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A aplicabilidade da justiça restaurativa no âmbito da violência doméstica e familiar contra a mulher: possibilidades e desafios

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Academic year: 2021

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GABRIELA SIEDE RODRIGUES

A APLICABILIDADE DA JUSTIÇA RESTAURATIVA NO ÂMBITO DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER: POSSIBILIDADES E DESAFIOS

Ijuí (RS) 2019

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GABRIELA SIEDE RODRIGUES

A APLICABILIDADE DA JUSTIÇA RESTAURATIVA NO ÂMBITO DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER: POSSIBILIDADES E DESAFIOS

Trabalho de Conclusão do Curso de Graduação em Direito objetivando a aprovação no componente curricular Trabalho de Conclusão de Curso – TCC. UNIJUÍ – Universidade Regional do Noroeste do Rio Grande do Sul.

DCJC- Departamento de Ciências Jurídicas e Sociais

Orientador: MSc. Ester Eliana Hauser

Ijuí (RS) 2019

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Dedico este trabalho à minha família, pelo incentivo, apoio e confiança em mim depositados durante todo o caminho até aqui.

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AGRADECIMENTOS

A Deus por ter iluminado meu caminho até aqui, me dando força para superar todas as dificuldades.

A minha família, em especial aos meus pais e minha irmã pelo amor, incentivo e apoio incondicional. Sem vocês a realização desse sonho não seria possível.

Ao meu namorado, pela compreensão, apoio e por estar sempre do meu lado em todos os momentos.

A minha querida orientadora Ester Hauser, pela paciência, suporte e incentivo e pelas valiosas contribuições dadas durante todo o processo.

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“É chegada a hora de inverter o paradigma: mentes que amam e corações que pensam”. Barbara Meyer.

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RESUMO

O presente trabalho de conclusão de curso faz uma análise acerca da aplicação da Justiça Restaurativa no âmbito da violência doméstica e familiar contra a mulher. A partir da “lente” da justiça tradicional, percebe-se a ineficácia do sistema retributivo, surgindo a necessidade de uma alternativa mais eficiente em todos os sentidos, seja para a sociedade, seja para o sistema de justiça. Assim o estudo em questão procura demonstrar a viabilidade de fazê-lo por meio da Justiça Restaurativa, nos crimes caracterizados por violência doméstica e familiar contra a mulher, destacando os principais conceitos que envolvem este tema, para se ter uma compreensão da relação de gênero com a violência, avaliando os principais obstáculos, desafios e possibilidades que envolvem os procedimentos da Justiça Restaurativa. Discute a política de enfrentamento da violência contra a mulher no Brasil, assim como projetos pensados para a prevenção deste tipo de violência.

Palavras-Chave: Justiça Restaurativa. Justiça Retributiva. Violência de gênero. Violência Doméstica.

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ABSTRACT

The present course conclusion paper analyzes the application of Restorative Justice in the context of domestic and family violence against women. From the “lens” of traditional justice, one perceives the ineffectiveness of the retributive system, and the need arises for a more efficient alternative in every way, whether for society or for the justice system. Thus the study in question seeks to demonstrate the feasibility of doing so through Restorative Justice, in crimes characterized by domestic and family violence against women, highlighting the main concepts surrounding this theme, to have an understanding of the gender relationship with women. violence, by assessing the main obstacles, challenges and possibilities surrounding restorative justice procedures. Discusses the policy of confronting violence against women in Brazil, as well as projects designed to prevent this type of violence.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 9

1 PARADIGMA RETRIBUTIVO E PARADIGMA RESTAURATIVO: DOIS MODELOS DE JUSTIÇA...12

1.1 Responsabilidade penal e o modelo retributivo: os desafios da justiça penal tradicional ... 13

1.2 Justiça Restaurativa: um novo olhar sobre o crime e a responsabilização 17 1.2.1 Antecedentes históricos da Justiça Restaurativa no Mundo e no Brasil 18 1.2.2 Aspectos conceituais, princípios e valores restaurativos: trocando as lentes ... 19

1.2.3 Metodologia circular no processo de prevenção à violência e de atendimento aos conflitos de natureza penal ... 23

1.3 Novos caminhos para a Justiça ... 25

1.3.1 Projeto Justiça para o Século 21 ... 26

1.3.2 Aspectos normativos da JR no Brasil ... 27

2 A JUSTIÇA RESTAURATIVA NO ÂMBITO DA POLÍTICA DE ENFRENTAMENTO À VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER NO BRASIL: POSSIBILIDADES E DESAFIOS ... 30

2.1 Questões de gênero e violência contra a mulher ... 30

2.1.1 Papeis sociais de gênero, desigualdade e violência contra a mulher ... 31

2.1.2 Violência contra a mulher no Brasil: aspectos históricos e dados estatísticos ... 34

2.2 A política de enfrentamento a violência contra a mulher no Brasil e os mecanismos legais protetivos na Lei Maria da Penha ... ...37

2.3 A Justiça Restaurativa no âmbito da violência doméstica: possibilidades e desafios ... 42

2.3.1 A Justiça Restaurativa no processo de prevenção e resolução do conflito/violência familiar ... 42

CONCLUSÃO ... 52

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INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem como objeto de estudo a violência doméstica e familiar contra a mulher, bem como os mecanismos de enfrentamento desta forma de violência, analisando os desafios e as possibilidades de utilização da Justiça Restaurativa neste percurso. Para tanto analisa o paradigma da justiça retributiva no âmbito da justiça penal tradicional evidenciado as suas principais críticas quanto aos resultados alcançados. Em contraste se analisa o paradigma da justiça restaurativa, que vem com um novo olhar sobre o crime e a responsabilização, destacando seus princípios e valores, bem como a sua aplicabilidade no âmbito da política de enfrentamento à violência doméstica e familiar contra a mulher no Brasil, destacando os desafios e os possíveis resultados.

O estudo desta temática é absolutamente relevante, visto que a atual situação da sociedade brasileira no âmbito da segurança pública, apresenta índices alarmantes, resultando em uma superlotação carcerária, que com o aumento do crime e a violência prova a ineficácia do paradigma da justiça retributiva. Assim, parte-se do pressuposto que a Justiça Retributiva, respaldada pela cultura punitiva, a qual vislumbra na pena e no cárcere a melhor resposta da sociedade, representada pelo castigo, não possui a capacidade resolutiva e restauradora necessária à contemplação do conflito.

A Justiça Restaurativa surge como uma alternativa, uma “luz”, para amenizar estes problemas, principalmente nos casos relacionados a violência doméstica e familiar. Deste modo, a Justiça Restaurativa procura trazer a humanidade no curso do processo, já que ela trabalha com a culpa e as vítimas diretamente, apresentando

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uma nova forma de encarar o crime e uma nova estrutura da justiça e do processo penal.

O principal objetivo da pesquisa é avaliar as possibilidades e os desafios da utilização das estratégia e valores que fundamentam a Justiça Restaurativa no atendimento as situações de violência doméstica e familiar contra a mulher, bem como suas possibilidades nos processos de prevenção desta forma de violência, evidenciando as principais diferenças existentes entre os paradigmas de justiça retributiva e restaurativa.

A metodologia utilizada para a realização deste trabalho foi do tipo exploratória, com coleta de dados em fontes bibliográficas disponíveis em meios físicos e na rede de computadores, com seleção de material bibliográfico baseado em livros, artigos científicos e demais materiais disponibilizados pela internet.

Para o desenvolvimento da temática, no primeiro capítulo são estudados os dois modelos de justiça: o paradigma retributivo e o paradigma restaurativo. Preliminarmente far-se-á uma discussão sobre os desafios da justiça penal em relação a responsabilidade penal junto com o modelo tradicional, em que são apresentadas as principais estratégias utilizadas neste modelo bem como os limites/críticas que cercam essa forma de responsabilização. Já na análise da Justiça Restaurativa são abordados aspectos históricos, conceituais, seus princípios e valores, bem como a regularização das práticas restaurativas por meio de Resoluções e Leis.

Sendo assim, na primeira parte do presente estudo buscar-se-á entender os dois modelos de justiça, destacando a importância da compreensão dos aspectos conceituais, princípios, valores, bem como os procedimentos utilizados na aplicação da Justiça Restaurativa, buscando evidenciar os novos caminhos para justiça, por meio da implantação e normatização de políticas públicas desenvolvidas por entidades e instituições no âmbito penal.

No segundo capítulo tratar-se-á da violência relacionada com a questão de gênero, da distribuição desigual dos papéis de homens e mulheres na sociedade,

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que configura uma hierarquia entre estes, tendo como resultado um patriarcado. Analisam-se os dados estatísticos sobre a violência contra a mulher no Brasil e as políticas de enfrentamento a violência contra a mulher no Brasil e os mecanismos legais protetivos na Lei Maria da Penha. Ao final discute-se os desafios e possibilidades da Justiça Restaurativa no âmbito da violência doméstica.

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1 PARADIGMA RETRIBUTIVO E PARADIGMA RESTAURATIVO: DOIS MODELOS DE JUSTIÇA

O sistema penal tradicional, junto com o modelo retributivo de justiça se organizam a partir da ideia de punição, com especial ênfase na utilização de penas privativas de liberdade. Entretanto, é dentro desse sistema que acontecem as maiores violações contra os princípios fundamentais constitucionais, especialmente contra os princípios da liberdade e da dignidade humana, fazendo com que a pena de prisão se torne um fator criminógeno.

Conforme Secco e Lima (2018, p. 445):

O paradigma a partir do qual o encarceramento se apresenta como a melhor solução em termos de punição definitivamente não atingiu seus objetivos o de responsabilizar e ressocializar infratores, acarretando assim, uma crise de legitimidade do Sistema de Justiça, bem como, o estabelecimento de violência generalizada e o crescimento exponencial dos índices de encarceramento.

Já o modelo restaurativo de justiça surge como uma nova forma de encarar o crime, consequentemente também apresenta uma nova estrutura da justiça e do processo penal. Assim, o objetivo da Justiça Restaurativa são as necessidades que o crime gera, procurando enfatizar as carências que não estavam sendo supridas pelo processo penal tradicional.

A Justiça Restaurativa, portanto, não é um mero modelo de resolver conflitos, mas pressupõe um novo posicionamento frente ao problema criminal, tradicionalmente pensada apenas no plano repressor, com a finalidade de impor uma pena ao autor do delito.

Outro aspecto que compõe a Justiça Restaurativa é o olhar diferenciado sobre o ofensor. Na visão Restaurativa, o ofensor, assim como a vítima, também é parte do processo. O objetivo será estimular a responsabilização do ofensor pelas consequências para a vítima resultantes do seu ato.

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Desta forma, a Justiça Restaurativa trabalha para restaurar, reconstruir e reconstituir a relação anteriormente “quebrada”, buscando a satisfação de todos os envolvidos e visando uma harmonização no sistema penal atual.

1.1 Responsabilidade penal e o modelo retributivo: os desafios da justiça penal tradicional

A Justiça penal tradicional, trabalha com a punição, que se caracteriza como uma resposta do Estado à conduta de qualquer cidadão que procura agir de maneira delituosa, ou seja, ela se configura como um castigo que é aplicado mediante a atitude negativa àquelas pessoas que cometem crimes.

De acordo com Zehr (2018) o paradigma retributivo faz com que a responsabilidade seja absoluta, definindo-a como desobediência e culpa, fazendo com que a punição seja o resultado apropriado dentro de um contexto de disputa entre ofensor e Estado.

É comum na doutrina o entendimento de que a legitimidade do Direito Penal encontra sua razão de ser na necessidade da pena, mas na verdade são inúmeras as teorias que tentam justificar os fins e fundamentos da pena.

Sobre a função da pena Queiroz (2014, p. 396) destaca duas correntes:

[…] as teorias legitimadoras e as teorias deslegitimadoras. As

primeiras – tradicionais – reconhecem, sob os mais diversos

fundamentos (absolutos, relativos ou mistos), legitimidade ao Estado para intervir na liberdade dos cidadãos por meio do direito penal, seja como retribuição, seja como prevenção. As segundas, ao contrário, negam semelhante legitimidade, por considerar a intervenção penal desnecessária, imediata (perspectiva abolicionista) ou mediatamente (perspectiva minimalista radical).

As teorias legitimadoras dão diversas funções manifestas à pena. Tudo isso para se chegar a um fim: a defesa e paz social. Estas são divididas em absolutas e relativas.

Sobre as teorias absolutas, Queiroz (2014, p. 401) afirma que:

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contemporâneos – Estados funcionais ou instrumentais – que encontram limites constitucionais intransponíveis, em especial a dignidade da pessoa humana, razão pelo qual todo poder há de emanar do povo, que o exerce por meio de seus representantes […]. As teorias absolutas pressupõem a lei de talião (QUEIROZ, 2014, p. 399), que se baseia na aplicação da pena de forma proporcional ao crime cometido. Sabe-se que esta lei de talião fere os direitos humanos e fundamentais do ser humano, pois utiliza a violência, a tortura e até morte sangrenta para punir o criminoso. Outro equívoco das teorias absolutas é que se aplicando a pena realizará a justiça, mas não é punindo-se desta forma que se garantirá a paz.

Já sobre as teorias relativas, Queiroz (2014, p. 401) afirma que: “Em oposição às absolutas, as teorias relativas são marcadamente teorias finalistas, já que veem a pena não como fim em si mesmo, mas como meio a serviço de determinados fins (…) ”.

Sobre as teorias deslegitimadoras, Queiroz (2014, p. 415) aduz o seguinte:

As teorias deslegitimadoras, representadas, basicamente, pelo abolicionismo penal (Hulsman e outros) e pelo minimalismo radical (Baratta, Zaffaroni e outros), têm em comum o fato de se insurgirem contra a existência mesma do direito penal. Recusam legitimidade ao Estado para exercer o poder punitivo, ressaltando principalmente a disparidade entre o discurso e a prática penais, bem como a circunstância de o direito penal criar mais problemas do que resolve, sendo criminógeno, arbitrariamente seletivo e causador de sofrimentos inúteis.

No mesmo sentido, Campos (2011, s/p) alega que:

Tais movimentos enxergam o direito penal como um subsistema funcional de reprodução material e ideológica (legitimação) do sistema social-econômico dominante, ou seja, o direito penal seria um mecanismo utilizado pelos agentes de poder para manter a estrutura de relações sociais e de propriedade existentes, sendo, portanto, ineficaz, ineficiente e criminógeno.

Um dos principais fundamentos das teorias deslegitimadoras é o caráter definitorial do delito, conforme postulado do labeling approach (teoria do etiquetamento), marcada pela ideia de que o caráter criminal de uma conduta e de seu autor são construídas socialmente a partir de atribuições conferidas aos

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mesmos por meio de etiquetamento de comportamentos e condutas, motivo pela qual a criminalidade não existe por natureza, mas sim uma realidade criada mediante complexos processos de interação sociais seletivos e discriminatórios. (QUEIROZ, 2014)

Queiroz (2014), também se refere ao fundamento da excepcionalidade da intervenção penal, que tem sua base pautada nas cifras ocultas da criminalidade, ou seja, a soma dos crimes diariamente praticados, mas que não são registrados quando comparados com os números de crimes submetidos à efetiva atuação do sistema penal é espantoso, já que é nítido a falha desse sistema pela busca da resolução de conflitos e a diminuição da criminalidade.

Ademais, outro fundamento é a seletividade arbitrária do sistema penal que se torna visível, pois se percebe uma seleção de “clientela”, entre as classes mais suscetíveis da sociedade, reproduzindo uma desigualdade já constituída. Ocorre também uma intervenção estereotipada do sistema penal, já que justiça tradicional trata da mesma maneira a vítima e o infrator, não suprindo as necessidades reais que cada parte necessita. Além disso, o fato de que o sistema penal intervém sobre pessoas e não sobre situações, demonstra que fatos contextuais em que a pessoa está inserida não é analisada, ao contrário, se culpa o indivíduo ignorando outros fatores criminógenos. (QUEIROZ, 2014).

A função de transformar o indivíduo e de prevenir que este incorra em novos crimes conferido ao discurso de instrumentalização da pena de prisão colabora para que seja mantida a violência do castigo, assim estas teorias da pena apenas contribuem para o acobertamento da crueldade advindas da racionalidade de seu discurso (BRAGA, 2014, p. 340).

Outra adversidade encontrada no sistema penal, é que o mesmo tende a colocar o acusado na posição de inimigo da sociedade, reforçando o estigma e a exclusão, o que representa um estímulo a reincidência e impede a reinserção do apenado.

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preservação dos bens jurídicos, elencados como essenciais à vida e a dignidade da pessoa humana. Portanto, a função da pena não pode ser vista de modo singelo, no qual já tem a imagem do acusado como inimigo, e sim enfatizar que a pena é um complexo integrado de finalidades no qual seu principal objetivo é o ressocializador.

Atualmente é possível ver que o modelo tradicional de justiça muitas vezes é falho, e pouco eficiente frente ao grande número de casos criminais relatados no Brasil. Há várias dificuldades e deficiências evidenciadas no cumprimento das penas de prisão, como a superlotação carcerária, ou ociosidade obrigada do preso, o ambiente favorável à agressão, o grande consumo de drogas e o alto índice de reincidência.

Essa “crise” do sistema penitenciário brasileiro não é uma eventualidade da atualidade e sim uma continuidade fruto de um longo processo histórico, mas que se agrava gradativamente.

No ponto de vista de Machado (2013, p.21):

[...] compreende-se que para iniciar qualquer tipo de pensamento em relação ao fim ressocializador da pena e à melhoria das condições das prisões deve-se ter em vista que a execução penal necessita estar sob a inspiração do consagrado princípio da dignidade da pessoa humana. A execução penal é o ramo do direito onde mais deve sobressair a importância de se efetivamente consagrar e defender a dignidade humana como princípio reitor do ordenamento jurídico, e por isso a prisão deve ser esse local onde a dignidade humana não deva ser abalada e abandonada por completo. Ou seja, a execução penal deve ser (re)interpretada sob um enfoque moderno e humanista.

É nítido que o sistema penal não cumpre com suas finalidades, mostrando-se um sistema bárbaro e ultrapassado. É insustentável pensar que apenas a detenção gera transformação aos indivíduos, pois os índices de criminalidade e reincidência em sua maioria não diminuem com o passar do tempo, ficando evidente que o sistema penitenciário brasileiro não consegue atingir o objetivo de ressocialização dos seus internos.

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Assim, faz-se necessário adotar medidas que visem a diminuição da reincidência e que também envolva os interesses da vítima, como parte do processo de reabilitação.

1.2 Justiça Restaurativa: um novo olhar sobre o crime e a responsabilização

Com o objetivo de atenuar os problemas consequentes da ineficácia do sistema da justiça tradicional, outras medidas alternativas ao encarceramento foram implementadas no decorrer do processo histórico. A partir de 1970, países como Estados Unidos, Canadá e Nova Zelândia adotaram formas diferenciadas para o tratamento do crime, como a Justiça Restaurativa.

Renato Gomes Sócrates Pinto (2005, p. 20) conceitua o processo da justiça restaurativa como sendo:

[...] um processo estritamente voluntário, relativamente informal, a ter lugar preferencialmente em espaços comunitários, sem o peso e o ritual solene da arquitetura do cenário judiciário, intervindo um ou mais mediadores ou facilitadores, e podendo ser utilizadas técnicas de mediação, conciliação e transação para se alcançar o resultado restaurativo, ou seja, um acordo objetivando suprir as necessidades individuais e coletivas das partes e se lograr a reintegração social da vítima e do infrator.

Zehr (2018, p. 189) destaca que “A lente restaurativa identifica as pessoas como vítimas e reconhece a centralidade das dimensões interpessoais. As ofensas são definidas como danos pessoais e como relacionamentos interpessoais”.

Zehr (2017 p. 30) afirma que “A teoria e a prática da Justiça Restaurativa surgiram e foram fortemente moldadas pelo esforço de levar a sério as necessidades de justiça das vítimas. ” Zehr, ainda defende que “O segundo maior foco de preocupação que deu origem à Justiça Restaurativa é assegurar que aqueles que causaram o dano assumam a responsabilidade”.

O modelo restaurativo de justiça propõe, uma nova forma de encarar o crime, consequentemente também apresenta uma nova estrutura da justiça e do processo

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penal. Assim se o crime é um ato danoso, a justiça significará restaurar a lesão e promover a cura.

1.2.1 Antecedentes históricos da Justiça Restaurativa no Mundo e no Brasil

Segundo Bianchini (2012), os primórdios da Justiça Restaurativa surgiram em decorrência de conflitos entre trabalhadores das estradas de ferro nos Estados Unidos, no final do séc. XIX. No século seguinte, alguns métodos restaurativos foram adotados, sendo que maiores manifestações surgiram a partir dos anos 70. Na Europa em 1976, passou a acontecer a mediação de conflitos a respeito de propriedades. Em 1980 a Austrália instala três centros experimentais de Justiça Comunitária. Contudo, é em 1988, na Nova Zelândia, que o Processo de Justiça Restaurativa é amplamente divulgada para o mundo. Países se mobilizaram por meio de projetos e programas para adotar a Justiça Restaurativa.

Para Maxwell (2005, p. 279):

Na maioria das sociedades, as práticas restaurativas para a solução de conflitos têm uma longa tradição antes do desenvolvimento de sistemas judiciários formais no estilo ocidental. A Nova Zelândia não é exceção. Dentro da sociedade Maori, os whanau (famílias/famílias estendidas) e os hapu (comunidades/clãs) se reúnem para resolver conflitos e determinar como lidar com problemas que afetam a família ou a comunidade. Na década de 80, algumas comunidades ainda realizavam essas práticas e cada vez mais havia solicitações para a justiça marae dentro das linhas do ‘Aroha’, um programa no Waikato que visava lidar com o histórico de abusos sexuais em reuniões de whanau/hapu.

O abolicionismo e o minimalismo também possuem influência e contribuíram na admissão da Justiça Restaurativa no Brasil. Bittencourt (2017, s/p) aborda o abolicionismo:

Partindo do pressuposto de que a ideia principal do abolicionismo é se caracterizar como um movimento jurídico-social que propõe o fim da pena de prisão, bem como a extinção do próprio direito penal, verifica-se que os autores abolicionistas contribuíram e contribuem para mobilizar e sensibilizar pessoas e organizações a serem solidárias à liberdade. Dessa maneira, eles evidenciam os verdadeiros e mais reais problemas do direito penal. De modo geral, mas sob o mesmo enfoque da justiça restaurativa, o abolicionismo parte da retirada de legitimidade do poder essencialmente punitivo para se fundamentar na sua incapacidade para resolver

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satisfatoriamente conflitos penais. Nessa vereda, porém, o movimento abolicionista o desaparecimento do sistema penal e sua substituição por modelos de solução de conflitos alternativos, preferencialmente informais [...]. De um lado o abolicionismo protagoniza a eliminação do sistema penal, colocando em seu lugar formas alternativas de resolução de conflitos. De outro, o minimalismo defende a máxima contração do sistema penal, sem se associar a um radical e quiçá utópico ponto de partida abolicionista. Bittencourt (2017, s/p) ainda afirma:

[...] o cenário internacional nos evidencia que não importa onde estão localizadas geograficamente as primeiras ocorrências do fenômeno restaurativo, se ele é neozelandês, canadense ou estadunidense. Em realidade, o instituto sempre esteve ligado a uma herança cultural de origem primitiva, calcada em costumes indígenas de algumas tribos. A partir da Resolução 2002/12, elaborada pelo Conselho Econômico e Social da Organização das Nações Unidas – ONU, consolidaram-se os parâmetros para as práticas restaurativas na Justiça criminal. No Brasil, o Conselho Nacional de Justiça – CNJ, através da Resolução 225/16 fixou os parâmetros para a aplicação da justiça restaurativa no âmbito do poder judiciário. (SECCO; LIMA, 2018).

De acordo com Zehr (2017, p.27):

O movimento de Justiça Restaurativa começou como um esforço de repensar as necessidades que o crime gera os papéis inerentes ao ato lesivo. Os defensores da justiça Restaurativa examinaram as necessidades que não estavam sendo atendidas pelo processo legal corrente.

Atualmente, o movimento em prol da Justiça Restaurativa, segue crescendo no Brasil e no mundo, juntamente com publicações, pesquisas, práticas e institucionalizações. É possível encontrar centrais inteiras de práticas restaurativas funcionando em conjunto com o sistema judiciário.

1.2.2 Aspectos conceituais, princípios e valores restaurativos: trocando as lentes

A justiça restaurativa possui um conceito aberto, pois vem sendo modificado, assim como suas práticas, desde as primeiras pesquisas e experiências. Deste modo a resolução 2002/12 da ONU, entende que:

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O processo restaurativo significa qualquer processo no qual a vítima e o ofensor, e, quando apropriado, quaisquer outros indivíduos ou membros da comunidade afetados por um crime participam ativamente na resolução das questões oriundas do crime, geralmente com a ajuda de um facilitador. Os processos restaurativos podem incluir a mediação, a conciliação, a reunião familiar ou comunitária e círculos decisórios.

Nas palavras de Zehr (2018, p.168): “[...] a lente que usamos ao examinar o crime e a justiça afeta aquilo que escolhemos como variáveis relevantes, nossa avaliação de sua importância relativa e nosso entendimento do que seja um resultado adequado”.

Sob a lente da Justiça Restaurativa, o crime é visto como “[...] uma violação de pessoas e relacionamentos. Ele cria a obrigação de corrigir erros. A justiça envolve a vítima, o ofensor e a comunidade na busca que promovam a reparação, reconciliação e segurança”. (ZEHR, 2018, p. 185).

Assim, a proposta restaurativa é de inclusão e responsabilidade social. Promove-se o conceito de responsabilidade ativa ao fortalecer as pessoas e as comunidades para que assumam o papel de pacificar seus próprios conflitos.

A vítima de um crime necessita da reparação do prejuízo sofrido, porém também carece de respostas. Nesse sentido, é preciso que a vítima tenha um espaço para entender sua experiência no crime, para que lhe seja possível atribuir significado àquela vivência. Desta feita, a Justiça Restaurativa objetiva resgatar o papel da vítima dentro do processo penal (NOBRE, 2009).

Depois de compreender que o crime se constitui como uma quebra de relações entre indivíduos, as lentes restaurativas demonstram que o principal ofendido dessa violação e a própria vítima, uma vez que rompe com seu sentido de ordem, significado e de confiança nos seus relacionamentos com o outro surgindo para ela, a partir de então, uma série de necessidades que precisam ser supridas (ZEHR, 2018).

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É comum, entretanto, considerar a infração criminal como uma ofensa ao Estado, ao invés de atribuir a ofensa à vítima ou à comunidade imediatamente agredidas. Esse posicionamento abre espaço para uma visão vingativa e punitiva do sistema penal, que, na verdade, mantém uma ideia simples: ao mal provocado pela infração penal deve corresponder o mal da pena.

As formas de ver crime pela lente retributiva e a lente restaurativa são opostas. No paradigma da justiça retributiva o crime é definido pela violação da lei, os danos são definidos de modo abstrato, a vítima é o estado, as necessidades das vítimas não são levadas em consideração e a natureza do conflito não possui relevância. Já no paradigma restaurativo o crime é definido pelo dano concreto causado à pessoa, as necessidades e direitos das vítimas são prioridades, sendo que as pessoas e os relacionamentos são as vítimas e a natureza do conflito possui relevância. (ZEHR, 2018).

Os princípios são um dos pilares para se elaborar o conhecimento e compreender o que guia a Justiça Restaurativa. Bianchini (2012) elenca os seguintes princípios: voluntariedade, consensualidade, confidencialidade, celeridade, urbanidade, adaptabilidade e imparcialidade.

Em relação aos valores Zehr (2018, p. 251) destaca três valores essenciais em que a “roda” da justiça deve estar cercada: o respeito, humildade e o maravilhamento. Esses valores acentuam os prejuízos causados, levando as partes a assumir a responsabilidade por suas próprias ações.

Já Marshall, Boyack e Bowen (2005, p. 271-273) listam os seguintes valores: a) participação - dos mais afetados pelo crime (vítimas, infratores e suas comunidades de interesse), sendo estes os principais tomadores de decisões; b) respeito – todos têm valor igual, portanto são dignos de respeito; c) honestidade – a verdade dos fatos é essencial para se fazer justiça; d) humildade - Para reconhecer a fragilidade e vulnerabilidade do ser humano; e) interconexão - dos laços que envolvem o relacionamento da vítima, infrator e comunidade; f) responsabilidade – assumir os danos decorrentes de uma transgressão e criar meios para rapara-los; g) empoderamento – das partes, para livre manifestação de suas vontades e satisfação

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de seus interesses; h) esperança – da cura das vítimas, da mudança dos infratores, e da maior civilidade da sociedade.

Bittencourt (2017) ainda destaca os seguintes valores: o respeito que deve ser o fundamento do procedimento restaurativo; a participação que se dá pela fala ativa das partes; a honestidade, já que o modelo restaurativo enseja no comprometimento com a verdade e na transparência de sentimentos; a humildade, que facilita na aceitação da falibilidade comum a todos os humanos; a interconexão, que reconhece os laços que cercam as partes; a responsabilidade com a obrigação de arcar com as consequência; o empoderamento, que se busca dar à vítima; por fim a esperança, pois sempre será possível alimentar as esperanças de cura para vítima e de mudança para o ofensor.

Em síntese, Bittencourt (2017, s/p) afirma:

Colocando todos esses aspectos, temos que a difusão da justiça restaurativa no direito brasileiro vem sendo erigida sobre novos interesses e valores que surgiram na seara jurídica, que nos demonstram a urgência de se questionar as limitações do sistema penal atual e a necessidade de buscar, com embasamento científico, alternativas mais humanas e adequadas. Em análise última, é exatamente esse o grande mérito da justiça restaurativa, vale dizer, alcançar, em muitos casos, a pacificação das relações sociais de forma mais efetiva, a partir da ideia de atendimento dos indivíduos diretamente afetados para recoloca-los em circunstância melhor do que a crise em que se encontram, alça-los a uma situação ideal, desejada não só para eles, mas por todos os sujeitos de direito tutelados pelo ordenamento. E isso, neste particular, por meio do atendimento tanto do agressor quanto da vítima.

Portanto, os procedimentos da Justiça Restaurativa são pautados em valores e princípios que se tornam essenciais para o procedimento restaurativo, e que se não observados, podem causar mais danos às partes, não atingindo tal objetivo, que é o de restaurar.

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1.2.3 Metodologia circular no processo de prevenção à violência e de atendimento aos conflitos de natureza penal

A aplicação da Justiça Restaurativa é feita por meio de procedimentos e técnicas de abordagem. As práticas restaurativas representam uma mudança de linguagem e orientação a medida que criam a oportunidade de revigorar o debate sobre as causas do crime, até mesmo em âmbito preventivo de violência.

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Destarte, Hauser, Nielsson e Bronzatto (2018) destacam que:

As metodologias propostas no âmbito da Justiça Restaurativa não repercutem apenas no campo da justiça formal e podem ser utilizadas, como técnicas de resolução de conflitos e prevenção da violência, nos mais diversos espaços da sociedade, em especial, nas escolas, onde a violência, em suas mais diversas formas, tem se manifestado de modo significativo nos últimos anos.

Logo, os mecanismos restaurativos se caracterizam como um processo colaborativo que envolve pessoas diretamente afetadas, servindo também como um mecanismo de prevenção, fugindo da esfera formal, podendo ser utilizada em diversos campos da sociedade e educação.

A abordagem que se deve ter, é o de restaurar relacionamentos, de tal modo que deve ser reconhecido pelo infrator o efeito danoso do seu ato. Assim, o procedimento, não deve girar em torno exclusivamente do ato, mas sim pautar-se pela restauração. (BIANCHINI, 2012).

Segundo Bianchini (2012, p. 141):

No desenvolvimento da abordagem há três etapas fundamentais: primeiro a apresentação da Justiça Restaurativa e de suas formas de atuação; segundo, a exposição de sentimentos, responsabilização, causas e consequências, momento em que o diálogo do fato delitivo fica em pauta; e, por fim, a terceira etapa, endereçada à elaboração

de acordo ou plano de restauração.

A justiça restaurativa não constitui um conjunto de práticas fixas, deste modo há vários procedimentos que buscam construir um sistema mais restaurativo. As práticas em geral associadas à justiça restaurativa são aquelas que reúnem vítimas

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e ofensores, ou vítimas, ofensores e membros da comunidade para facilitar um diálogo que determine o que é preciso para reparar os danos cometidos e construir um futuro melhor.

Propõe-se, portanto, um diálogo para que se consiga transformar a experiência de violência numa experiência de vida, da qual se extraiam os ensinamentos que permitam a reparação do dano produzido através da consciência, da repercussão e transcendência dos atos.

Uma das formas de aplicação da Justiça Restaurativa são os círculos de construção de paz, um processo facilitado que envolve a vítima, seus apoiadores, o ofensor e seus apoiadores, membros da comunidade e membros relevantes do sistema judicial.

De acordo com Watson e Pranis (2011, p. 35):

O círculo é um processo estruturado para organizar a comunicação em grupo, a construção de relacionamentos, tomada de decisões e resolução de conflitos de forma eficiente. O processo cria um espaço à parte de nossos modos de estarmos juntos. O círculo incorpora e nutre uma filosofia de relacionamento e de interconectividade que pode nos guiar em todas as circunstâncias – dentro do círculo e fora dele.

O procedimento circular é composto por três etapas: o pré-círculo, que ocorre quando o facilitador conversa separadamente com as partes, explica como funciona o procedimento e verifica se elas aceitam participar; o círculo, que é o encontro, de fato, entre todos que aceitaram participar; e o pós-círculo, que é quando ocorre um novo círculo com os participantes, buscando verificar se o acordo feito no círculo vem sendo cumprido, ou se há necessidade de alguma alteração.

A Justiça Restaurativa como forma de prevenção é muito utilizada no âmbito pedagógico. Em relação ao espaço escolar, Hauser, Nielsson e Bronzatto (2018, s.p) afirmam que:

A utilização, no espaço escolar, de práticas baseadas em princípios

restaurativos mostra-se absolutamente salutar, pois além de

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perspectiva mais democrática, participativa e cidadão, permite

resgatar os laços que unem os indivíduos, fortalecendo o sentido de

participação e de responsabilidade. Restaurar significa “religar”, “estabelecer laços” e isso só se faz possível a partir da consolidação, no espaço da escola, de estratégias que resgatem os valores do diálogo, da igualdade, da empatia, da participação, da solidariedade e da responsabilidade.

Zehr (2017) ainda alega que:

As escolas têm se tornado um local importante de aplicação das práticas restaurativas. Apesar de terem muitas semelhanças com os programas de Justiça Restaurativa no âmbito criminal, as

abordagens utilizadas no contexto pedagógico devem

necessariamente aos contornos do ambiente escolar.

As metodologias circulares da Justiça Restaurativa, ao promoverem o debate, a reflexão crítica, o empoderamento e a participação responsável, podem servir como excelente estratégia de discussão, nos mais diferentes espaços. Dessa forma, verificamos que os procedimentos restaurativos atuam na resolução e na prevenção de conflitos, tanto na esfera penal como na sociedade, visto que podem ser usados no fortalecimento de vínculos, celebrações, compartilhamento de dificuldades e na troca de vivências, assim gerando uma sociedade mais humana e justa.

1.3 Novos caminhos para a Justiça

Diante dos sinais evidentes do esgotamento do modelo retributivo no qual o encarceramento se apresenta como a melhor solução, os procedimentos restaurativos se tornam possíveis alternativas.

Pallamola (2009, p. 132) destaca que “A expansão da justiça restaurativa em diversos países se deve a uma série de motivos comuns, como a crise de legitimidade do sistema penal, a busca de abordagens alternativas do delito (ou conflito), as reivindicações das vítimas, etc.”

No Brasil, projetos e pesquisas restaurativas em conjunto com o judiciário são diariamente idealizados. Mas se deve ter cautela ao colocar em prática os procedimentos restaurativos.

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Segundo Bianchini (2012, p. 161):

A Justiça Restaurativa é aplicada em diversos países do mundo. No entanto, é necessário tem uma visão crítica no momento de seu transporte para a realidade nacional brasileira, pois nossa sociedade possui características próprias. Deve-se, portanto, adequar essa forma de justiça aos meios e formas nacionais, pois caso não se atente a esses elementos, tende-se à criação de um sistema bonito no papel e de aplicação nula.

Assim, novos métodos de resolução de conflitos são criados frequentemente, por isso é importante que os critérios de aplicação sejam rigorosos, para que continuem com resultados satisfatórios cumprindo os reais objetivos.

1.3.1 Projeto Justiça para o Século 21

No Brasil a implementação da Justiça Restaurativa aconteceu a partir de 2005, através do projeto “Promovendo Práticas Restaurativas no Sistema de Justiça Brasileiro”, com iniciativa da Secretaria da Reforma do Judiciário do Ministério da Justiça em colaboração com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento – PNUD.

Em Porto Alegre/RS tomou forma o Projeto Justiça para o Século 21, um articulado de ações interinstitucionais liderados pela Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul (AJURIS) com o intuito de difundir a Justiça Restaurativa na pacificação de conflitos e violências envolvendo crianças, adolescentes e seu entorno familiar e comunitário (Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, 2014).

O Projeto Justiça para o Século 21 tem como objetivo divulgar e aplicar as práticas da Justiça Restaurativa na resolução de conflitos em escolas, ONGs, comunidades e Sistema de Justiça da Infância e Juventude como estratégia de enfrentamento e prevenção à violência.

Para cumprir tais propósitos, é oferecido curso de capacitação, baseado no Artigo 5º, inciso III, da Resolução nº 225 de 31 de maio de 2016:

Art. 5º. Os Tribunais de Justiça implementarão programas de Justiça Restaurativa, que serão coordenados por órgão competente, estruturado e organizado para tal fim, com representação de

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magistrados e equipe técnico-científica, com as seguintes atribuições, dentre outras: (…) III – incentivar ou promover capacitação, treinamento e atualização permanente de magistrados, servidores e voluntários nas técnicas e nos métodos próprios de Justiça Restaurativa, sempre prezando pela qualidade de tal formação, que conterá, na essência, respostas a situações de vulnerabilidade e de atos infracionais que deverão constar dentro de uma lógica de fluxo interinstitucional e sistêmica, em articulação com a Rede de Garantia de Direitos(…). (Resolução CNJ 225/2016). As iniciativas do Projeto têm sua inserção principal na rede de atendimento ao adolescente em conflito com a lei a partir do Sistema de Justiça, mas estabelece parcerias de forma que amplia sua abrangência, produzindo repercussões no âmbito de outras políticas como as de Segurança, Assistência, Educação e Saúde.

1.3.2 Aspectos normativos da JR no Brasil

A Resolução 2002/12 do Conselho Social e Econômico da ONU definiu as bases norteadoras da justiça restaurativa, dentre os quais, o consentimento das partes, a fixação de acordos razoáveis, a não utilização da admissão da culpa em eventual processo criminal e a consideração das diferenças culturais, econômicas e outras entre as partes na solução do caso, ressaltando a sua adaptabilidade a qualquer um dos Estados-membros.

Com a recomendação da Organização das Nações Unidas (ONU) para que a temática da Justiça Restaurativa fosse implantada nas legislações estados-membros, o Conselho Nacional de Justiça aprovou a Resolução 225 de 31 de maio de 2016.

A Resolução nº 225 dispõe sobre a Política Nacional de Justiça Restaurativa no Poder Judiciário, contendo diretrizes para a implementação e difusão da prática da JR. A Resolução é resultado de uma minuta desenvolvida por um grupo de trabalho instituído pelo presidente do CNJ no ano de 2016, ministro Ricardo Lewandowski (MEZZALIRA, 2018).

Esta resolução define a Justiça Restaurativa e regulamenta sua utilização no âmbito do poder judiciário brasileiro. Destaca a importância da participação da vítima e de lhe conferir voz no procedimento, o mesmo com relação ao autor do fato e à comunidade, sendo imprescindíveis tais participações, também estabelece que cada

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país deve fixar as condições de envio do caso, os critérios de recepção pelo sistema de justiça e os padrões de competência e regras de conduta da Justiça Restaurativa.

As práticas restaurativas também fazem parte da Lei nº 12.594 de 2012, que institui o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE), representando um grande avanço em relação aos direitos dos menores que cometem atos infracionais, na busca de uma efetiva reabilitação e reinserção de tais jovens na sociedade. O SINASE se refere a uma política pública, com o intuito de alcançar a proteger os preceitos pedagógicos estabelecidos no Estatuto da Criança e do Adolescente.

O art. 35, inciso III, da Lei nº 12.594/2012 estabelece ser princípio da execução da medida socioeducativa a “prioridade a práticas ou medidas que sejam restaurativas e, sempre que possível, atendam às necessidades das vítimas”. (BRASIL, 2012).

A justiça restaurativa pode ser aplicada de diversas maneiras levando em consideração os tipos de crimes. Contudo, no geral, ela é muito utilizada para solucionar as consequências decorrentes de atos infracionais praticados por adolescentes por isso também se vislumbra a possibilidade da sua utilização no que tange o saneamento das sequelas causadas pelo bullying.

Segundo Cunha (2019, s/p):

A Justiça Restaurativa é uma opção para aproximar as duas partes envolvidas no conflito. Em um primeiro momento, seria mais “adequado” utilizar este novo modelo para lidar com situações que envolvem o bullying entre os impúberes, pois é uma situação mais delicada e complicada que as demais, já que envolve pessoas em constante estado de formação. Contudo, não se deve descartar a ideia de utilizá-lo nos casos em que estejam envolvidos indivíduos maiores de idade.

Além disso, tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei nº 7006/200622, que visa incluir na justiça criminal brasileira procedimentos de justiça restaurativa, alterando o Código Penal, o Código de Processo Penal e a Lei dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais.

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Isto posto, é evidente que a Justiça Restaurativa pode ser aplicada em todos os tipos penais, mesmo que em alguns casos, os efeitos não sejam tão visíveis. Nos casos mais complexos, a Justiça Restaurativa pode ser introduzida como um meio alternativo ou secundário, para tentar solucionar de forma mais eficaz tais conflitos e produzir futuras ações lesivas, pacificando as relações e contribuindo para a consolidação de uma cultura de paz.

Tendo em vista a potencialidade da Justiça Restaurativa o estudo seguirá no segundo capítulo, avaliando a possibilidade de sua utilização no âmbito da violência doméstica e familiar contra a mulher. Para a compreensão da relevância do tema é fundamental traçar breves considerações acerca de sua conceituação, evolução histórica do debate sobre violência de gênero, bem como dados estatísticos, análise de políticas e mecanismos legais protetivos às mulheres.

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2 A JUSTIÇA RESTAURATIVA NO ÂMBITO DA POLÍTICA DE ENFRENTAMENTO À VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER NO BRASIL: POSSIBILIDADES E DESAFIOS

No atual cenário do Brasil, os índices de violência doméstica e familiar são alarmantes e as mortes decorrentes de conflitos de gênero representam um número assustador. Essa realidade é preocupante, pois acentua a difícil trajetória das mulheres na busca por igualdade.

Segundo Guimarães e Pedroza (2015, p. 257):

A violência doméstica contra a mulher tem sido um problema cada vez mais em pauta nas discussões e preocupações da sociedade brasileira. Apesar de sabermos que tal violência não é um fenômeno exclusivamente contemporâneo, o que se percebe é que a visibilidade política e social desta problemática tem um caráter recente, dado que apenas nos últimos 50 anos é que tem se destacado a gravidade e seriedade das situações de violências sofridas pelas mulheres em suas relações de afeto.

Diante da complexidade das situações que envolvem a violência contra as mulheres, métodos alternativos de justiça ganham espaço na sociedade, como a Justiça Restaurativa, que por estar fundamentada na cultura de paz e na comunicação não violenta é introduzida como um meio alternativo ou secundário, para tentar melhorar a relação e até mesmo solucionar de forma mais eficaz tais conflitos.

Ainda, é necessário que políticas públicas transversais sejam implantadas e postas em prática, e que as políticas já existentes operem de forma frequente, criando mecanismos que garantam e protejam os direitos das mulheres, especialmente aquelas em situação de vulnerabilidade.

2.1 Questões de gênero e violência contra a mulher

A violência contra a mulher traz em sua origem, uma estreita relação com as categorias de gênero, classe, raça/etnia e suas relações de poder. Tais relações, na sociedade brasileira, estão impregnadas pela ideologia patriarcal de gênero sob a

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sombra da dominação e do controle masculino, podendo atingir os limites da violência.

Minayo (2005) destaca que a violência é um fenômeno social, construído culturalmente ao longo da história da humanidade. Ela revela relações de desigualdades e de conflitos entre oprimidos e opressores. Neste contexto de desigualdades, as estruturas de poder e dominação, sejam elas de caráter individual ou de caráter grupal, se impõem sobre os dominados através da expropriação cultural, política, social e econômica e pela desvalorização da vida e violação de direitos humanos.

A atuação dos movimentos feministas e as reivindicações dos movimentos sociais criaram as condições históricas, políticas e culturais necessárias ao reconhecimento da legitimidade e da gravidade da questão, conferindo novos contornos às políticas públicas, como a Lei Maria da Penha, considerada a mais adequada atualmente para o atendimento e punição da violência doméstica e familiar contra as mulheres.

A violência impingida contra a mulher é compreendida como violência de gênero (SAFIOTTI, 2011). Ela representa um instrumento de submissão, de subordinação, de dominação, de discriminação e de controle sobre a mulher, para assegurar o predomínio masculino, se tornando uma forma de violar e de limitar o pleno aproveitamento de direitos e liberdades fundamentais das mulheres.

Semelhantemente, a violência de gênero é fruto de relações hierarquizadas de dominação masculina, se manifestando de diferentes maneiras dentro da sociedade, num contexto fluído de difícil delimitação.

2.1.1 Papeis sociais de gênero, desigualdade e violência contra a mulher

O conceito “violência contra a mulher” é frequentemente utilizado como sinônimo de violência doméstica e violência de gênero. Mas apesar da sobreposição existente entre esses conceitos, há especificidades no uso dos mesmos.

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Sobre a origem de gênero, Scott (1989, p.3) destaca:

No seu uso mais recente, o “gênero” parece ter aparecido primeiro entre as feministas americanas que queriam insistir no caráter fundamentalmente social das distinções baseadas no sexo. A palavra indicava uma rejeição ao determinismo biológico implícito no uso de termos como “sexo” ou “diferença sexual”. O gênero sublinhava também o aspecto relacional das definições normativas das feminilidades.

Scott (1989, p.21) ainda, define:

Gênero é, portanto, uma forma primária de dar significado às relações de poder, o que exige sua inclusão como uma categoria de análise. O núcleo da definição repousa em uma conexão integral entre duas proposições: (1) o gênero é um elemento constitutivo de relações sociais baseadas nas diferenças percebidas entre os sexos e (2) o gênero é uma forma primária de dar significados às relações de poder.

Consequentemente, a violência de gênero não abrange apenas as mulheres, mas também crianças e adolescentes, objeto da violência masculina. Essa expressão é usada como sinônimo de violência conjugal, por englobar diferentes formas de violência envolvendo relações de gênero e poder.

Safiotti (2011, p. 17) esclarece que:

[...] o entendimento popular da violência apoia-se num conceito, durante muito tempo, e ainda hoje, aceito como o verdadeiro e o único. Trata-se da violência como ruptura de qualquer forma de integridade da vítima: integridade física, integridade psíquica, integridade sexual, integridade moral [...].

Nesse contexto, a ordem patriarcal é vista como um fator relevante na violência de gênero, uma vez que está na base das representações de gênero que legitimam a desigualdade e dominação, naturalizando um padrão desigual, que resulta em uma submissão da mulher ao homem.

Neste âmbito, o fenômeno da violência de gênero tem se perpetuado, a ponto de ser, atualmente, um grave problema social, que pode ser definido como a ação violenta produzida em contextos relacionais e interpessoais, que têm cenários societais e históricos não uniformes, como o espaço escolar, cujo centro de incidência se dá sobre a mulher, ou sobre o polo feminilizado de uma relação, quer sejam estas violências físicas, sexuais, psicológicas, patrimoniais ou

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morais, tanto no âmbito privado-familiar como nos espaços públicos. (HAUSER, NIELSSON E BRONZATTO , 2018)

Em síntese, a distinção entre violência de gênero e violência doméstica, pode ser compreendida, pelo fato de que a primeira se deve as relações de subordinação instituídas a partir dos diferentes papéis sociais desempenhados por homens e mulheres na sociedade e a segunda é caracterizada por envolver membros de uma mesa família extensa ou nuclear. É importante salientar que a violência de gênero pode ser compreendida também como violência doméstica dependendo da circunstância (SAFIOTTI, 2011).

Destarte, a violência doméstica é todo tipo de violência praticada entre os membros que habitam um ambiente familiar em comum. Pode acontecer entre pessoas com laços de sangue ou unidas de forma civil.

A análise da doutrina do século passado, deixa clara a relação entre o direito e as normas de gênero do ponto de vista do estabelecimento de hierarquia entre os sexos. Para Venosa (2014, p. 16):

Os Códigos elaborados a partir do século XIX dedicaram normas sobre a família. Naquela época, a sociedade era eminentemente rural e patriarcal, guardando traços profundos da família da Antiguidade. A mulher dedicava-se aos afazeres domésticos e a lei não lhe conferia os mesmos direitos do homem. O marido era considerado o chefe, o administrador e o representante da sociedade conjugal. Nosso Código Civil de 1916 foi fruto direto dessa época. Nesse mesmo sentido é o que dispõe Maria Berenice Dias (2011, p. 97):

A presença da mulher é a história de uma ausência. Era subordina a ao marido, a quem devia obediência. Sempre esteve excluída do poder dos negócios jurídicos, econômicos e científicos. O lugar dado à mulher sempre foi um não lugar. Relegada da cena pública e política, sua força política sempre foi desconsiderada, não sendo reconhecido o valor econômico dos afazeres domésticos.

A relação desigual criada pelo casamento, na vigência do Código Civil revogado, não é mais aceita. A Constituição Federal de 1988, declarou a igualdade entre homem e mulher na sociedade conjugal e na família, regulamentando os efeitos do casamento, responsabilizando ambos os cônjuges pelos encargos da

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família, substituindo a ideia de mulher frágil e vulnerável pela ideia de pessoa, com dignidade intrínseca, tão apta a assumir responsabilidades e a chefia, tanto na sociedade como na vida privada.

A trajetória de invisibilidade e submissão da mulher ao longo dos tempos é um claro exemplo de dominação, estando suas funções limitadas a cuidar dos filhos, do marido e da casa.

Portanto, a mudança legislativa sobre a posição da mulher na família, norteada pelo princípio constitucional da igualdade, representa o resultado da ação política em favor do reconhecimento de direitos às mulheres no sistema jurídico.

2.1.2 Violência contra a mulher no Brasil: aspectos históricos e dados estatísticos

A violência doméstica e familiar contra a mulher, possui uma característica marcante, pelo fato de ela ser perpetrada principalmente por pessoas que mantêm ou mantiveram uma relação de intimidade. Ademais, outras condições culturais podem influenciar tanto o grau de violência, quanto a forma como as mulheres lidam com a situação de violência em que se encontram expostas.

A violência doméstica contra a mulher possui vários tipos de manifestações e consequências que estão relacionados com a forma em que a mulher é agredida. Conforme Fonseca, Ribeiro e Leal (2012, p. 308), a Lei n. 11.340/2006, também conhecida como Lei Maria da Penha:

[...] define os tipos de violência, delimitando cinco domínios, a saber:

físico, patrimonial, sexual, moral e psicológico. A Violência física

implica ferir e causar danos ao corpo e é caracterizada por tapas, empurrões, chutes, murros, perfurações, queimaduras, tiros, dentre outros; Violência patrimonial refere-se à destruição de bens materiais, objetos, documentos de outrem; Violência sexual, entre outros tipos de manifestação, ocorre quando o agressor obriga a vítima, por meio de conduta que a constranja, a presenciar, manter ou a participar de relação sexual não desejada; Violência moral constitui qualquer conduta que caracterize calúnia, difamação ou injúria e a Violência psicológica ou emocional é a mais silenciosa, deixando marcas profundas, por não ter um caráter momentâneo e

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ter efeito cumulativo, sendo caracterizada por qualquer conduta que resulte em dano emocional como a diminuição da autoestima, coação, humilhações, imposições, jogos de poder, desvalorização, xingamentos, gritos, desprezo, desrespeito, enfim, todas as ações que caracterizem transgressão dos valores morais.

Ainda na sua forma típica, a violência doméstica contra a mulher envolve atos repetitivos, que vão se agravando, em frequência e intensidade. Além do medo permanente, a violência pode resultar em danos físicos, pois frequentemente os tipos de violência são praticadas juntas.

O perfil do ofensor ajuda a entender as maneiras com que a agressividade pode se manifestar por meio da violência ou pode conseguir se configurar de formas distintas, entretanto não existem perfis pré-determinados de vítimas e agressores e nem padrões absolutos de comportamento.

Rica ou pobre, branca ou negra, jovem ou idosa, com deficiência, lésbica, indígena, vivendo no campo ou na cidade, não importa a religião ou escolaridade. Toda mulher pode sofrer violência, pois como visto, o processo histórico e cultural naturalizou a desigualdade entre homens e mulheres, contribuindo para que as mulheres estejam mais expostas a certos tipos de violência.

De acordo com o Dossiê Mulher 2019 (ISP/RJ, 2019, s/p):

Em quase todas as violências abordadas, pretas e pardas são a maioria das vítimas mulheres, evidenciando a maior vulnerabilidade deste grupo à violência, principalmente às suas expressões mais graves, como homicídio doloso (59,1%), tentativa de homicídio (55,0%) e estupro (55,8%).

Em uma pesquisa feito pelo DataSenado (2017, p. 7), constatou que a mulher que tem filhos está mais propensa a sofrer violência física. A pesquisa também evidenciou que:

Entre as mulheres que declararam ter sofrido violência doméstica provocada por um homem, a maioria teve como agressor pessoa sem laços consanguíneos e escolhida por elas para conviver intimamente: o atual marido, companheiro ou namorado foram apontados como autores da agressão por 41% das respondentes. Outras 33% mencionaram o ex-marido, ex-companheiro ou

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exnamorado como responsáveis pela violência. Esses percentuais mudaram significativamente desde a última pesquisa, em 2015. Naquela ocasião, 53% disseram ter os namorados, companheiros ou maridos como agressores e 21% mencionaram ter sido agredidas pelo ex-namorado, ex-companheiro ou ex-marido. (DATASENADO, 2017, p. 11).

Mapear o contexto de cada relação onde ocorre a violência contra as mulheres, portanto, é essencial para identificar as discriminações de gênero que estão nas raízes de agressões reiteradas.

O Atlas da Violência 2019 (CERQUEIRA, et al., 2019), produzido pelo Ipea e pelo Fórum de Segurança Pública (FBSP), indica que houve no Brasil em 2017, um crescimento dos homicídios femininos, com cerca de 13 assassinatos por dia. Outro dado importante é que apenas em 2017, mais de 221 mil mulheres procuraram delegacias de polícias para registrar episódios de agressão em decorrência de violência doméstica.

Segundo informações disponibilizadas pela Secretaria de Políticas para as Mulheres através do "Ligue 180”, destaca-se que, de acordo com o balanço feito em 2015, foram realizados 749.024 atendimentos no ano de 2016, em comparação a 485.105 em 2014. Cerca de 10% dos atendimentos foram sobre relatos de violência contra as mulheres. Desses, 50,16% corresponderam à violência física; 30,33% à violência psicológica; 7,25% à violência moral; 2,10% à violência patrimonial; 4,54% à violência sexual; 5,17% à cárcere privado; e 0,46%, à tráfico de pessoas (BRASIL, 2016).

Infelizmente esses fatos, demonstram uma realidade preocupante, pois uma parcela considerável de mulheres não denuncia os crimes por medo ou vergonha, já que as agressões partem de uma pessoa com quem a vítima mantém relações íntimas de afeto, cujo rompimento coloca questões emocionais e objetivas, que envolvem a desestruturação do cotidiano.

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2.2 A política de enfrentamento a violência contra a mulher no Brasil e os mecanismos legais protetivos na Lei Maria da Penha

Para que as mulheres denunciem e se sintam seguras, é essencial e importante que o Estado ofereça e possibilite condições mínimas de proteção e garantias de seus direitos. Há necessidade de políticas públicas com objetivos amplos e definidos, para proporcionar à mulher instrumentos de que precisam para instituir a igualdade de gênero e exercer plenamente seus direitos humanos. Programas que ofereçam às vítimas de violência doméstica assistência integral a sua saúde.

A violência doméstica é definida como:

A expressão violência doméstica costuma ser empregada como sinônimo de violência familiar e, não tão raramente, também de violência de gênero. Esta, teoricamente, engloba tanto a violência de homens contra mulheres quanto a de mulheres contra homens, uma vez que o conceito de gênero é aberto, sendo este o grande argumento das críticas do conceito de patriarcado, que, como o próprio nome indica, é o regime da dominação-exploração das mulheres pelos homens [...] (Safiotti (2011, p.44).

Com a responsabilidade de dar cumprimento aos compromissos internacionais assumidos pelo Brasil, e de corrigir a ineficácia dos institutos penais já existentes, mas inoperantes, foi criada a Lei 11.340/06, denominada Lei Maria da Penha em homenagem a uma Cearense, Maria da Penha Maia Fernandes, que foi vítima de agressões e tentativas de assassinato por parte do marido.

Segundo o art. 6º da Lei Maria da Penha (Brasil, 2006), “a violência doméstica e familiar contra a mulher constitui uma das formas de violação dos direitos humanos”, dispositivo fundamental para desvincular esse tipo de crime da Lei n. 9.099/1995, a qual o considerava como de menor potencial ofensivo.

Nesse sentido, dispõe a Lei 11.340/2006, em seu art. 5º (BRASIL, 2006):

Art. 5º Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial:

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I - no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas;

II - no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa;

III - em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação.

Parágrafo único. As relações pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação sexual.

A lei Maria da Penha, está estruturada no tripé: prevenção (mediante políticas públicas educativas, que visem a superação da cultura de desigualdade – machismo e patriarcado – presente na sociedade, e que é a base da violência contra a mulher), atendimento a vítima (que se dá mediante a aplicação das medidas protetivas de urgência) e responsabilização do agressor (que impõe, para além dos aspectos punitivos, também a possibilidade de atendimento, mediante programas próprios estabelecidos no âmbito dos juizados de violência doméstica).

Em suma, além de proteger mulheres em situação de violência, a referida lei pune os agressores, fortalece a autonomia das mulheres, educa a sociedade, criando meios de assistência e atendimento humanizado, bem como inclui valores de direitos humanos nas políticas públicas para o enfrentamento e combate à violência de gênero.

O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA, 2015) realizou um estudo sobre a efetividade da Lei Maria da Penha. Por meio de um método conhecido como modelo de diferenças em diferenças – “em que os números de homicídios contra as mulheres dentro dos lares foram confrontados com aqueles que acometeram os homens“–, os pesquisadores do Instituto utilizaram dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade do Sistema Únicos de Saúde (SUS) para estimar a existência ou não de efeitos da Lei na redução ou contenção do crescimento dos índices de homicídios cometidos contra as mulheres. Ao analisar os dados coletados pelo IPEA, é possível identificar que a Lei Maria da Penha contribuiu para uma

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diminuição de cerca de 10% na taxa de homicídios contra mulheres praticados dentro das residências das vítimas.

No levantamento feito pelo DataSenado (2017, p. 9) a totalidade das mulheres entrevistadas afirmou já ter ouvido falar sobre a lei Maria da Penha, porém, ainda faltam informações sobre o conteúdo da lei, bem como indicam a insuficiência os serviços e políticas públicas para materializar os direitos previstos no marco legal. A pesquisa avaliou também a percepção das entrevistadas sobre o quanto a Lei Maria da Penha protege as mulheres contra a violência doméstica e familiar. Para 26%, a Lei protege as mulheres; 53% disseram que ela protege apenas em parte; enquanto 20% responderam que não protege.

Dentre os mecanismos criados pela Lei n. 11.340/2006, ressaltam-se as medidas protetivas de urgência, que são ferramentas legais importantes na proteção da mulher e cabíveis em todos os casos de violência doméstica e familiar contra ela. As medidas protetivas de urgência estão expostas no artigo 22 (Brasil, 2006):

Art. 22. Constatada a prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos desta Lei, o juiz poderá aplicar, de imediato, ao agressor, em conjunto ou separadamente, as seguintes medidas protetivas de urgência, entre outras:

I - suspensão da posse ou restrição do porte de armas, com comunicação ao órgão competente, nos termos da Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003;

II - afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida;

III - proibição de determinadas condutas, entre as quais:

a) aproximação da ofendida, de seus familiares e das testemunhas, fixando o limite mínimo de distância entre estes e o agressor;

b) contato com a ofendida, seus familiares e testemunhas por qualquer meio de comunicação;

c) freqüentação de determinados lugares a fim de preservar a integridade física e psicológica da ofendida;

IV - restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores, ouvida a equipe de atendimento multidisciplinar ou serviço similar; V - prestação de alimentos provisionais ou provisórios.

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