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A presença das mulheres na educação de Pintadas

Durante séculos, a mulher foi vista como sexo frágil, incapaz de se proteger e em função disso deveria estar subordinada a figura masculina, ao pai, ao irmão ao marido, ao patrão, etc. Era vista como um objeto sexual do homem colonizador, proprietário ou melhor “dono”. Dentro de casa as mulheres eram educadas pelas mães, escravas, tias, avós para aprenderem a bordar, costurar, pintar, tecer, fazer crochê e tricô, renda, além dos cuidados domésticos e da saúde de familiares.

Na sociedade convencional, o que identificava como espaço da mulher era o privado. Diversas realidades são construídas a partir do gênero por estarem diretamente relacionadas ao biológico, envolvidas com as questões da reprodução e manutenção da vida, sendo o feminino associado à natureza e as necessidades ligadas à vida (VANIN, 2008, p. 21).

Ainda sobre esse lugar da mulher, de acordo com a Revista do Observatório Brasil da Igualdade de Gênero, “se as mulheres avançam na ocupação do espaço público, continuam atadas à exclusividade das responsabilidades domésticas e familiares”. Essa naturalização da cuidadora e da facilidade de levar para o ambiente escolar o aprendizado da maternidade. Essa vivência, tem sido a principal causa do ingresso maciço das mulheres, partindo do princípio de que seguia uma construção ideológica para que desempenhassem tais papéis na sociedade. Tendo em vista tal realidade, a contextualização deveria ser consequentemente de uma professora padrão, tomando como base papéis notórios como boa mãe, boa dona de casa, boa esposa, boa tia.

A educação em Pintadas, no início da sua povoação, não era diferente dessa cultura que impõe padrões e define as desigualdades sociais através do sexo, conforme descrito ao longo desse texto. As primeiras educadoras eram mulheres leigas que ensinavam dentro das suas próprias casas, juntavam os filhos e primos que moravam no entorno para iniciar o processo de alfabetização. Muitas crianças tinham que dar conta das tarefas da roça e só iriam para a escola quando terminassem de fazer o que lhe foi dado como tarefa, fato que limitou o acesso à educação.

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Segundo professora Ana Mendes12, naquela época não existia em Pintadas ninguém com o nível de escolaridade de ensino médio e, segundo a história, durante as décadas de 1940, 1950 e 1960 passaram 5 professoras, todas mulheres e já diplomadas, para assumirem a educação formal, contribuindo assim com uma educação diferenciada, despertando naquela comunidade um sentimento de pertencimento e de envolvimento com as causas sociais e coletivas.

No final da década de 1940 chegou em Pintadas a professora Zádia, vinda do povoado Pau Ferro, município de Ipirá, que permaneceu por pouco tempo por não se adaptar aquela realidade. Em seguida, chegou a professora Antonina Fernandes Leite, que veio de Salvador para morar em Pintadas, era formada, não tinha casa, morava dentro da escola que existe até hoje, a atual Escola Santo Antônio, solteira e não tinha filhos. Depois de alguns anos morando ali, aconteceu um incêndio dentro da escola, em seus aposentos e ela foi queimada, morrendo asfixiada no ano de 1960, permanecendo a sua memória viva na história da educação da cidade, sendo o exemplo de uma mulher que doou a sua vida em prol da educação das inúmeras crianças de Pintadas (Ana Mendes, 2015).

A professora Antonina Leite teve destaque e foi uma mulher carismática, com um espírito de fé, compromisso com a comunidade, despertando nas pessoas a vontade de lutar para melhorar a vida daquele lugar. Ela abraçou a árdua missão de educar para além das paredes físicas da escola e se comprometeu em, nos dias livres, organizar aulas de música, dança, diversas atividades culturais e datas comemorativas. Era uma mulher decidida, não se curvava diante das opressões masculinas e chamava a comunidade para assumirem os direitos civis e o destino da política local. “Antonina era professora formada, veio de Salvador, falava seis idiomas, mas no dia 9 de março de 1960 ela faleceu” (Ana Mendes 2015)

A professora Antonina Leite seguia a tradição da cultura da época de exercer o papel de uma mulher de respeito. Postura que se repetia em outras cidades do interior conforme Vasconselos (2006):

Ainda nos anos 70 ainda era muito recorrente a imagem da professora associada à mãe, exigindo-se das mulheres um comportamento baseado na mulher pura: se solteira, virgem e de

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Ana Mendes, foi vereadora no município de Ipirá na década de 70 quando Pintadas ainda era distrito, professora e líder comunitária.

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“família” e se casada, fiel e um exemplo de virtude.(VASCONSELOS 2006 p. 126)

Além das professoras vindas de outras regiões, tivemos Anatália Mendes Lobo, Maninha, Irani entre tantas outras, todas leigas, que moravam no povoado e ou na zona rural, e davam aulas com alunos em todos os níveis de aprendizagem. Existiam alunos que já havia passado por todas as fazes ou aprendido todas as lições, mas continuavam estudando, pois não havia escola de 5ª a 8ª série na época e os pais não tinham condições para sustentar os filhos em cidades vizinhas.

O método utilizado na época era baseado na catequese e adaptado por cada professor, tinha que decorar a tabuada e as lições da alfabetização, quando a criança aprendia o básico ela já era considerada alfabetizada e tinha que aprender sozinha. Os pais, na sua maioria, entendiam que deixar os filhos livres para ir à escola era perda de tempo, além de perder o controle e a autoridade sobre eles. Em função disso, poucos foram alfabetizados até final dos anos 70. Segundo Mota

os pais obrigavam os filhos obedecerem a professora. Era necessário decorar as lições e acabava sendo um processo de repetições contínuas, quem não conseguisse ficava de castigo e recebia palmatória na mão. Era uma prática bastante humilhante para aqueles alunos com dificuldade de aprender e outros chegavam a ficar de joelhos em frente ao quadro por não conseguir cumprir as tarefas.

Ainda segundo Ana Mendes, em meados da década de 1960, quando o padre Moisés Rodrigues Pereira chegou para Pintadas, o Brasil enfrentava o período da Ditadura Militar. Ele sofreu muitas perseguições, pois assumia a missão profética, denunciava as injustiças e falava da importância da educação. Havia uma preocupação em relação ao analfabetismo. Na época já tinham as professoras Anatalia, que ensinava na Santana, Mira de Cizeca, Lucia de Antonio Pixane, que ensinava no Mamote e eram professoras leigas.

Em 1962, chegou a Pintadas a professora Eliete, da Cidade de Campo Formoso, para ensinar na Escola Rural de Pintadas e por ela ser devota de Santo Antônio a referida Escola passou a ser chamada Escola Estadual de 1º Grau Santo Antônio, não se

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adaptando, por alguns fatores, voltou para sua terra. Em 1963 chegaram as professoras Joanice Guimarães da Silva e Zilda Dias da Silva13, também de Campo Formoso, para dar continuidade ao trabalho já iniciado. Até final da década de 60 só existiam escola de alfabetização e de primeira à quarta série em Pintadas. Tanto Zilda quanto Joanice chegaram bastante jovens após conclusão do curso normal. Com o passar do tempo foram se inserindo na vida social, cultural, política e religiosa, envolvendo as pessoas na luta em defesa dos direitos básicos.

Constituíram famílias com o passar dos anos, tiveram filhos e netos. Foram duas jovens que chegaram com os mesmos objetivos de educadoras, embora no que se refere ao envolvimento político, Zilda sempre se destacou por ser bastante determinada, audaciosa, inquieta. Já a professora Joanice sempre teve uma personalidade mais tranquila e assumia o papel de conselheira e mediadora de conflitos, mulher bastante religiosa e que trazia na sua vida a espiritualidade como o equilíbrio da sua ação concreta. Ambas tiveram um ato de muita coragem ao deixar as suas famílias e vir morar num lugarejo pobre e com poucas opções da vida moderna. As suas presenças foram bastante relevantes pelo dinamismo, coragem e luta, em defesa de uma educação de qualidade e equitativa para todos.

No início dos anos 1970, foi construída a primeira escola de quinta a oitava série. O Centro Educacional Cenecista14 (CNEC) foi uma experiência pioneira no

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A professora Zilda Dias da Silva nasceu em Campo Formoso, Bahia, em 03 de setembro de 1940. Oriunda de uma família sertaneja, negra, pobre e agricultora. A mais nova de uma família de seis filhos e a única a ter a oportunidade de estudar. Realizou seus estudos no Ginásio Augusto Galvão em Campo Formoso, onde se formou professora de nível primário em 1963. Neste mesmo ano aceitou o convite do Sr. Angelino Cedraz para lecionar em Pintadas. A partir de então se dedicou intensivamente ao magistério por 30 anos, até a sua morte em 1992. Casou-se em 1964 com o Sr. Daniel Nepomuceno da Silva. Tornou-se uma líder política expressiva e carismática. De seu casamento nasceram oito filhos, dos quais quatro atuam no magistério, as professoras Zildene Dias, Nara Lucia, Denise Dias e Lessyvânia Dias. Daniel Junior e Lecivaldo que atuam em uma empresa de consultoria de contabilidade (História da Escola Zilda Dias da Silva).

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Fundada em 1943, na cidade de Recife/PE, como Campanha do Ginasiano Pobre, a CNEC nasceu do ideal de um grupo de estudantes universitários que, liderados pelo professor Felipe Tiago Gomes, resolveu contrariar a situação instalada – a escola como privilégio de poucos – oferecendo ensino gratuito a jovens carentes. Nasceu desse ideal a primeira unidade da CNEC – o Ginásio Castro Alves. O trabalho voluntário de seus idealizadores se propagou pelo Brasil, comemorando adesões e compromissos e transformando a Campanha do Ginasiano Pobre, que inicialmente abrigava pedidos de ajuda e orientações para a criação de unidades escolares, na Campanha Nacional de Escolas da Comunidade (CNEC), reconhecida como o mais expressivo movimento de educação comunitária existente na América Latina. Fonte: http://correadearaujo.cnec.br/institucional/historia/.

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processo de organização da comunidade local para oferecer as crianças e jovens uma educação de qualidade inspirada em uma experiência em Recife na década de 1940, idealizada por um jovem e que foi se espalhando por todo o Brasil. As famílias pagavam a mensalidade para manter seus filhos na escola, fato que limitou o acesso de muitos jovens na época, por serem filhos de famílias carentes. Com esse mesmo objetivo, a comunidade buscou a criação e regulamentação de uma escola de 2º Grau, pois até então, as pessoas que desejassem estudar teriam que residir em cidades próximas como Mairi e Ipirá, uma vez que essa escola não existia em Pintadas. Só em 1982 começou a funcionar a Escola Normal de Pintadas e assim as primeiras turmas se formaram na década de 1980 apoiadas pela presença de professores que estudaram fora e voltaram para lecionar em Pintadas.

Não era fácil sair para estudar fora, principalmente em se tratando de uma mãe solteira, com filhos pequenos, pobre sem parentes em Ipirá como relata a professora Ana Mendes. A mesma, com a sua determinação e ousadia, teve que romper dentro dela mesma os limites de uma sociedade conservadora para dar o passo seguinte e quebrar os preconceitos da época. Segundo ela, deixou seus filhos pequenos com a sua mãe e os dois mais velhos foram estudar fora.

Quando vim estudar em Ipirá, eu fiz o seguinte foi eu e Marilda, Plorinho já estava lá na casa de padre Alcides Cardoso. Eu pensava Meu Deus eu só posso crescer na vida se eu estudar, mas eu não tinha coragem de falar desse grande sonho, eu tinha vergonha, de dizer ao povo que ia estudar. Mas eu tinha esse desejo bem forte, até que chegou um dia e eu decidi. A minha viagem foi assim: eu pensei a noite, arrumei a mala, conversei com mamãe, ninguém soube disso em Pintadas. Quando cheguei em Ipirá, era o último dia da matrícula no Polivalente, eu cheguei no bar de Afonso tirei a mala botei no chão e sentei em cima, e disse: pra onde eu vou?” (Ana Mendes de Lima, 2015).

O testemunho da professora Ana Mendes reflete a batalha traçada pelas diversas mulheres pintadenses que despertou o sentimento de coragem e o espírito de liderança desde muito cedo e não se limitou aos padrões estabelecidos da Igreja e da sociedade da época mas foram a luta em busca das suas metas e ideais. Havia, então, um sentimento de muita responsabilidade com a defesa das causas sociais da comunidade.

A presença da mulher e da juventude na educação em Pintadas é bastante intensa e relevante uma vez que chegaram professoras jovens para morar e se juntaram às mobilizações locais da juventude e que, em sua maioria, eram mulheres. Já na década

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de 1970 aparecem diversos sinais de organização e de participação comunitária, tanto para defender os direitos de uma educação de qualidade quanto para lutar para agilizar o processo de emancipação política (Julita Trindade, 2015)

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