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Ao realizarmos esta experiência de educação popular em saúde em um bairro periférico pensa-mos, num primeiro momento, na possibilidade de encontrar inúmeros problemas sobre as condições de vida da população que, ao nosso ver, vivia um cotidiano repleto de limitações, o que as impelia a uma busca incansável pela conquista de melhor qualidade de vida.

O que nos motivava a esta reflexão, era a própria história de nossa vivência nos serviços de saúde onde, muitas vezes ingenuamente, outras criticamente, reproduzíamos ou problematizávamos as ações de saúde distantes da participação da população. No entanto sentíamos, revelava-se o valor da participação para exercer o controle social das ações, no sentido de se buscar a definição e resolução dos problemas.

Ao mesmo tempo, a noção da participação popular, a nível de academia, assumia dimensões teóricas importantes, que evidenciavam a necessidade da sua instrumentalização para a conquista da cidadania. Permeavam as reflexões sobre o objeto de estudo que deveria ser desenvolvido para a disciplina de "Prática Assistêncial de Enfermagem", constante no currículo do curso de "Mestrado em Assistência de Enfermagem", cuja exigência levou a definir o tema central do relato que acaba de ser descrito. Apesar das dúvidas que surgiram de como apreender o real da participação na realidade concreta, permitiu analisar e compreender a sua importância, estimulando

a população do Saco Grande e Sol Nascente a conquistá-la, de forma a exercer um maior controle sobre as políticas sociais.

Além disso, o fato da academia permitir que o projeto da prática assistencial fosse desenvolvido em conjunto com outros dois mestrandos viabilizou, como ponto de partida, aplicar um referencial importante de onde construimos esta experiência, desenvolvendo temas da organização popular, práticas de saúde e participação popular. Na medida que individualmente se analisava o objeto de estudo com a população, adquiria-se dimensões globais, uma vez que um tema passava a completar o outro, cujo resultado levou à busca de soluções coletivas para a transformação da realidade do bairro do Saco Grande II, principalmente o da comunidade do Sol Nascente.

Sob outro ângulo, a utilização de um referencial metodológico dentro de uma perspectiva política possibilitou que esta experiência fosse construída em conjunto com a comunidade. Especificamente, porque permitiu tanto aos grupos quanto aos profissionais se apropriarem conscientemente de sua prática, numa verdadeira práxis transformadora para a construção de uma nova sociedade, como refere Freire a "compreensão critica que se vai gerando na prática mesma de participar e que deve ser incrementada pela prática de pensar a prática"(1986, p46-47).

Assim, buscou-se nas obras de Paulo Freire um referencial pedagógico que pudesse direcionar o nosso trabalho com as classes populares. Através do seu itinerário de pesquisa foi possível identificar com profundidade os temas do "saneamento básico", "controle dos insetos", "reestruturação das organizações populares" e "plantas medicinais" a partir da realidade da comunidade, uma vez que a análise e reflexão impulsionaram o desvelamento de novos temas. Na verdade, o conhecimento quando construído através das experiências concretas dos sujeitos envolvidos, necessariamente viabiliza uma maior flexibilidade das ações que passam a ser desenvolvidas.

Com este processo educativo, constituiu-se também uma tomada de posição crítica que, nascida da realidade vívida e associada à ação, passou a transformar as condições de vida dos moradores do Saco Grande II e Sol Nascente. Sobretudo, porque

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o método de trabalho proposto por Paulo Freire é um processo dinâmico e dialético, através do qual foram superadas algumas das contradições desveladas durante o desenvolvimento desta experiência. Este método não só revelou-se possível no desenvolvimento da prática assistêncial de enfermagem, mas também favoreceu a continuidade da ação e reflexão para os moradores do bairro, permitindo inclusive a extensão desta experiência com formação do Núcleo de Extensão, Pesquisa de Educação Popular em Saúde-NEPEPS.

Além disso, determinou que fosse analisado o conceito de participação na prática, o qual requeria a compreensão da comunidade em sua totalidade, como as suas formas de organização e necessidades de saúde, a fim de se instrumentalizar o aprendizado do processo participativo. Observou-se que, com este aprendizado, veiculou-se o surgimento de uma trajetória em passos que foram sendo conquistados a partir do momento da investigação das necessidades do bairro, até a sua organização para a busca de melhores condições de vida.

Os serviços de saúde local, por sua vez, não desenvolviam um trabalho que enfatizasse a participação organizada da população, no planejamento das ações de saúde. Todavia, para que este trabalho assumisse uma dimensão política que comprometesse os profissionais do setor com a realidade concreta, buscou-se através do diálogo uma aproximação para que as atividades assistenciais meramente curativas fossem voltadas para a análise das causas que levavam à deteriorização das condições de vida no bairro. Procuramos estimular as formas de organização popular existentes para que, através de uma luta coletiva e permanente, passassem a exercer o controle sobre as ações de saúde.

Através da experiência dos "círculos de cultura", e posteriormente da "pastoral da saúde", estimulou-se também uma reflexão mais profunda sobre as práticas de saúde. A utilização pela comunidade, de métodos terapêuticos alternativos, estava relacionada às suas crenças em relação ao processo saúde e doença. Com as discussões realizadas no decorrer desta experiência, observou-se que a maioria dos participantes convivia

com esses métodos, principalmente a fitoterapia e algumas formas de benzeduras, porém tal conhecimento não era sistematizado e, muitas vezes, predominavam as crenças em relação às práticas da medicina oficial.

O resgate dessas práticas, como o uso das plantas medicinais, que oferece soluções ao tratamento das doenças, passou a ser valorizado na comunidade à medida que se discutiu com a população. A Pastoral da Saúde, em conjunto com a nossa atuação, forneceu as informações que permitiram aprofundar uma visão mais científica sobre os tratamentos alternativos de saúde, no entanto a inclusão dessas práticas nos serviços de saúde ainda não se tomou uma reivindicação levantada durante a realização deste curso. Porém, acreditamos que a importância destas reflexões constituiu-se num momento importante de motivação à participação popular, no sentido de analisar aspectos referentes à sua prática quotidiana.

O processo de ação e reflexão desenvolvido durante toda esta experiência possibilitou analisar os principais problemas dos moradores, integrando a questão saúde

a todos os outros aspectos da realidade. Sendo assim, foram identificadas as formas com que os mesmos direcionavam o processo participativo para a conquista de saúde, já que retratavam um quadro de saúde que persiste na maioria da população brasileira, como o das desigualdades sociais.

Assim, para compreendermos este processo participativo, procuramos interagir com os grupos, ajudando-os a perceber as suas necessidades e possibilidades de mudança. Para tanto, criaram-se condições para que todos pudessem participar das discussões, reflexões e análises acerca dos problemas evidenciados na comunidade. Mesmo porque, a noção da participação popular na análise sobre o processo saúde e doença ou nas práticas de saúde, embora enfatizada nas diretrizes das políticas e programas atuais de saúde, não se evidencia na prática popular, uma vez que, este espaço necessita ser conquistado.