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Breve histórico da política britânica de ajuda oficial ao desenvolvimento

Política doméstica e assistência ao desenvolvimento: o Reino Unido sob a égide do Novo Trabalhismo

AJUDA OFICIAL AO DESENVOLVIMENTO

2) Breve histórico da política britânica de ajuda oficial ao desenvolvimento

Apresentação dos princípios que nortearam a condução da política britânica de ajuda oficial ao desenvolvimento poderia basear-se na consideração de quatro fases

relativamente distintas: o período entre 1929 e 1960; o período entre 1960 e 1979; o

período entre 1979 e 1997; e o período desde 1997. 171

O primeiro período caracteriza-se pela condução da política no arcabouço de relações coloniais, tendo como marco o “Colonial Development Act”, de 1929. O instrumento tinha como propósito fundamental a promoção das atividades industriais e comerciais do Reino Unido, e a conseqüente redução do desemprego no país. Estabeleceu, para tanto, Fundo de Desenvolvimento Colonial, destinado a apoiar programas agrícolas e industriais nas colônias que tivessem o potencial de promover as atividades comerciais e industriais baseadas no Reino Unido.

Os fluxos de assistência do Reino Unido às colônias registraram aumento significativo a partir de 1940, em resposta, sobretudo, ao cenário de conflitos e distúrbios sociais, entre 1935 e 1938, observado nas colônias de Trinidad, Barbados e Jamaica. O ano de 1940 foi marcado pela promulgação do “Colonial Development and Welfare Act”, instrumento que integrou a promoção do bem-estar dos povos coloniais ao conjunto de objetivos da política de assistência ao desenvolvimento.

Nova tendência da política britânica de AOD foi observada no imediato pós- guerra, com a decisão do então Governo trabalhista em prestar assistência mais significativa ao desenvolvimento das colônias. Em 1945, a promulgação do “Colonial Development and Welfare Act” possibilitou aumento substantivo no fluxo de AOD, projetado para o período compreendido pelos 10 anos seguintes. O compromisso de contribuições ao longo de período mais amplo tinha como propósito viabilizar às administrações coloniais o planejamento de programas sociais e agrícolas, bem como de obras públicas mais complexas. Estas diretrizes receberam novo impulso com o a promulgação, em 1947, do “Overseas Resources Act”, que estabeleceu duas corporações de assistência ao desenvolvimento – “Colonial Development Corporation” e “Overseas Food Corporation” -, com o objetivo de possibilitar “...speedier and more widespread development of our territories overseas for the benefit of the Colonial peoples, whose low standard of living can only be raised by greater use of their natural resources”. A

171 BARDER, Owen. Reforming Development Assistance: lessons from the UK experience. Center for

promulgação dos dois instrumentos, em 1945 e 1947, teria contribuído para reduzir o peso dos interesses diretos do Reino Unido no desenho e implementação de suas políticas de assistência ao desenvolvimento. 172

O segundo período das políticas britânicas de assistência ao desenvolvimento – 1960 a 1979 – teve dois condicionantes fundamentais: i)a implementação bem-sucedida do Plano Marshall na Europa, conferindo impulso tanto à noção de que combinação equilibrada entre fluxos de capital e assistência técnica poderia criar condições para rápido progresso econômico, como ao estabelecimento da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) – e, particularmente, do Comitê de Assistência ao Desenvolvimento (DAC) no âmbito da Organização; ii)o processo de descolonização, que teria gerado contingente expressivo de novos e pobres países independentes, e criado obstáculos políticos à prática “metropolitana” de restringir a assistência às colônias remanescentes. Neste contexto, o Governo britânico decidiu, em 1958, estender suas políticas de assistência a ex-colônias que integrassem a “Commonwealth”, bem como a alguns outros países.

Marco do período foi a criação, por parte do Governo trabalhista vigente entre 1964 e 1970, de Ministério para o Desenvolvimento Externo – independente com relação às prioridades do “Foreign Office”, e acumulando funções anteriormente distribuídas por diferentes órgãos -, com a atribuição de elaborar e executar todos os aspectos da política britânica de desenvolvimento. O Governo publicou, em 1965, “White Paper” que justificou a assistência ao desenvolvimento com base em considerações morais e nos interesses de longo-prazo do Reino Unido, e segundo o qual deveriam ser maximizados os impactos da assistência sobre o desenvolvimento, a partir de esforço conjunto que viabilizasse a identificação das reais necessidades dos países beneficiados.

A despeito das expectativas geradas, o fluxo britânico de ajuda ao desenvolvimento observou aumento modesto no período – o que resultou, parcialmente, de restrições nas contas fiscais e externas – e, a partir de 1967, o titular da pasta de desenvolvimento deixou de integrar o Gabinete do Primeiro-Ministro (“Cabinet”), o que reduziu significativamente seu grau de influência na máquina governamental. Observou-

se continuidade destas tendências com o retorno do Partido Conservador ao poder (1970- 1974), período marcado pela incorporação do Ministério para o Desenvolvimento Internacional na estrutura do “Foreign Office”. Embora mantendo políticas, estrutura e equipe anteriores, o órgão foi renomeado “Administração para o Desenvolvimento Exterior”, e sua titularidade passou a ser exercida por Subsecretário do “Foreign Office”, subordinado ao Ministro das Relações Exteriores.

Ao retornar ao Governo, em 1974, o Partido Trabalhista restabeleceu o Ministério para o Desenvolvimento Exterior, embora seu titular não tivesse assento no Gabinete do Primeiro-Ministro – o que limitava, na prática, o poder de influência governamental da pasta, a despeito de sua separação técnica e independência administrativa perante o “Foreign Office”. Marco importante da gestão trabalhista (1974-79) foi a publicação, em 1975, do “White Paper” “The Changing Emphasis of Britain’s Aid Policies: more help for the poorest”, que conferiu prioridade à “focalização” da assistência britânica no alívio da pobreza e nas necessidades dos países menos desenvolvidos, muitos dos quais prejudicados pelo aumento observado nos preços do petróleo, por crises no setor alimentício e por deterioração em seus termos de troca.

Importante limitação do White Paper teria sido a manutenção de restrições ao dispêndio da ajuda britânica com fornecedores locais, o que teria gerado distorções na seleção de projetos, privilegiando iniciativas com elevada participação de fornecedores britânicos. Distorções do gênero teriam sido aprofundadas a partir de 1977, ano marcado pela introdução do “Aid and Trade Provision” (ATP), em resposta a pressões do setor privado britânico e do Ministério da Indústria e Comércio, por sua vez inspiradas em programa semelhante adotado na França e reforçadas por dificuldades observadas no balanço de pagamentos. O ATP possibilitou integração, no Reino Unido, entre fluxos de assistência e créditos não-concessionais a exportações, e o condicionamento de ambos à aquisição de bens e serviços britânicos.

Neste período do Governo trabalhista, o Ministério de Assistência ao Desenvolvimento manteve independência institucional e desenvolveu agenda política ambiciosa, ao mesmo tempo em que os fluxos britânicos de ajuda ao desenvolvimento registraram aumento significativo – de 0,37% para 0,51% do PIB -, a despeito de

dificuldades nas contas fiscais. O Ministério defrontou-se, no entanto, com dificuldades para exercer influência no conjunto do Governo, e não conseguiu impedir que os

programas de ajuda fossem distorcidos por objetivos comerciais. 173

A exemplo do que ocorreu no período 1970-74, o retorno dos conservadores ao poder em 1979, com a Primeira-Ministra Margaret Thatcher, foi novamente marcado pela decisão de subordinar, administrativamente, a política britânica de assistência ao desenvolvimento ao “Foreign Office”. A unidade responsável pela formulação e implementação da política de assistência – “Overseas Development Administration” (ODA) – retornou à estrutura do “Foreign Office”, sendo representada no Gabinete do Primeiro-Ministro, indiretamente, pelo Secretário de Estado das Relações Exteriores.

Em 1980 foi promulgado novo instrumento – “Overseas Development and Cooperation Act” -, que reafirmou o poder discricionário do Governo para utilizar os fundos de assistência para amplo conjunto de objetivos. Embora o Governo conservador não tenha publicado “White Paper” sobre assistência ao desenvolvimento, observou-se significativa reorientação das diretrizes a regerem a política britânica, sobretudo em três vertentes:

i)instrumentalização da política britânica de assistência ao desenvolvimento, com presença mais ostensiva de objetivos políticos, industriais e comerciais a definir a alocação dos recursos de AOD – registraram-se, em particular, expansão significativa da “Aid and Trade Provision”, implementação de projetos de ajuda bilateral com o objetivo de apoiar a produção britânica em setores como aço, aeronaves e helicópteros, e maior disposição governamental em promover objetivos do Reino Unido em matéria de política externa;

ii)preferência conferida a canais bilaterais de assistência, relativamente à ajuda canalizada por meio de instituições multilaterais;

iii)redução no orçamento de ajuda ao desenvolvimento, com queda significativa na razão AOD/PIB, e redução marcante nos recursos humanos empregados, no Reino Unido e em outros países, pelo “Overseas Development Administration” – a despeito da

prioridade conferida à ajuda bilateral, a queda orçamentária concentrou-se particularmente naquele segmento, em função de dificuldades naturais em eventual renegociação de compromissos acordados no âmbito multilateral.

Embora estas tendências tenham caracterizado, de modo geral, as políticas conduzidas pelo Governo conservador no período 1979-1997, observou-se progressiva moderação da primeira tendência – instrumentalização da política de assistência –, a partir de fins dos anos 80. Este movimento resultou, por sua vez, da confluência de três processos distintos:

i)enfraquecimento progressivo de considerações relativas ao balanço de pagamentos na definição dos princípios da política britânica de assistência ao desenvolvimento, principalmente a partir da abolição de controles cambiais, em 1979;

ii)redução do peso conferido aos objetivos de política externa na alocação dos recursos de AOD, a partir dos desenvolvimentos sistêmicos associados ao fim da Guerra Fria, e elevação do perfil de temas como democracia e boa governança;

iii)promulgação, em 1994, de sentença judicial contrária à utilização de recursos

de AOD para fins comerciais, em reação ao episódio da “Represa de Pergau”.174

Estes fatores traduziram-se, em termos práticos, em menor disposição do Governo conservador em instrumentalizar a política de assistência ao desenvolvimento, com o intuito de promover as exportações britânicas – estima-se que aproximadamente 50% do programa britânico de assistência ao desenvolvimento, durante os anos 80, era “atrelado” à aquisição de bens e serviços de origem no Reino Unido, proporção que se reduziu

progressivamente, atingindo 15% no ano de 1996. 175

A moderação observada na vertente “instrumentalização” não apresentou, no entanto, alcance suficiente para neutralizar a tendência de redução no fluxo britânico de AOD, pronunciada em termos relativos – a razão AOD/PIB declinou de 0,51%, em 1979,

174 O episódio da “Represa de Pergau” constituiu crise política que atingiu o Governo britânico, em 1994,

baseada em operação de venda de armas para o Governo da Malásia, em 1988, com contrapartida parcial na forma de fluxos de AOD para aquele país. A assistência britânica foi direcionada para a construção da represa e usina hidrelétrica de Pergau – projeto de interesse comercial de empresas britânicas -, cuja estrutura desfavorável, em matéria de custos, se tornou progressivamente visível nos anos posteriores.

para 0,26%, em 1996 -, mas também observada, em alguns anos, em termos absolutos. Esta tendência, que teria efetivamente caracterizado a política de assistência ao desenvolvimento do Governo conservador no período, apresenta notável reversão na etapa subseqüente - objeto da próxima seção -, caracterizada pela implementação de políticas, sob a égide do Partido Trabalhista, com propriedades eminentemente redistributivistas.