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2 A JUSTIÇA RESTAURATIVA NO ÂMBITO DA POLÍTICA DE

2.2 A política de enfrentamento a violência contra a mulher no Brasil e os

Para que as mulheres denunciem e se sintam seguras, é essencial e importante que o Estado ofereça e possibilite condições mínimas de proteção e garantias de seus direitos. Há necessidade de políticas públicas com objetivos amplos e definidos, para proporcionar à mulher instrumentos de que precisam para instituir a igualdade de gênero e exercer plenamente seus direitos humanos. Programas que ofereçam às vítimas de violência doméstica assistência integral a sua saúde.

A violência doméstica é definida como:

A expressão violência doméstica costuma ser empregada como sinônimo de violência familiar e, não tão raramente, também de violência de gênero. Esta, teoricamente, engloba tanto a violência de homens contra mulheres quanto a de mulheres contra homens, uma vez que o conceito de gênero é aberto, sendo este o grande argumento das críticas do conceito de patriarcado, que, como o próprio nome indica, é o regime da dominação-exploração das mulheres pelos homens [...] (Safiotti (2011, p.44).

Com a responsabilidade de dar cumprimento aos compromissos internacionais assumidos pelo Brasil, e de corrigir a ineficácia dos institutos penais já existentes, mas inoperantes, foi criada a Lei 11.340/06, denominada Lei Maria da Penha em homenagem a uma Cearense, Maria da Penha Maia Fernandes, que foi vítima de agressões e tentativas de assassinato por parte do marido.

Segundo o art. 6º da Lei Maria da Penha (Brasil, 2006), “a violência doméstica e familiar contra a mulher constitui uma das formas de violação dos direitos humanos”, dispositivo fundamental para desvincular esse tipo de crime da Lei n. 9.099/1995, a qual o considerava como de menor potencial ofensivo.

Nesse sentido, dispõe a Lei 11.340/2006, em seu art. 5º (BRASIL, 2006):

Art. 5º Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial:

I - no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas;

II - no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa;

III - em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação.

Parágrafo único. As relações pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação sexual.

A lei Maria da Penha, está estruturada no tripé: prevenção (mediante políticas públicas educativas, que visem a superação da cultura de desigualdade – machismo e patriarcado – presente na sociedade, e que é a base da violência contra a mulher), atendimento a vítima (que se dá mediante a aplicação das medidas protetivas de urgência) e responsabilização do agressor (que impõe, para além dos aspectos punitivos, também a possibilidade de atendimento, mediante programas próprios estabelecidos no âmbito dos juizados de violência doméstica).

Em suma, além de proteger mulheres em situação de violência, a referida lei pune os agressores, fortalece a autonomia das mulheres, educa a sociedade, criando meios de assistência e atendimento humanizado, bem como inclui valores de direitos humanos nas políticas públicas para o enfrentamento e combate à violência de gênero.

O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA, 2015) realizou um estudo sobre a efetividade da Lei Maria da Penha. Por meio de um método conhecido como modelo de diferenças em diferenças – “em que os números de homicídios contra as mulheres dentro dos lares foram confrontados com aqueles que acometeram os homens“–, os pesquisadores do Instituto utilizaram dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade do Sistema Únicos de Saúde (SUS) para estimar a existência ou não de efeitos da Lei na redução ou contenção do crescimento dos índices de homicídios cometidos contra as mulheres. Ao analisar os dados coletados pelo IPEA, é possível identificar que a Lei Maria da Penha contribuiu para uma

diminuição de cerca de 10% na taxa de homicídios contra mulheres praticados dentro das residências das vítimas.

No levantamento feito pelo DataSenado (2017, p. 9) a totalidade das mulheres entrevistadas afirmou já ter ouvido falar sobre a lei Maria da Penha, porém, ainda faltam informações sobre o conteúdo da lei, bem como indicam a insuficiência os serviços e políticas públicas para materializar os direitos previstos no marco legal. A pesquisa avaliou também a percepção das entrevistadas sobre o quanto a Lei Maria da Penha protege as mulheres contra a violência doméstica e familiar. Para 26%, a Lei protege as mulheres; 53% disseram que ela protege apenas em parte; enquanto 20% responderam que não protege.

Dentre os mecanismos criados pela Lei n. 11.340/2006, ressaltam-se as medidas protetivas de urgência, que são ferramentas legais importantes na proteção da mulher e cabíveis em todos os casos de violência doméstica e familiar contra ela. As medidas protetivas de urgência estão expostas no artigo 22 (Brasil, 2006):

Art. 22. Constatada a prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos desta Lei, o juiz poderá aplicar, de imediato, ao agressor, em conjunto ou separadamente, as seguintes medidas protetivas de urgência, entre outras:

I - suspensão da posse ou restrição do porte de armas, com comunicação ao órgão competente, nos termos da Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003;

II - afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida;

III - proibição de determinadas condutas, entre as quais:

a) aproximação da ofendida, de seus familiares e das testemunhas, fixando o limite mínimo de distância entre estes e o agressor;

b) contato com a ofendida, seus familiares e testemunhas por qualquer meio de comunicação;

c) freqüentação de determinados lugares a fim de preservar a integridade física e psicológica da ofendida;

IV - restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores, ouvida a equipe de atendimento multidisciplinar ou serviço similar; V - prestação de alimentos provisionais ou provisórios.

Ao assumir essa perspectiva, a lei atende a inúmeros tratados assinados pelo Estado brasileiro, tais como a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (CEDAW); a Declaração e Plataforma de Ação da IV Conferência Mundial sobre a Mulher; a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher (Convenção de Belém do Pará); e a Convenção Americana sobre os Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica), entre outros.

A Convenção de Belém do Pará (BRASIL 1996) define a violência contra a mulher em seu art. 1º, como “qualquer ação ou conduta, baseada no gênero, que cause a morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto no âmbito público como no privado”, e ele ocorre como nos coloca o art. 2º, “em qualquer outra relação interpessoal em que o autor conviva ou tenha convivido no domicílio doméstico”. Demonstra a lei que pode ocorrer violência em relações entre parceiros que convivam ou não juntos.

Já a Convenção sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (CEDAW) é a lei internacional dos direitos das mulheres, se baseando nos compromissos dos Estados signatários de promover e assegurar a igualdade entre homens e mulheres e de eliminar todos os tipos de discriminação contra a mulher.

A CEDAW foi aprovada pela Organização das Nações Unidas em 1979, tendo entrado em vigor em 1981. Atualmente, 173 países – mais de dois terços dos membros da ONU – ratificaram a Convenção: Uruguai, em 1981; Brasil e Chile em 1984; Argentina, em 1985; Paraguai, 1987. Com argumento introdutório e mais 30 artigos, o texto da Convenção define o que é a discriminação contra a mulher e uma agenda para acabar com essa exclusão ou desigualdade no exercício dos direitos.

A Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, de 1979, doravante denominada Convenção da Mulher, em vigor desde 1981, é o primeiro tratado internacional que dispõe amplamente sobre os direitos humanos da mulher. São duas as frentes propostas: promover os direitos da mulher na busca da igualdade de gênero e reprimir quaisquer

discriminações contra a mulher nos Estados-parte. (PIMENTEL, s/d, p. 14).

O contexto está bem delimitado no art. 1º da CEDAW.

Para os fins da presente Convenção, a expressão “discriminação contra a mulher” significará toda a distinção, exclusão ou restrição baseada no sexo e que tenha por objeto ou resultado prejudicar ou anular o reconhecimento, gozo ou exercício pela mulher, independentemente de seu estado civil, com base na igualdade do homem e da mulher, dos direitos humanos e liberdades fundamentais nos campos político, econômico, social, cultural e civil ou em qualquer outro campo (BRASIL, 2002).

Em 2015, a Lei 13.104 altera o Código Penal para prever o feminicídio como circunstância qualificadora do crime de homicídio, e o inclui no rol dos crimes hediondos. O feminicídio, então, passa a ser entendido como homicídio qualificado contra as mulheres por razões da condição de sexo feminino.

Art. 121. Matar alguém: Pena - reclusão, de seis a vinte anos. [...] Homicídio qualificado § 2° Se o homicídio é cometido: [...] Feminicídio VI - contra a mulher por razões da condição de sexo feminino: [...] § 2o-A Considera-se que há razões de condição de sexo feminino quando o crime envolve: I - violência doméstica e familiar; II - menosprezo ou discriminação à condição de mulher. [...] Aumento de pena [...] § 7o A pena do feminicídio é aumentada de 1/3 (um terço) até a metade se o crime for praticado: I - durante a gestação ou nos 3 (três) meses posteriores ao parto; II - contra pessoa menor de 14 (catorze) anos, maior de 60 (sessenta) anos ou com deficiência; III - na presença de descendente ou de ascendente

da vítima.”(BRASIL, 2015)

O atendimento ao agressor, paralelamente ao aspecto punitivo ou de responsabilização é imprescindível para a efetividade do processo preventivo e protetivo preconizado na Lei Maria da Penha. Dentre as formas de intervenção possíveis, no campo da reeducação, também há o trabalho em grupo que, na sua essência, tem um papel educativo, reflexivo e preventivo, à medida que se constitui em espaço de escuta e, em consequência, de troca de experiências, que contribuem positivamente para a redefinição de conceitos e de atitudes.

2.3 A Justiça Restaurativa no âmbito da violência doméstica: possibilidades e

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