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5 URBANIZAÇÃO DO ESTADO DESENVOLVIMENTISTA BRASILEIRO

5.1 As estratégias do planejamento militar

5.1.4 A política habitacional do Brasil militar

A questão da habitação popular foi estrategicamente colocada num momento de mudança e sobrevivência do regime militar como forma de conter e reduzir as pressões inflacionárias oriunda do período de 1963 a 1967. O governo militar encontra no projeto

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da casa própria, a saída, tanto em relação às necessidades de reestruturação produtiva, quanto de suprimento da demanda habitacional nacional.

A situação interna do país, porém, era incompatível à dimensão desse plano, dada nossa fragilidade financeira público e privada (CANO, 1993, p. 17-20). Para que fosse possível sua implantação, o novo regime escolheu os salários dos trabalhadores como vítima (GUIMARÃES, 1990, p. 56-7 apud CAMARGO, 2005, p. 73).

O governo autoritário, que tomara o país pelo golpe militar em 1964, proporcionara as reformas necessárias à continuidade do avanço material do capitalismo brasileiro: a reforma financeira, a tributária, a monetária e bancaria e a das relações entre o capital e o trabalho, modernizando estas, mas também praticando a mais longa e uma das maiores quedas do salário real (CANO, 1993, p. 19).

Como era necessário conservar o apoio das classes menos privilegiadas atingidas pela política de contenção salarial, ao mesmo tempo em que são criados os principais mecanismos de redução do preço da mão-de-obra, possibilita-se a aquisição da casa própria através dos financiamentos públicos (BOLAFFI, 1979, p. 44; OLIVEIRA, 1979, p. 16-7 apud CAMARGO, 2005, p. 62 -72). Valladares (1983, p. 39) elucida tal afirmação com a carta de Sandra Cavalcanti enviada ao então presidente Castello Branco:

Achamos que a revolução vai necessitar agir vigorosamente junto às massas. Elas estão órfãs e magoadas, de modo que vamos ter de nos esforçar para devolver a eles uma certa alegria. Penso que a solução dos problemas de moradia, pelo menos nos grandes centros, atuará de forma amenizadora e balsâmica sobre as suas feridas cívicas (VALLADARES, 1983, p. 39).

Rodrigues (1994, p. 57) salienta as palavras do Ministro Roberto Campos, quando afirma a contribuição da “casa própria” para a “estabilidade social“ para tornar os proprietários “aliados da ordem”. Nesse momento configura-se o mais marcante desenvolvimento morfológico das cidades brasileiras e a conformação dos processos de verticalização, periferização e favelização do espaço urbano excludente (CAMARGO, 2005, p. 76).

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5.1.4.1 SFH e BHN como promotores da favelização

Em agosto de 1964, com a Lei 4.380, é instituído o Banco Nacional de Habitação (BNH) e o Sistema Federal de Habitação (SFH), com o objetivo de coordenar a política habitacional dos órgãos públicos, estrategicamente elaborada no período da “revolução de 1964” (RODRIGUES, 1994, p. 57).

Dentre objetivos outros da política habitacional encontrava-se o de atender o déficit habitacional, gerar empregos através da indústria de construção civil, orientar a iniciativa privada na construção das moradias populares; financiar a aquisição da casa própria, melhorar o padrão da habitação e do ambiente; eliminar as favelas; aumentar o investimento da indústria de construção e estimular a poupança privada e o investimento.

Quanto ao financiamento, o BNH definiu um agente específico para cada um dos segmentos do mercado. Para o mercado popular (renda mensal inicial de um a três salários mínimos, limite posteriormente ampliado para cinco), cujas companhias habitacionais são as COHABs. Para o “mercado econômico” (renda familiar entre três e seis salários mínimos), atendidas pelas Cooperativas Habitacionais INOCOOPs. O mercado médio (renda mensal mínima de seis salários) seria onde atuam principalmente os agentes privados, e instituições voltadas para a classe média (RODRIGUES, 1994, p. 58).

O grande mecanismo de financiamento da produção da habitação passa a ser o Banco Nacional da Habitação, cujo capital financeiro em grande medida será por ele representado na produção da cidade e da casa própria (RODRIGUES, 1994, p. 57-8). Uma de suas fontes de recursos é proveniente das Cadernetas de Poupança e a outra do Fundo de Garantia por tempo de serviço – FGTS, criado em 1966 (Lei 5.107 de 14.9.66), visando à resolução da escassez de recursos e que também tem o BNH por gestor financeiro.

Uma das operações do BNH foi a de transmitir suas funções para a iniciativa privada. Isso possibilitou a passagem indireta do dinheiro dos trabalhadores ao setor privado para financiar atividades econômicas outras que não as relacionadas à habitação popular e a construção civil. “Após os primeiros anos de experiências mal

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sucedidas com a habitação de baixo custo, o Banco Nacional da Habitação reorienta seus investimentos para os mercados de maior poder aquisitivo, mais claramente a partir de 1969” (MARICATO, 1979, p. 85 apud CAMARGO, 2005, p. 92).

A própria Constituição de 1969 estabelece a produção de habitação como atividade econômica de competência da iniciativa privada, cabendo ao Estado o papel de atuar de forma complementar em relação à essa primazia capitalista.

(...) os capitais supostamente reservados para a casa popular fluem dos pequenos fundos de cada assalariado e vão se concentrar nas mãos dos iniciadores – reais pioneiros de uma nova arte de enriquecimento sem gerar qualquer inversão socialmente significativa na economia (BOLAFFI, 1979, p. 54 apud CAMARGO, 2005, p.88).

Como pode se perceber, o SFH, apesar do objetivo de criar condições ao planejamento urbano, parece somente contribuir para agravar os problemas urbanos. Ao conceder a gestão de créditos ao BNH, seu significado fica contraditório, visto que ele pode ser visto como um artifício para extrair do trabalhador os recursos que irão inflar o mercado imobiliário especulativo (BOLAFFI, 1979, p. 55 apud CAMARGO, 2005, p. 88; RODRIGUES, 1994, p. 57-58; VALLADARES, 1983, p. 40).

O BNH a partir dos anos 70 passa a investir em obras de infra-estrutura urbana e recebe a influência das grandes construtoras nas áreas de energia e transporte. O problema de gerenciamento desses recursos eleva o preço de comercialização dos imóveis ao invés de privilegiar a construção de unidades mais baratas.

Não à toa, isso se reflete no aumento do número de favelas, cortiços, ocupações e autoconstruções da maior parte da população das cidades sem recursos suficientes para conseguir participar do mercado imobiliário. De 1975 a 1978 o número de barracos em São Paulo sobre de cerca de 21.500 para cerca de 90.000, resultando num aumento de 414% em três anos (MARICATO, 1987, p. 66).

O BNH ficou com grande déficit habitacional e carência de recursos para poder produzir novas unidades. Passado o período de intensa construção sustentada pelo Estado, a crise habitacional persiste e as favelas se adensam em centros e periferias. O mercado capitalista é incapaz de responder à maior parte da população urbana (RIBEIRO; AZEVEDO, 1996, p. 13) e possui a conivência do Estado já que esta é a única forma de viabilizar a política habitacional oficial (MARICATO, 1987, p. 65, 88-91).

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As metas nacionais abstratas pela expansão urbana programada e a quase nenhuma participação da população cria imensas dificuldades de base. As cidades são necessárias às políticas econômicas, mas se deixa aos agentes informais a tarefa da produção do espaço urbano. Assim, o contingente populacional que chega às cidades conta com sua força de trabalho como recurso principal, já que não dispõe de capital.

Essa população não constitui mercado para a produção de habitações através de relações essencialmente capitalistas, portanto ela não afeta o processo de acumulação de capital do Brasil baseado na abundante oferta de mão-de-obra barata e de fácil renovação.

A grande concentração de renda e o intenso fluxo migratório interno ficaram aquém da reforma política habitacional demagógica, implantada para minorar o problema. A maior parte da população acabou por morar em favelas, periferias, cortiços, debaixo de viadutos, ou sendo expulsa para locais distantes dos seus locais de trabalho, em loteamentos clandestinos ou irregulares, ao mesmo tempo em que a especulação imobiliária verticaliza as áreas centrais urbanizadas.

A ausência do Estado, junto à maior parte da população de renda mais baixa, define a ilegalidade da política da habitação e sua dualidade, uma produção tipicamente capitalista e a outra de subsistência, que se configura no espaço da miséria. O problema da produção de moradia é deixado por conta do indivíduo, já que as reformas do governo de 1964 seriam maiores do que os recursos para resolvê-las.