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A política britânica de assistência ao desenvolvimento: interpretação

Política doméstica e assistência ao desenvolvimento: o Reino Unido sob a égide do Novo Trabalhismo

AJUDA OFICIAL AO DESENVOLVIMENTO

5) A política britânica de assistência ao desenvolvimento: interpretação

Para o exame analítico da política britânica de assistência ao desenvolvimento no período 1997-2005, à luz do modelo apresentado no capítulo 4, devem-se considerar três fatores iniciais: a realidade internacional do Reino Unido – mais especificamente, sua posição relativa no sistema internacional; a realidade doméstica do Reino Unido – mais especificamente, as características institucionais e os padrões de relação Estado- sociedade no país; e a configuração da coalizão doméstica pró-redistributiva, a partir da distribuição de preferências de grupos burocráticos, partidos políticos, parlamento, organizações não-governamentais e da “opinião pública”.

Com relação ao primeiro fator, deve-se ressaltar que, a despeito de evidências de declínio relativo durante o século XX, o Reino Unido se apresenta no período em exame como uma das potências centrais do sistema internacional, caracterizada por: elevado nível de renda per capita; estoque significativo de recursos de poder, nos âmbitos

econômico, militar e cultural, entre outros; participação decisiva nos principais organismos e mecanismos de governança internacionais – Conselho de Segurança das Nações Unidas, G7/G8, FMI, entre outros.

Com relação ao segundo fator, deve-se ressaltar que o Reino Unido apresenta sistema político maduro e consolidado, com a presença de canais regulares de participação e de representação para grupos sociais domésticos. Grupos sociais apresentam, ademais, elevado grau de organização, o que torna o Reino Unido base para elevado número de organizações não-governamentais, muitas das quais com atuação internacional.

Com relação ao terceiro fator, os elementos apresentados neste capítulo permitem concluir que não se observou, no período, clara constituição de coalizão contrária à redistribuição, com atuação que resultasse em “ponto de veto” às políticas de assistência ao desenvolvimento implementadas pelo Reino Unido. Ao contrário, o período seria caracterizado pela presença de ampla coalizão pró-redistribuição, embora heterogênea no tocante à sua composição e à intensidade de preferências de seus membros, com a presença de pontos de apoio às políticas governamentais distribuídos por diferentes unidades burocráticas, grupos sociais e políticos.

Estas considerações devem nortear a avaliação do relacionamento entre os ambientes doméstico e internacional – mais especificamente, entre “Estado”, “comunidade internacional” e “grupos domésticos” -, no tocante às políticas de assistência ao desenvolvimento implementadas no período. Não seria correto afirmar que a exposição britânica ao ambiente internacional teria gerado quadro de “pressões” de redes transnacionais, resultando em superação de “pontos de veto” à implementação de políticas redistributivas, ou em reforço da posição relativa doméstica de grupos pró- redistribuição. Conforme ressaltado, não eram observados “pontos de veto”, as posições dos grupos pró-redistribuição estavam em consonância com as preferências governamentais, e as ONGs com atuação importante na matéria tinham bases no Reino Unido (não se observando, neste contexto, redes de pressão estritamente “transnacionais”).

Ao longo do período, o momento em que se registrou grau maior de controvérsia em torno das políticas britânicas foi, possivelmente, aquele associado à criação do DFID – gerando impactos negativos sobre as atribuições do “Foreign Office” - e à definição de sua missão institucional – gerando desentendimentos esporádicos com outras unidades burocráticas (DTI, FCO, Defesa, Treasury). Conforme se verificou, tais “desencontros” foram progressivamente moderados, resultando em consolidação da agenda do DFID e dando origem a cooperação mais intensa e sistemática, em matéria de assistência ao desenvolvimento, entre as diversas unidades do Governo britânico.

Os reflexos do ambiente internacional sobre as condições domésticas de implementação das políticas teriam sido mais intensos em dois planos: i)definição de princípios e de objetivos gerais que nortearam as políticas britânicas de assistência ao desenvolvimento; ii)mobilização de vontade política, em “momentos-chave”, a traduzir- se em iniciativas concretas e de impacto significativo.

No tocante ao primeiro plano, deve-se ressaltar a influência tanto da OCDE – por meio de seu Comitê de Assistência ao Desenvolvimento – como do Banco Mundial – por meio da intensa reflexão conduzida por seu departamento de pesquisa – na definição de elementos das políticas de assistência implementadas pelo Governo britânico: prioridade conferida ao combate à pobreza; atuação com base em metas de desempenho; atenção à realidade política e a condições de “governança” nos países beneficiados.

No tocante ao segundo plano, deve-se salientar o impulso conferido por determinados eventos internacionais – Cúpula do Milênio, Conferência de Monterrey e Cúpula de Gleneagles, principalmente – ao engajamento do Governo britânico na agenda de combate à pobreza, traduzindo-se em propostas e implementação de iniciativas concretas no campo da assistência ao desenvolvimento. Este canal teria sido particularmente importante ao longo de 2005, quando o Governo britânico exerceu as presidências do G8 e da União Européia.

Sob esta perspectiva, os canais da “persuasão” – associado aos efeitos “constitutivos” da abertura ao sistema internacional – e da “mobilização” – associado ao impulso político de eventos internacionais a iniciativas domésticas – teriam sido particularmente importantes no relacionamento entre ambiente internacional e

implementação de políticas redistributivas no Reino Unido. Os dois canais possivelmente criaram, conjuntamente, condições propícias à convergência de preferências das principais lideranças governamentais – Tony Blair, Gordon Brown e Clare Short – com atribuições em matéria de assistência ao desenvolvimento, no período. Esta convergência estaria na base para a notável unidade demonstrada pelo Governo britânico em matéria de políticas redistributivas internacionais, traduzindo-se – na ausência de “pontos de veto” e na presença de “momentos-chave” internacionais – em iniciativas ambiciosas nos campos da assistência ao desenvolvimento e do alívio da dívida externa de países em desenvolvimento.

O próximo capítulo irá enfocar exemplo de políticas redistributivas em plano e em ambiente social e institucional significativamente distinto. À luz do modelo teórico apresentado no capítulo 4, o capítulo examinará exemplo de política redistributiva no âmbito doméstico – combate à discriminação racial -, implementada em país em desenvolvimento – Brasil -, com condições sócio-econômicas e institucionais significativamente distintas daquelas observadas no Reino Unido.

CAPÍTULO 6

Normas internacionais e ação afirmativa: