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9 PLANEJAMENTO E DEMOCRACIA

9.1 O planejador como educador libertário

Souza (2006, p. 261 et. seq.) afirmar existir uma assimetria estrutural no que toca a oportunidade de participar de processos decisórios coletivos numa sociedade capitalista. Quem emprega tanto os especialistas em gestão pública quanto os planejadores urbanos profissionais são as administrações estatais – com os pesquisadores acadêmicos, que gozam de mais liberdade para critica se propor alternativas, construindo a principal exceção a essa regra. Seria possível diante de tal quadro acreditar numa neutralidade dos técnicos sabendo-os sujeitos a toda sorte de injunções de natureza política?

Segundo este mesmo autor, não que o conhecimento técnico-científico aprendido sobre os problemas urbanos e suas possíveis soluções nos cursos universitários de arquitetura, geografia, sociologia, seja de menos importância, apenas se quer salientar a presunção de que os planejadores urbanos e especialistas em administração pública devem possuir a última palavra, porque estudaram e aprenderam técnicas e métodos “racionais” de planejamento e gestão (no sentido burocrático de “administração racional”, conforme a “razão instrumental”) é politicamente autoritária e empiricamente refutável.

O “saber local” dos moradores e usuários de um dado bairro formal ou de uma determinada favela, para Souza (op. cit.), podem conter, além de um rico acervo de informações empíricas, tanto, ou melhor, senso que a interpretação de um técnico ou estudioso dos problemas urbanos. O “discurso competente”, ou seja, a pretensão da autoridade para tratar de determinados temas por parte dos detentores de certo tipo de conhecimento especializado, normalmente obtido em universidades, é principalmente quando se refere à campos que tenham a ver diretamente com assuntos de interesse coletivo, uma usurpação.

Os tecnocratas costumam se achar superiores ao “homem comum” devido não apenas o seu conhecimento pretendidamente racional e à sua pretensão absoluta de objetividade, mas também porque, por conta de tudo isso, acredita em sua “neutralidade”. Crêem ser capazes, graças à sua visão de longo prazo e aos seus conhecimentos especializados de se colocar acima dos interesses de grupos específicos (SOUZA, 2006, p. 261 et. seq.).

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Os conhecimentos especializados de que dispõe, ao contrário do que pensam, apesar de serem muitas vezes úteis ou potencialmente úteis, não os autoriza a achar que podem indicar tanto um fim do planejamento e da gestão das cidades (vale dizer as metas que irão reger e orientar a vida de uma coletividade urbana), quanto os meios para se alcançarem os fins estipulados, como se somente eles, por serem teoricamente recrutados tivessem a capacidade de propor soluções pautadas exclusivamente com o “bem comum” e o “interesse público” (SOUZA, op. cit.).

Souza (2006, p. 262-6) acredita que democratizar o planejamento e a gestão implica colocar ambos dentro de um raio de alcance do corpo de cidadão, retirando ambos de seu “pedestal”, da sua condição de monopólio de profissionais a serviço do Estado capitalista. O saber técnico-científico sobre planejamento e gestão precisam ser mais acessíveis aos indivíduos criando ou reforçando heteronomias, aqui explicado como quando a criatividade e a liberdade do operador são garantidas e estimuladas, e não tolidas, como no moderno sistema industrial.

Ainda mais, quando a cidade-prisão, os muros e as cercas eletrificadas e os aparelhos de vigilância, o medo, a segregação, a auto-segregação e suas “bolhas de proteção” colaboram ainda mais para gerar um tipo de criança, depois de adolescentes e finalmente de cidadãos muito diferentes daquele socializado em um espaço onde as formas espaciais, os territórios e as imagens espaciais e símbolos inscritos na paisagem traduzem liberdade e estimulem a solidariedade. O planejamento e a gestão têm, quase sempre, desempenhado um papel na produção da “cidade-prisão”, mas não é impossível que desempenhem um planejamento e uma gestão críticos.

Para Souza (2006, p. 262-6) desmistificar o planejamento e a gestão, sem, porém deixar de compreendê-los como atividades que podem ser parcialmente embasadas por um tipo de saber técnico-científico, depreende socializar o mais possível esse saber, ao menos naquilo essencialmente relevante para permitir uma decisão política corretamente informada por parte dos cidadãos. Isso corresponde a reafirmar a natureza política dessas atividades. Para que isso seja concretizado, é necessário formar profissionais especializados em técnicas e estratégias de planejamento e rotinas de gestão dentro de uma mentalidade que não seja

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tecnocrática. Também é necessário envidar esforços para envolver a sociedade civil, informando-a e capacitando-a para melhor poder participar (SOUZA, 2006, p. 263-4).

Por isso, é essencial que os especialistas em planejamento e gestão empregados pelas prefeituras dialoguem sem arrogância, com os demais cidadãos, difundindo informações, e, ao mesmo tempo, reciclando os seus próprios conhecimentos. Esses especialistas precisam entender a si próprios, em parte, como uma espécie de educadores ou pedagogos.

O planejador como educador libertário, apreende o saber local e se abre para o núcleo de bom senso dele, aguça sua sensibilidade e se dispõe a questionar coisas que aprendeu, de modelos explicativos e leis vigentes. Esse planejador-educador não se limita a adestrar o educando, a depositar em sua mente conteúdos impostos sem discussão. A tarefa de gerar dados e informações, disponibilizando-as e tornando o acesso acessível às políticas públicas, os planos e as leis formais, não deve ser encarada, porém, como uma prerrogativa do Estado. Os ativismos sociais devem procurar gerar seus próprios dados e informações, co-operando entre si e com as universidades, para não ficarem a mercê do aparelho do Estado (SOUZA, 2006, p. 266- 272).

Em sua missão de “educadores”, os planejadores profissionais precisam colaborar com a socialização da informação e a facilitação da comunicação, de forma que as políticas públicas e os documentos legais sejam “traduzidos” para uma linguagem acessível. É imprescindível que a linguagem seja inteligível mesmo aos cidadãos leigos. O objetivo central é o de preparar a sociedade para uma participação lúcida e com conhecimentos de causa. Uma das formas de permitir que os cidadãos leigos saibam “decodificar” a produção do espaço urbano e as políticas públicas, criando , objetivando e propondo alternativas, é investindo na formação de “planejadores e gestores urbanos populares” (SOUZA, 2006, p. 267).