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A Prática tradicional cultural do mutirão

No documento ANTONIO MICHEL KULLER MEIRA (páginas 47-50)

1.4 ELEMENTOS E PRÁTICAS TRADICIONAIS DA CULTURA TRADICIONAL

1.4.2 A Prática tradicional cultural do mutirão

Uma prática tradicional dentro dos faxinais é a prática do mutirão, sendo denominada pelos faxinalenses de várias formas. Na pesquisa realizada observamos diversas citações como: Pixirão, Puxirão, Pixirum e Pitoco. Essas práticas consistem principalmente na ajuda mútua, que é resultado da união de várias pessoas para a execução de determinados trabalhos como: carpidas, roçadas, colheitas de feijão, milho, erva mate, construção e reformas de cercas do criador comunitário, etc.

Geralmente, quem organiza o puxirão é o dono da roça, erval ou trabalho a ser executado, que convida os vizinhos, familiares e comunidade para o trabalho, sendo que toda a despesa de alimentação, bebidas, aguardentes, vinhos, batidas, etc., são por conta do proprietário da roça. Na atualidade dos faxinais, esse tipo de serviço cooperativo está basicamente restrito à construção e reformas de cercas. Nesse caso, quem convida a comunidade e organiza o puxirão é o presidente da Associação Faxinalense, mas a adesão é

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muito pequena. Antigamente após uma semana intensa de serviços, no sábado tinha o baile do puxirão, que era uma confraternização dos trabalhadores e famílias. Somente quem participava das atividades do trabalho poderia participar do baile, como nos conta o Faxinalense Pedro Altamir de Deus17, “volta e meia tinha uns que queriam ir só no baile, ai o pessoal que trabalhou no puxirão dizia olha lá o carancho”. Todos festejavam e dançavam a noite toda, com bebidas, gaiteiros, violeiros e cantores da própria comunidade.

Já o pitoco possui uma peculiaridade, este não possuía a realização do baile, por isso ser denominado “pitoco”, por não ser uma atividade completa. Esse tipo de mutirão era utilizado principalmente para a sapecada de erva mate que era cortada durante o dia e sapecada à noite, atividade que, muitas vezes, ocorria até altas horas. Para realização do sapeco de erva mate, eram construídas caieiras de lenha com aproximadamente um metro e meio de altura, à noite a atividade era basicamente a sapeca da erva. No outro dia, realizavam-se os trabalhos de quebra da erva mate para a realização dos feixes que seguiam para secar nos carijos (barbaquás). De acordo com Gapinski e Campigotto (2010) os puxirões denominados “pitoco” não possuíam a realização do baile.

[...] eram realizados bailes envolvendo os que trabalharam como forma de agradecimento e também de pagamento pelo dia trabalhado. Somente quem trabalhou poderia participar, quem não ajudou no mutirão e quisesse participar do baile teria que pagar a entrada. Moças não pagavam a entrada, todavia não poderiam dar “Carão” em ninguém, ou seja, teriam que dançar com todos que a convidassem. Quando aconteciam os mutirões sem o baile, essa prática é chamada pelos faxinalenses de “Pitoco” (GAPINSKI; CAMPIGOTTO, 2010, p. 23).

As colheitas de erva mate eram chamadas de “Serão”, pois o trabalho ia até altas horas da noite e para passar o tempo e animar os trabalhadores, recitava-se décimas musicais.

A Décima é uma forma poética com estrofe de dez versos, forma de versos realizados no serão. Esta intitulada “Conselho da rapaziada”.

Pinga na garrafa, pica pau no garrafão, a pinga me deixa alegre, pica pau me deixa bão, que dele o patrão que aqui não ta, foi busca o pica pau para nós toma, tenho paia e tenho fumo, só não tenho que corta, quem tem cigarro pita, quem não tem cheira fumaça

Quando pego a viola faço o povo dar risada por que eu canto e me divirto, e aconselho a rapaziada, todos os rapazes que se casa, que sempre sua vida atrasa, enquanto não tem sua casa, não tem sua firme morada, se o marido sai em viagem a mulher fica esperando, se ela tem filhos que ama, passa a noite amimando, se outro dia amanhece com seu coração araivado, deixa esta aquele sujeito, só pensão que tem me dado, se eu fosse de outra maneira, eu queria viver solteira, passeando com as companheira, sem saber o que era cuidado.ele encilha seu cavalo de bombilha leva só as pensão dos filho e deixa a saudade da mulher, se a mulher for cuidadosa,

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ela veste o seu vestido melhor, com andar de forgadeira, vai esperar seu marido na porteira18.

Outro motivo encontrado para fazer os mutirões era o adoecimento de uma pessoa, vizinho ou parente na comunidade. Quando alguém se impossibilitava de cuidar de suas lavouras, outra pessoa - parente, compadre, vizinho - tomava a iniciativa e organizava a data para realizar o mutirão, geralmente em carpidas e/ou colheitas de lavouras.

O mutirão sempre teve sua base de organização na ajuda mútua entre grupos de trabalhadores. Leite (2002, p. 73) destaca que: “Nos períodos de intensificação da produção, na maioria das vezes, ocorrem formas de trabalho solidário ou de ajuda mútua, como mutirões

ou troca de serviço”. Essa prática organizativa, adotada pelos faxinalenses, passou por

mudanças estruturais profundas, pois o modelo organizativo da agricultura camponesa de resolver as tarefas demandava grande mão de obra e foi sendo influenciado pelo sistema capitalista através das novas tecnologias. Na atualidade, os mutirões estão presentes principalmente na realização e reformas de cercas dentro do criador comunitário do Faxinal; mas essa prática vem perdendo espaço devido ao aumento do individualismo das pessoas, pois as atividades que necessitariam de grande mão de obra, hoje são realizadas em pouco tempo com o uso de agrotóxicos e máquinas, soma-se que a celebração do trabalho não ocorre com a realização do baile, pois os faxinalenses da comunidade informaram que estes não são mais realizados devido às brigas que ocorriam.

Com a chegada da maquinaria e dos agroquímicos nos faxinais, a prática do puxirão ficou restrita a algumas atividades, como reformas e construção das cercas, permanecendo somente trocas de dias de trabalho entre os vizinhos, sendo que em outras atividades a prática cultural é raramente empregada. Pois com a utilização de venenos para matar as plantas daninhas das lavouras, os puxirões de carpida foram perdendo espaço, bem como a colheita de erva mate que, na atualidade, os produtores preferem vender in natura, evitando todo o trabalho realizado para o beneficiamento da erva mate. Assim, as formas tradicionais de trabalho cooperativo e organização dos faxinalenses foram alteradas ao longo do tempo por novos modelos de produção. Atualmente, é rara a realização do processo de secagem e beneficiamento da erva mate em carijos, os faxinalenses preferem vender a erva in natura para empresas ervateiras da região.

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No documento ANTONIO MICHEL KULLER MEIRA (páginas 47-50)