, por um lado, exacerbavam as teses leninistas e, por outro, exigiam uma diferente armadura teórica, que, em última instância, dependia mais da colocação de Plekhanov do que daquela de Lênin.

Estudos Estratégicos - PCdoB

94

De fato, Plekhanov — que, no II Congresso, defendera o Que jazer? dos ataques dos “economicistas”, dizendo que Lênin não tinha querido escrever com aquele opúsculo “um tratado de filosofia da história” e que, em todo caso, não era possível julgar esta obra polêmica isolando frases singulares destacadas do contexto (10) — tinha em seguida, depois da ruptura com Lênin, adotado o mesmo procedimento, não hesitando em travar sobre o Que fazer? precisamente um debate de filosofia da história. Stalin é condicionado por esta polêmica de Plekhanov e segue todos os seus desdobramentos, mesmo os mais estranhos aos problemas teóricos enfrentados por Lênin.

Por exemplo: nada era mais estranho ao discurso Lêniniano do que a idéia de ligar o problema de relação espontaneidade-consciência ao tema filosófico da relação entre o ser e a consciência. É essa,

ao contrário, a operação maliciosa que Plekhanov põe na base do seu ataque ao Que fazer?(11); e Stalin

a aceita, sem se dar conta de que, desse modo, estava validado o propósito de Plekhanov de atribuir a Lênin posições idealistas e não marxistas. Embora se apropriando da colocação plekhanoviana, Stalin parece preocupado sobretudo em salvar a honra marxista de Lênin e era isso que teria pretendido do bom Galerka:

Na minha opinião, Galerka devia demonstrar que a luta teórica de Plekhanov contra Lênin é um simples quixotismo; em seu livrinho, atém-se da forma mais conseqüente à posição de Karl Marx

sobre a origem da consciência (12).

Mais simplesmente, poder-se-ia demonstrar que Lênin, no Que fazer?, não tinha realmente se ocupado deste problema e que, polemizando com os “economicistas” (os quais, para colocar em evidência “o elemento objetivo e espontâneo do desenvolvimento” em relação ao elemento subjetivo da consciência, tinham inicialmente chamado a atenção para o binômio espontaneidade-consciência, evitara — embora curvando o bastão para o lado oposto — contrapor uma espontaneidade privada de consciência a uma consciência estranha ao movimento espontâneo. A primeira tese ieniniana sobre o problema da relação espontaneidade-consciência é. de tato, a que não existe movimento espontâneo que não tenha um seu nível de consciência e que, em última instância, o elemento espontâneo “não é senão a

forma embrionária da consciência” (13). A curvatura, se existia, começava quando, entre os diversos níveis

de consciência, ele distinguia, de forma talvez muito nítida, entre uma “consciência trade-unionista” — além da qual o movimento espontâneo não poderia chegar — e uma “consciência social-democrata”, que deveria ser introduzida no movimento operário a partir “de fora”, segundo uma conhecida fórmula de Kautsky. Não é tanto esta introdução “de fora” que Plekhanov recusa, mas sim o fato — e nisto ele tinha toda razão — de que ela era apresentada, em algumas expressões Lêninianas, como “separação” e “independência” em relação ao movimento espontâneo. Assim lhe fora fácil julgar indefensável, do ponto de vista marxista, a afirmação de Lênin segundo a qual o socialismo científico se desenvolveria de modo

“inteiramente independente do crescimento espontâneo do movimento operário” (14). Mas seria esta a

formulação representativa de todo o espírito do Que fazer?, ou ela não pertenceria, ao contrário, àquelas frases que mais tarde o próprio Lênin iria reconhecer como “formuladas de modo não inteiramente feliz ou não inteiramente preciso”? Plekhanov, que no II Congresso tendia para a segunda hipótese, deslocou-se depois para a primeira; e Stalin foi tão influenciado por ela que chegou a considerá-la como a única possível:

Se o movimento espontâneo não gera a partir de si a teoria do socialismo (.. .) isso quer dizer que esta última nasce fora do movimento espontâneo, como obra de homens armados com os conhecimentos do nosso tempo. Isso quer dizer que a teoria do socialismo é elaborada “de forma inteiramente independente do desenvolvimento do movimento espontâneo” e mesmo apesar dele (15).

Dossiê III.17 - O Partido enquanto agente transformador

95

ainda mais estranhos à colocação Lêniniana. Firmando-se em posições intermediárias entre Lênin e os “economistas”, com a pretensão de encontrar um justo equilíbrio. Plekhanov acreditava poder salvar teoricamente tanto a instância determinista do desenvolvimento objetivo no sentido do socialismo, quanto a instância subjetivista da função histórica da consciência revolucionária. Determinismo e voluntarismo, embora permanecendo separados, encontravam na visão plekhanoviana uma fácil composição eclética. Ao contrário do axioma Lêniniano — ponto de partida do Que fazer? —, segundo o qual “sem teoria

revolucionária não pode existir movimento revolucionário” (16), para Plekhanov o movimento operário é

em si revolucionário, razão pela qual não poderia deixar de chegar ao socialismo, ainda que sem a direção da teoria revolucionária, cuja tarefa consiste apenas em acelerar o movimento e tornar-lhe mais rápido o caminho:

Se é verdadeira a tese fundamental do materialismo histórico, que diz que o “pensamento” dos homens é determinado pelo seu “ser”, e se não nos engana o teorema capital do socialismo científico, que afirma ser a revolução socialista a conseqüência necessária das contradições próprias do capitalismo, é claro que — num certo estágio do desenvolvimento social — os operários dos

países capitalistas chegariam ao socialismo mesmo se confiassem apenas nas suas forças (17).

Tudo isso em polêmica com Lênin. E, ainda contra Lênin, mas também em polêmica com os “economistas” que queriam preservar o movimento espontâneo do “bacilo” dos intelectuais, ele diz:

O proletariado não é de fato uma “matéria” condenada, não se sabe por quem, a girar no círculo vicioso do trade-unionismo e capaz de sair dele somente graças ao “espírito”, ao “bacilo”, aos “intelectuais”. Não! Esmagado pelas forças invencíveis das relações sociais contemporâneas, ele se move de modo mais ou menos rápido para o socialismo e manifesta por si só aspirações socialistas. Mas o “bacilo” pode acelerar o movimento, torná-lo mais consciente e racional; pode desenvolver uma função sumamente útil entre o proletariado que luta contra a classe dos capitalistas. E nisto

está seu grande significado histórico (18).

É impressionante como Stalin, ainda que não o reconheça, permanece dependente desta colocação plekhanoviana. Trata-se, é verdade, de uma colocação não exclusiva de Plekhanov; por exemplo, ela já havia sido anunciada nos debates do II Congresso por um delegado de segundo plano, Gorin, alinhado com a maioria:

Como estariam as coisas se o proletariado fosse abandonâdo a si próprio? Estariam da mesma forma que nas vésperas ;, da revolução burguesa. Os ideólogos burgueses não tinham nenhuma ideologia científica. E, todavia, a ordem burguesa surgiu. O proletariado sem ideólogos, naturalmente, trabalharia no final das contas em direção da revolução social, mas de modo instintivo (...) O proletariado praticaria o socialismo de modo instintivo, mas não teria a teoria do socialismo. O processo seria somente mais lento e mais tormentoso do que com o apoio dos ideólogos revolucionários, que colocam finalidades determinadas e prevêem para onde está se dirigindo (19).

Citando estas tranqüilizadoras afirmações de Gorin (V.F. Galkin) (20), Stalin consegue não se referir

a Plekhanov. embora o tenha muito presente. Não renuncia, contudo, a atribuir essas idéias também a Lênin, apesar dos escassos pontos de apoio que pode encontrar para elas no Que fazer? E, porque é manifestamente insuficiente o que é dito nessa obra (em uma simples nota) a propósito da afirmação

segundo a qual “a classe operária aspira espontaneamente ao socialismo” (21), Stalin acrescenta que “[se

Lênin] não se detém suficientemente sobre isso, é somente porque acha supérfluo demonstrar o que já é

suficientemente demonstrado” (22). Forçando o texto de Lênin, Stalin é de resto obrigado a servir-se de

uma lógica claudicante, que marcha com esforço também a reboque dos lugares comuns das metáforas mais tradicionais. Por exemplo, a partir da conhecida definição do socialismo científico como “bússola” do

Estudos Estratégicos - PCdoB

96

movimento operário, seria de esperar a conclusão de que uma nave sem bússola está destinada a andar à deriva e a naufragar mas não para Stalin, sugestionado pela polêmica de Plekhanov. A clássica tese da união do movimento operário com o socialismo é, portanto, apresentada numa nova versão:

O que é o socialismo científico sem o movimento operário? É uma bússola que, se for deixada inoperante, pode somente enferrujar, e então deve ser jogada fora. O que é o movimento operário sem o socialismo? É uma nave sem bússola, que mesmo assim chegará à outra margem, mas que, se tivesse uma bússola, chegaria à outra margem muito mais rápido e encontraria menores perigos. Unam as duas coisas e vocês terão uma magnífica nave, que levará diretamnete à outra margem e atingirá o porto sem avarias. Unam o movimento operário com o socialismo e vocês

terão o movimento social-democrata que por via direta chegará à terra prometida (23).

Em virtude desta lógica claudicante, Stalin — aceitando a colocação teórica de Plekhanov — não tira dela as conseqüências que estão implícitas nos problemas organizativos do movimento. E foi sobre estes problemas que o debate acerca do Que jazer? (em ligação com a polêmica do novo opúsculo de Lênin, Um passo adiante e dois atrás, um comentário ao II Congresso) tornou-se incandescente. A preocupação de Plekhanov — que, embora tivesse se pronunciado pelo “centralismo”, e, no Congresso, quando do debate sobre o primeiro parágrafo do estatuto do Partido (definição de “membro de partido”) tivesse se alinhado com Lênin contra a fórmula mais elástica de Martov — era que uma excessiva intransigencia na !uta contra o oportunismo pudesse levar a um fechamemo em posições sectarias, afastando do Partido energias vitais, recuperáveis para a luta revolucionária. Sua ruptura com Lênin linha ocorrido de fato quanto à oportunidade ou não de fazer — depois do II Congresso — determinadas concessões à minoria

(24). Não é fácil compreender o quanto Plekhanov tinha ou não razão na avaliação das condições postas

pela minoria naquela fase aguda da luta interna do Partido (uma luta enraivecida, como reconhecerá

mais tarde o próprio Lênin, “com muitos lados antipáticos” (25); mas é certo que suas preocupações

deviam parecer inteiramente fundadas em relação ao modo pelo qual as posições Lêninianas eram interpretadas por homens como Stalin. Ainda que Stalin, então um ¡ovem dirigente periférico, era com toda probabilidade inteiramente desconhecido por Plekhanov, é fácil supor que este tipo de interpretação fosse representativa de alguns estratos de práticos ‘‘duros” que haviam se agrupado em torno de Lênin. De resto, o próprio Plekhanov dirá explicitamente que se decidiu a atacar o Que fazer? somente quando se deu conta, depois do II Congresso, da influência que o texto Lêniniano exercia em “muitos de nossos

práticos “duros” (26).

Stalin estava precisamente entre estes “práticos duros”, e suas argumentações teóricas servem para ilustrar muito bem as conseqüências sectárias que poderiam ser retiradas daquele controvertido texto Lêniniano. Em polêmica com Martov — que tinha pedido e obtido, no II Congresso, que fossem considerados membros do Partido também os que, embora aceitando o seu programa, não passavam a fazer parte de uma de suas organizações —, Stalin afirma com indignação que isso equivalia a “uma

profanação do sancta santorum do Partido”(27), e que, ao contrário, o Partido era construído como uma

“fortaleza”, cujas portas deviam se abrir somente para os que “dele são dignos” e que “são provados” (28) De

resto, o próprio Stalin percebia que, dessa maneira, ia além da fórmula defendida por Lênin para o primeiro

parágrafo do estatuto (29). ainda que acreditasse poder justificar a legitimidade da sua interpretação como

uma dedução lógica das posições Lêninianas:

Como sabemos, na fórmula de Martov fala-se somente da aceitação do programa e nada se diz sobre a tática e a organização, enquanto a unidade dos princípios organizativos e táticos é necessária para a unidade do partido, na mesma medida que a unidade dos princípios programáticos. Dir-se-á que não se fala disso nem mesmo na formulação do camarada Lênin. Certo! Mas, na fórmula do camarada Lênin, não há mesmo necessidade de falar disso. Não é talvez absolutamente claro que aquele que trabalha numa organização do Partido (...) não pode seguir outra tática e outros

Dossiê III.17 - O Partido enquanto agente transformador

97

Ou seja: Stalin, desde o início, defende uma concepção fechada e monolítica do Partido; mas um Partido-fortaleza, no qual são dignos de ingressar somente os que são “provados”, torna-se inevitavelmente um partido monocéfalo. onde um pensa por todos e, portanto, não é tolerável a formação de maiorias e minorias. Plekhanov tinha feito a caricatura desta mentalidade ao dizer que ela se inspirava no ideal atribuído por Tchedrin ao Xá da Pérsia: “Jamais politique, toujous hourrah!; e, depois, seja o que Deus

quiser” (31). Não era uma caricatura gratuita, se pensarmos no peso dos acidentes de percurso que

marcam toda a trajetória da tradição revolucionária russa, de Netchaiev a Stalin: mas em que medida esta concepção do partido podia ser atribuída a Lênin? O apoio oferecido às posições Lêninianas pelos “duros” como Stalin parecia confirmar as suspeitas de um Plekhanov (de resto partilhadas, em escala internacional, não somente por Kautsky, mas também por Rosa Luxemburg); mas não só é verdade que, com Lênin, o Partido Bolchevique jamais se tornou um partido monocéfalo, mas também que, já nos textos Lêninianos da época, é possível encontrar precisos (ainda que indiretos) desmentidos às interpretações de Stalin.

Respondendo a Rosa Luxemburg. que tinha julgado “ultra-centralista” o sistema por ele defendido, Lênin esclarecera que tinha defendido não um sistema organizativo contra um outro, mas “as teses elementares de qualquer sistema de qualquer organização concebível de partido”. Tal esclarecimento não teria parecido convincente a Stalin, que tinha encontrado em Lênin — como já se viu — uma concepção do partido como “fortaleza”, que não é exatamente um sistema organizativo que possa ser reconhecido em

qualquer forma concebível de partido (32). Stalin, por outro lado, não podia conhecer então aquele texto

No documento ESTUDOS ESTRATÉGICOS (páginas 92-99)