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TERRITÓRIOS E TERRITORIALIDADES EM FAXINAIS, COMPREENDENDO

No documento ANTONIO MICHEL KULLER MEIRA (páginas 37-41)

Nesse trabalho não poderíamos deixar de dialogar sobre os territórios faxinalenses, estes, que para Chang (1998), compreendem as terras de criar e de plantar, pois os faxinalenses utilizam os dois espaços, sendo as terras de criar compostas por matas e

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pastagens, para criar animais de forma coletiva; e o espaço composto por terras lavradias, as chamadas terras de “planta” no vocabulário faxinalense, utilizado para a policultura alimentar.

Essas práticas, de uso coletivo, construíram diversas relações sociais, através de puxirões de carpidas das roças, colheita da erva-mate ou das construções de cercas. Também nesse território tradicional, podemos encontrar diferentes manifestações econômicas, sociais e culturais que fazem parte da identidade faxinalense. Ainda as lavouras dos faxinalenses estão muitas vezes juntamente com as plantações do agronegócio no mesmo espaço.

Podemos observar que as práticas tradicionais nos faxinais resistiram ao tempo com uma dinâmica menos impactante ao meio ambiente, adequando meios de produção e natureza, colaborando para um desenvolvimento sustentável. Nessa disputa por diferentes interesses, acontecem diversos conflitos sociais, ambientais e culturais no território faxinalense.

[…] um dos sentidos dado ao território é o da representação da força, do poder. Sua posse e utilização podem garantir a vida, as condições para a existência das expressões e, por isso, quando em disputa, em risco, geram os conflitos territoriais. Estes acontecem porque as intenções de ocupação, manifestação e uso dos territórios existem com interesses antagônicos (SIMÕES, 2002, p. 22).

Para Santos (2000), território não é só um conjunto de sistemas naturais e coisas criadas pelo homem.

O território é o chão e mais a população, isto é uma identidade, o fato e o sentimento de pertencer aquilo que nos pertence. O território é a base do trabalho, da residência, das trocas materiais e espirituais da vida sobre os quais ele influi. Quando se fala em território deve-se, pois, de logo, entender que se esta falando em território usado, utilizado por uma dada população (SANTOS, 2000, p. 96-97).

Esse espaço é fundamental para a manutenção das relações e também das práticas culturais tradicionais da comunidade, pois através das cartografias realizadas, a comunidade pesquisada, bem como o mapeamento social das Benzedeiras realizado em 2009, percebeu que as benzedeiras e os faxinalenses possuem uma relação recíproca com o meio ambiente, sendo que usam uma diversidade de espécies, seja de planta medicinal, frutíferas nativas ou espécies madeiráveis para uso em construções e ferramentas. Assim o território possui um valor de uso, mas também um valor simbólico, que faz com que as práticas e conhecimentos tradicionais permaneçam vivos na comunidade.

Assim, o território tradicional, além de ser um espaço físico, também é um espaço cultural, pois este é essencial para a manutenção das práticas tradicionais culturais: a natureza, as águas, principalmente os locais sagrados como olhos d’ água de São João Maria e grutas, possuem um simbolismo para a comunidade. A destruição ou o uso privado destes locais coloca em risco a manutenção das práticas tradicionais locais.

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Assim, podemos analisar a territorialidade a partir das discussões efetuadas por Almeida (2004, p. 01):

As práticas de ajuda mútua, incidindo sobre recursos naturais renováveis, revelam um conhecimento aprofundado dos ecossistemas de referência. A atualização destas normas ocorre, assim, em territórios próprios, cujas delimitações são socialmente reconhecidas, inclusive pelos circundantes. A territorialidade funciona como fator de identificação, defesa e força [...].

No ano de 2007, o governo federal cria o decreto 6040, da política nacional de povos e comunidades tradicionais (PNPCT). Em seu artigo 3º define alguns conceitos bases como “povos tradicionais” e “territórios tradicionais”.

Art. 3º Para os fins deste Decreto e do seu Anexo compreende-se por:

I - Povos e Comunidades Tradicionais: grupos culturalmente diferenciados e que se reconhece como tais, que possuem formas próprias de organização social, que ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas gerados e transmitidos pela tradição.

II - Territórios Tradicionais: os espaços necessários a reprodução cultural, social e econômica dos povos e comunidades tradicionais, sejam eles utilizados de forma permanente ou temporária, observado, no que diz respeito aos povos indígenas e quilombolas, respectivamente, o que dispõem os arts. 231 da Constituição e 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias e demais regulamentações; (ARTICULAÇÃO PUXIRÃO, 2009, p.40).

Os faxinais são comunidades tradicionais reconhecidas no Paraná pela lei Estadual 15.673/07. Esta lei reconhece aos faxinais e sua territorialidade, bem como sua identidade:

Art.2º A identidade Faxinalense é o critério para determinar os povos tradicionais que integram essa territorialidade especifica.

Parágrafo Único - Entende-se por identidade faxinalense a manifestação consciente de grupos sociais pela sua condição de existência, caracterizada pelo seu modo de viver, que se dá pelo uso comum das terras tradicionalmente ocupadas, conciliando as atividades agrosilvopastoris com a conservação ambiental, segundo suas práticas sociais tradicionais, visando à manutenção de sua reprodução física, social e cultural.

Art.3º- Será reconhecida a identidade faxinalense pela autodefinição, mediante Declaração de Auto reconhecimento Faxinalense, que será atestado pelo órgão estadual que trata assuntos fundiários, sendo outorgado Certidão de Auto Reconhecimento (ARTICULAÇÃO PUXIRÃO, 2009, p.18).

A especificidade do sistema de produção e a forma como o mesmo se organiza identifica a peculiaridade própria de uma comunidade tradicional de Faxinal, com uma diversidade de práticas e saberes tradicionais acumulados, repassados de geração a geração.

Para as comunidades tradicionais de faxinais, o território se torna fator essencial para a manutenção da identidade faxinalense.

A identidade coletiva relacionada à forma de organização dos “povos de faxinais” vem sendo acionada e assumida por esses grupos sociais como um elemento de

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fortalecimento e consolidação de seu modo de criar, de fazer e de viver. Isto os diferencia dos demais e lhes confere um caráter específico dos demais grupos no interior do Paraná (ALMEIDA, 2009, p. 19).

Todas as relações sociais crescem em função da defesa dessa identidade coletiva, pois os grupos mobilizados em meio a processos de construção social de acordos e leis, juntamente com processos formativos em direitos étnicos, coletivos e ambientais, somam forças para a defesa e reivindicação de seus territórios específicos.

A luta para manutenção e ampliação do território faxinalense se torna uma das principais fontes de geração de expectativa para a reprodução social e cultural das famílias faxinalenses, pois o território de uso comum possui papel fundamental para manutenção e reprodução das práticas e saberes tradicionais das comunidades de faxinais.

Sobre essa perspectiva, Santos (2003) afirma que é exatamente o fator identitário que leva os sujeitos sociais a se agruparem sob uma mesma expressão coletiva e a declararem seu pertencimento a um povo ou a um grupo. Exigir o reconhecimento de suas formas intrínsecas de acesso à terra, motivados pelas transformações no padrão “tradicional” de relações políticas e o reconhecimento de sua identidade coletiva é fator preponderante de mobilização, defesa e força para afirmarem sua territorialidade específica e a encaminharem organizadamente demandas ao estado, ao mesmo tempo em que se percebem em meio a um “conflito ecológico” sobre as formas de uso dos recursos naturais frente aos seus antagonistas e aos processos de desterritorialização empreendidos pela arbitrariedade de suas formas de exploração.

O uso econômico, social, ambiental e cultural do território de faxinal faz com que esse seja determinante na reprodução da maioria das práticas culturais dos faxinalenses, se fechos em áreas de uso comum, desmatamentos e chacareiros tiram o livre acesso aos recursos naturais utilizados de forma comum.

Comungamos com a ideia de Bertussi (2009) exposto no livro terras de Faxinais, no qual descreve que o território representa um espaço muito além de terras, apesar de esta ter sua importância fundamental.

Enquanto “terra” remete ao recurso natural, seja hídrico, florestal, de solo ou sub solo, “território” incorpora representações simbólicas que abarcam uma identidade sócio cultural. Se encarado a partir da etnicidade, território é entendido como base sócio espacial que, tradicionalmente, pertence ao grupo étnico e com a qual os membros do referido grupo, mantêm laços de pertença e a partir dela se expressam cultural e socialmente (BERTUSSI, 2009, p.154).

Neste sentido, quando se perde o uso comum do território, algumas práticas tradicionais automaticamente ficam restritas ou somente na memória coletiva dos

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