• Nenhum resultado encontrado

4 O DIREITO DA CONSERVAÇÃO MARINHA E A

4.3 A LEGISLAÇÃO INFRACONSTITUCIONAL PARA A

4.3.4 A Política de Pesca Sustentável e os subsídios à pesca no

Seguindo a tendência de industrialização do País nos anos 60, a exploração dos recursos pesqueiros no Brasil teve um impulso significativo devido à elaboração de um conjunto de medidas em nível jurídico, econômico e fiscal, que facilitaram o crescimento da indústria pesqueira. O fato de se considerar os recursos pesqueiros prioritariamente sob o ponto de vista econômico teve consequências negativas que podem ser notadas até hoje. A falta de um manejo da atividade pesqueira compatível com os limites de produtividade dos oceanos e de um correto ordenamento das pescarias afetou os estoques de tal forma que hoje se observa uma grave crise no setor. Dias Neto e Marrul Filho (2003) apontam que essa industrialização da pesca, que se estendeu até o início dos anos 80, estava atrelada ao modelo econômico que visava à exportação, era concentrador de capital, superdimensionado, tecnologicamente intensivo e ecologicamente predador. A base da política pesqueira na época era pautada por uma visão que desconsiderava aspectos ambientais em favor do desenvolvimento econômico e era impulsionada por subsídios ao setor.

O código de pesca, instituído na época da ditadura militar pelo Decreto-Lei n. 221 de 1967, trouxe um incentivo fundamental para o crescimento do esforço de pesca no País. O marco legal da pesca no final do século XX concedeu, entre outros incentivos, isenção de impostos de importação, de imposto sobre produtos industrializados, taxas aduaneiras, entre outras taxas federais para a importação de equipamentos, máquinas, aparelhos, petrechos de pesca, entre outras ferramentas para o desenvolvimento da indústria. Também se estabeleceu a isenção de imposto de renda, por um período determinado, para pessoa jurídica. Além disso, o código estabeleceu que as operações de captura e transformação de pescado são consideradas atividades agropecuárias para fins de crédito rural e incumbiu o poder público de providenciar a criação de cooperativas de pesca e de postos e entrepostos de pesca nas principais cidades litorâneas.

Na virada do século, a partir da segunda metade dos anos 90, já sob o regime democrático e sob a égide da Constituição Federal de 1988, o impulso à pesca foi renovado, especialmente a partir da criação da Secretaria Especial de Aquicultura e Pesca (SEAP), em 2003. O órgão, ligado à Presidência da República, ficou responsável por fomentar e desenvolver políticas voltadas ao setor pesqueiro entre as quais, fundamentalmente, os principais programas de subsídio ao setor,

como o Programa de subvenção econômica ao preço do óleo diesel, a reforma e construção de embarcações e incentivos creditícios e assistência técnica para a cadeia produtiva em geral. Esses programas foram continuados pelo Ministério da Pesca e Aquicultura (MPA), criado a partir da SEAP, em 2009, e extinto no final de 2015.

Em outubro de 2012, o MPA lançou o 1º Plano Safra da Pesca e Aquicultura. O Plano, elaborado para o biênio 2013/14, objetivava principalmente dobrar a produção pesqueira e aquícola até o final de 2014 e, para isso, previu a implementação de um conjunto de ações focadas em disponibilizar linhas de crédito num valor total de 4,1 bilhões de reais, que deveriam atender cerca de 300 mil produtores. Essa meta não foi alcançada, mas foram concedidos cerca de 1,4 bilhão de reais e assinados cerca de 40.000 contratos. Aproximadamente 50% dos recursos foram destinados à pesca extrativa e à aquicultura e o restante foi aplicado no investimento do setor e na comercialização da produção (BRASIL, 2012).

O Plano Safra foi reeditado para o biênio 2015/2016 e tem como pilares o crédito, a assistência técnica e a comercialização, considerados pelo governo como os principais mecanismos estruturantes para promover a expansão da aquicultura, a modernização da pesca, o fortalecimento da indústria e a melhoria da qualidade de vida dos profissionais dessas atividades (BRASIL, 2015). A ideia é disponibilizar 2 bilhões de reais em linhas de crédito para atendimento de 40.000 pequenos, médios e grandes produtores nas áreas de pesca e aquicultura e ampliar (ou modernizar) a frota pesqueira em 4.000 embarcações.

O MPA também investiu recursos públicos para o desenvolvimento científico da pesca, a fim de subsidiar a gestão pesqueira com base na ciência, mas esse não foi um investimento prioritário do Ministério durante sua existência, pois a política pesqueira continuou sendo falha e realizada a partir de decisões políticas influenciadas especialmente pelo setor industrial e com pouca participação da sociedade. O critério do desenvolvimento econômico, mesmo nesse período, foi predominante em relação às questões ambientais relacionadas à atividade.

Para se avaliar os subsídios em relação ao capital natural, fizemos o exercício de classificar alguns dos principais incentivos ao setor pesqueiro no Brasil, de acordo com a classificação proposta por Sumaila et al. (2009).

A. Subsídios benéficos – A respeito dessa classe de subsídios, deve-se destacar os últimos atos praticados ainda pelo extinto Ministério da

Pesca e Aquicultura (MPA). Em setembro de 2015, o Ministério lançou uma chamada pública para a seleção de propostas com o objetivo de realizar o diagnóstico e evolução da dinâmica pesqueira marinha e estuarina das regiões norte e nordeste. A iniciativa é parte integrante das diretrizes do sistema nacional de informação da pesca e aquicultura (Sinpesq). O valor do edital foi de R$ 15.500.000,00 (quinze milhões e quinhentos mil reais) e as informações das pesquisas fomentadas irão gerar informações técnicas de qualidade, a fim de subsidiar o desenvolvimento sustentável da atividade, bem como a manutenção dos estoques pesqueiros. Em outubro de 2015, foi lançada, por meio do CNPq, uma chamada pública com recursos do MPA no montante de R$ 11.700.000,00 (onze milhões e setecentos mil reais), com objetivo de selecionar propostas para apoio financeiro a projetos que visem contribuir significativamente para o desenvolvimento científico, tecnológico e de inovação da pesca marinha no Brasil. Os dados a serem gerados por essas pesquisas serão importantes para garantir a sustentabilidade da atividade pesqueira no longo prazo, assim como a conservação dos ecossistemas e da biota marinha. No final da existência do MPA parecia que se estaria começando um novo momento, em que se buscava um aperfeiçoamento da estrutura e da gestão pesqueira no Brasil, onde os aspectos ambientais começam a ser mais observados nas políticas públicas54. Nesse contexto, observa-se também a implementação, pelo MPA, dos CPGs (Comitês Permanentes de Gestão), lançados em setembro de 2015 pelos ministros da Pesca e Aquicultura (MPA), da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) e a do Meio Ambiente (MMA). Os CPGs fazem parte de um contexto de aperfeiçoamento da estrutura e da gestão pesqueira e envolvem, além de setores do Governo Federal, representantes dos setores pesqueiros (artesanal e industrial), academia e Organizações da Sociedade Civil (OSCs). Os CPGs são um ótimo caminho para se estabelecer de fato uma gestão pesqueira de base científica que leve em conta a abordagem ecossistêmica e critérios como o rendimento máximo sustentável, por exemplo.

B. Subsídios que incrementam a capacidade do setor - Em 2004, o governo brasileiro desenvolveu uma estratégia para ampliar o esforço de pesca no País por meio de financiamentos para a aquisição, construção,

54 Embora velhas práticas de corrupção e venda de licenças ainda eram

frequentes, conforme ficou claro em uma operação da Policia Federal chamada “Operação enredados”.

conservação, modernização, adaptação e equipagem de embarcações pesqueiras. Esses investimentos aconteceram por meio do Programa Nacional de Financiamento da Ampliação e Modernização da Frota Pesqueira Nacional (Profrota). O Programa nasceu também com a finalidade de ampliar a frota pesqueira oceânica brasileira para “ocupar” a Zona Econômica Exclusiva e as águas internacionais com embarcações nacionais. Entre as metas para 2015/16, está a adequação da frota pesqueira com a aquisição, substituição, importação, construção e/ou modernização de 4.000 embarcações de pesca.

Outro programa de subsídios que trata de incrementar a capacidade do setor é o Programa de Revitalização da Frota Pesqueira Artesanal – Programa Revitaliza. Implantado pelo MPA em 2010, o programa tem o objetivo de potencializar a concessão de crédito para a construção, reforma e modernização, substituição e aquisição de embarcações de pequeno porte da pesca artesanal.

O governo brasileiro também investiu em Terminais Pesqueiros Públicos (TPPs). Essa política teve início em 2004 e até hoje foram estabelecidos cinco terminais em esquema pré-operacional; outros quatro já estão em construção e mais sete foram projetados pelo MPA. Esses terminais são estruturas destinadas ao aprimoramento da cadeia produtiva, que vão desde a recepção do pescado até a sua distribuição para o mercado (BRASIL, 2015b).

Outro grande programa de subsídios é o Programa de Subvenção Econômica ao Preço do Óleo Diesel. Os proprietários, armadores ou arrendatários, pessoas físicas ou jurídicas, de embarcações de pesca nacionais e as pessoas jurídicas brasileiras arrendatárias de barcos de pesca estrangeiros são beneficiários do Programa. Desde 1997, por meio da Lei n. 9.445, o governo brasileiro está autorizado a promover a subvenção econômica ao preço do óleo diesel. De acordo com o MPA, o programa tem o objetivo de promover a equalização do preço do óleo diesel para a frota nacional ao preço efetivamente praticado na venda às embarcações estrangeiras. A subvenção, regulamentada pelo Decreto n. 7.077 de 2010, consiste de:

a) Isenção integral do ICMS proporcionada pelos Estados da Federação (mediante adesão ao Protocolo ICMS n. 8/96 e Convênio n. 58/96) no momento da aquisição do óleo diesel nos revendedores de combustível, habilitados mediante Portaria MPA;

b) Pagamento de auxílio pecuniário de até 25% proporcionado pelo Governo Federal (mediante adesão ao Protocolo ICMS n. 8/96 e Convênio n. 58/96) da diferença no preço pago pelo óleo diesel para equalizar aos níveis internacionais depois de análise de requerimento e adimplência do beneficiário (BRASIL, 2015c).

O MPA, até 2015, foi o responsável pela coordenação do Programa e pelos pagamentos da subvenção econômica ao preço do óleo diesel, função que atualmente é exercida pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento – Mapa.

Segundo informação do site do MPA, a partir da isenção do ICMS pelos estados, o desconto na bomba de combustível varia entre 12% a 17% e o Governo Federal disponibiliza um auxílio-pecuniário que chega até 25% da diferença do preço do óleo diesel nacional frente ao internacional. Até 2015, o programa habilitou 39 entidades e 2.426 embarcações. Entre elas, 1.480 são da pesca artesanal (menores de 20 AB) e 886 do setor industrial (maiores de 20 AB). Dos 17 estados costeiros, 15 – localizados nas regiões Nordeste, Norte, Sudeste e Sul – fazem parte do programa.

Esse tipo de investimento governamental é bastante criticado em nível internacional por proporcionar um impulso significativo ao esforço de pesca e está na mira da Agenda 2030. São esses tipos de subsídios que se refere a meta 14.6 quando demanda a proibição de subsídios que contribuem para a sobrecapacidade e a sobrepesca.

C. Subsídios Ambíguos - Nessa classificação de subsídios está, por exemplo, o seguro-defeso. O início desse tipo de incentivo começou em 1991 e permanece até hoje. Trata-se de uma forma de seguro- desemprego destinada aos pescadores profissionais que são obrigados a parar suas atividades nos períodos de defeso de espécies controladas. O tema é tratado pela Lei n. 10.779/2003, que foi regulamentada pelo Decreto n. 8.424/2015. Em 2015, a Lei n. 13.134 alterou algumas determinações da lei de 2003 e estabeleceu que são beneficiários do seguro-defeso o pescador artesanal que (art.1º) exerça sua atividade profissional ininterruptamente, de forma artesanal e individualmente ou em regime de economia familiar. O valor do benefício é equivalente a um salário-mínimo mensal e é recebido durante o período de defeso de atividade pesqueira.

Somente em 2015 foram investidos R$3,4 bilhões, beneficiando cerca de um milhão de pescadores. Esses números elevados levaram o Ministério da Agricultura (Mapa) e o Ministério do Meio ambiente (MMA) a suspender os períodos de defeso e, por consequência, o benefício. A suspensão se deu por meio da portaria interministerial n. 192, de outubro de 2015 (RIBEIRO, 2015). De acordo com o artigo 2º da portaria, durante o período de suspensão o Mapa realizará o recadastramento dos pescadores artesanais. A norma também incumbiu os Comitês Permanentes de Gestão e Uso Sustentável de Recursos Pesqueiros de fazerem a revisão dos períodos de defeso.

Além de disponibilizar linhas de crédito para o pequeno, médio e grande produtor e apoiar a comercialização do pescado, no âmbito do Plano Safra 2015/2016, ainda estão previstas ações de assistência técnica e extensão por meio do programa de assistência técnica e extensão pesqueira e aquícola (Atepa). Trata-se de uma estratégia que busca multiplicar e facilitar o processo de organização da produção, disseminar o cooperativismo, implementar boas práticas de produção e de novas tecnologias, a fim de aumentar a produtividade da cadeia produtiva (BRASIL, 2015).

A política de subsídios para a pesca no Brasil era definida e executada pelo MPA e atualmente é pelo Mapa. No caso do óleo diesel, a Lei n. 10.683/03 alterada pela MP n.726 de 2016, em seu art. 27 I, letra z, é bem clara ao dispor sobre a competência do Mapa para operacionalizar a concessão da subvenção econômica ao preço do óleo diesel, instituída pela Lei no 9.445, de 14 de março de 1997. Já o art. 27 § 6º, I, determina que cabe ao MMA e ao Mapa, em conjunto e sob a coordenação do primeiro, fixar as normas, critérios, padrões e medidas de ordenamento do uso sustentável dos recursos pesqueiros, com base nos melhores dados científicos e existentes, na forma de regulamento.

Em 2009 foi editado o Decreto n. 6.981, ainda vigente, que regulamenta o art. 27§ 6º, I da Lei n. 10.683 e dispõe sobre a atuação conjunta do MPA, hoje Mapa, e do MMA nos aspectos relacionados ao uso sustentável dos recursos pesqueiros, e em seu art. 3º trata do sistema de gestão compartilhada do uso sustentável dos recursos pesqueiros que tem o objetivo de subsidiar a elaboração e implementação das normas, critérios, padrões e medidas de ordenamento do uso sustentável dos recursos pesqueiros.

Conforme o art. 5º desse Decreto, “as normas, critérios, padrões e medidas para a gestão do uso sustentável dos recursos pesqueiros serão estabelecidas em ato conjunto dos Ministros de Estado da Pesca e Aquicultura e do Meio Ambiente, com base nos subsídios gerados pelo

sistema de gestão compartilhada”. Nesse caso, é importante destacar o conceito de uso sustentável dos recursos pesqueiros, previsto no art. 2º I do Decreto: “aquele que permite à geração atual suprir as suas necessidades pela pesca, sem comprometer a capacidade das gerações futuras em satisfazer as suas próprias, baseado em critérios sociais, ambientais, tecnológicos e econômicos”. O Decreto ainda estabelece que as normas, critérios, padrões e medidas de ordenamento, em conformidade com as peculiaridades de cada unidade de gestão, deverão dispor sobre o esforço de pesca sustentável.

Deve-se também registrar que a Lei n. 11.959/09, que dispõe sobre a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável da Aquicultura e da Pesca e regula as atividades pesqueiras, define o ordenamento pesqueiro como “o conjunto de normas e ações que permitem administrar a atividade pesqueira, com base no conhecimento atualizado dos seus componentes biológico-pesqueiros, ecossistêmico, econômicos e sociais” (art. 2º XII).

A Lei n. 11.959/09 também define que o desenvolvimento sustentável da atividade pesqueira dar-se-á mediante:

I – a gestão do acesso e uso dos recursos pesqueiros;

II – a determinação de áreas especialmente protegidas;

III – a participação social;

IV – a capacitação da mão de obra do setor pesqueiro;

V – a educação ambiental;

VI – a construção e a modernização da infraestrutura portuária de terminais portuários, bem como a melhoria dos serviços portuários; VII – a pesquisa dos recursos, técnicas e métodos pertinentes à atividade pesqueira;

VIII – o sistema de informações sobre a atividade pesqueira;

IX – o controle e a fiscalização da atividade pesqueira;

X – o crédito para fomento ao setor pesqueiro. (art. 7º) (grifo nosso).

Embora a questão da subvenção esteja ligada diretamente ao critério econômico, o que por si só já faz parte do conceito de ordenamento, sob a perspectiva do desenvolvimento sustentável não há como se afastar a gestão compartilhada do uso sustentável dos recursos

pesqueiros. Ainda que em casos como o do óleo diesel, por exemplo, a Lei diga que compete ao Mapa operacionalizar a concessão da subvenção econômica, as regras para sua operacionalização devem ser elaboradas de acordo com as normas do Decreto n. 6.981/2009, ou seja, por meio da gestão compartilhada entre o Mapa e o MMA. Dessa forma, o estabelecimento de critérios tem mais possibilidades de proporcionar a redução e a proibição de subsídios que provoquem o aumento do esforço de pesca e contribuam para a sobrecapacidade e a sobrepesca e para a pesca ilegal, não reportada e não regulamentada.

5 UMA POLÍTICA NACIONAL PARA A CONSERVAÇÃO E