• Nenhum resultado encontrado

Mulheres que tecem os fios do desenvolvimento social de Pintadas-Ba

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "Mulheres que tecem os fios do desenvolvimento social de Pintadas-Ba"

Copied!
115
0
0

Texto

(1)

1

UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS INTERDISCIPLINARES MULHERES, GÊNERO E FEMINISMO

CLEIDENEA BASTOS DE ALMEIDA

MULHERES QUE TECEM OS FIOS DO

DESENVOLVIMENTO SOCIAL DE PINTADAS-BA

Salvador

2016

(2)

2

CLEIDENEA BASTOS DE ALMEIDA

MULHERES QUE TECEM OS FIOS DO

DESENVOLVIMENTO SOCIAL DE PINTADAS-BA

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-graduação em Estudos Interdisciplinares de Mulheres, Gênero e Feminismo, da Universidade Federal da Bahia, como requisito básico para a obtenção do título de mestra.

Orientadora: Profa. Dra. Iole Macedo Vanin.

Salvador

2016

(3)

Ficha catalográfica elaborada pelo Sistema Universitário de Bibliotecas (SIBI/UFBA), com os dados fornecidos pelo(a) autor(a).

Bastos de Almeida, Cleidenea

Mulheres que Tecem os Fios do Desenvolvimento Social de Pintadas - BA / Cleidenea Bastos de Almeida. -- Salvador, 2016.

114 f. : il

Orientador: Profa. Dra. Iole Macedo Vanin.

Dissertação (Mestrado - Estudos Interdisciplinares Mulheres, Gênero e Feminismo - PPGNEIM)

--Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, 2016.

1. Rede. 2. Movimento Social. 3. Gênero. 4. Empoderamento. 5. Feminismo. I. Macedo Vanin, Profa. Dra. Iole. II. Título.

(4)

3

CLEIDENEA BASTOS DE ALMEIDA

MULHERES QUE TECEM OS FIOS DO

DESENVOLVIMENTO SOCIAL DE PINTADAS-BA

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-graduação em Estudos Interdisciplinares de Mulheres, Gênero e Feminismo, da Universidade Federal da Bahia,

como requisito básico para a obtenção do título de mestra

.

Aprovada em 06 de janeiro de 2016

Iole MacedoVanin – Orientadora__________________________________

Mestre e Doutora em História pela Universidade Federal da Bahia

Lina Maria Brandão de Aras_____________________________________

Mestre em História pela Universidade Federal de Pernambuco e Doutora

em História Social pela Universidade de São Paulo

Marcia Santana Tavares_________________________________________

Mestre em Sociologia pela Universidade Federal de Sergipe, e Doutora em

Ciências Sociais pela Universidade Federal da Bahia

(5)

4

AGRADECIMENTOS

À Profa. Dra. Iole Vanin, pela competência e cuidado com que orientou este trabalho e pelos conhecimentos transmitidos ao longo da minha formação acadêmica. E pela sua militância e compromisso com as causas sociais, bem como o seu envolvimento político em defesa da democracia e de uma sociedade igualitária.

À Doutora Lourivânia Soares pelo incentivo e encorajamento para entrar no mestrado, o apoio direto e incansável durante esta jornada, que me ajudou a superar os momentos de dúvidas e incertezas e me encorajou para chegar ao fim deste trabalho. Às vezes me suportou e me entendeu, papel que boas amigas são capazes de fazer.

Ao Mestre Manoel Bastos, pela paciência e incentivo. Com muito amor envolvido, admiração e respeito, sempre ao meu lado me estimulando a olhar pra frente na certeza de dar um passo largo no meu crescimento profissional e intelectual ao passo de me tornar uma pessoa melhor, com quem compartilhei muitos momentos bons e outros nem tanto, mas que juntos construímos um espaço de troca de saberes.

À Coordenação do NEIM e as colegas da sala pelo apoio recebido.

A Associação de Mulheres Pintadenses, com vivências práticas em defesa da equidade de gênero me fez e faz crescer e aprender além de me proporcionar preciosas informações e buscas que foram dialogando com a construção desse trabalho.

A minha família, pais e irmãs, pela ajuda e incentivo ao longo da minha história de vida. Sou infinitamente grata pelo respeito às minhas escolhas.

A Neusa Cadore, Julita Trindade, Reijane Fernandes e Ana Mendes a minha gratidão por terem aceitado contribuir com as suas histórias de vida, sem as quais esse trabalho não teria sido possível. Obrigada pela disponibilidade de tempo para a socialização de seus saberes, confiança, e envolvimento na história de Pintadas.

(6)

5

A minha prima Mestra Gloriete Santos que mesmo longe se fez tão perto, por está vivenciando essa mesma experiência de pesquisa, obrigada por compreender e ter participado indiretamente desse importante passo em minha vida.

Aos colegas de trabalho do Mandato da Gente, e a equipe de trabalho da Rede Pintadas que estiveram todo o tempo torcendo por mim.

Ao Deus da vida, fonte inesgotável de inspiração, a minha profunda gratidão por ter me acompanhado durante a realização deste trabalho, por ter me cuidado em muitos níveis, fortalecendo a minha fé e conduzindo os meus passos nos momentos mais difíceis dessa trajetória.

(7)

6

Se a humanidade perde a sua voz Não tenho medo de entoar canções Fazer valer direitos pra saborear

Melhor o tempo que nos guia Sabedoria popular Que habita os confins de nossa terra

Passageiros dessa nave-mãe Que encerra a lida de um povo livre.

(8)

7

ALMEIDA, Cleidenea Bastos de. Mulheres Que Teçem os Fios do Desenvolvimento Social de Pintadas-BA. Dissertação de mestrado do programa de pós-graduação em estudos sobre mulher.

RESUMO

A presente dissertação analisa a participação das mulheres no desenvolvimento social da cidade de Pintadas-BA e tem como finalidade, discutir o processo de desenvolvimento local através do diálogo e articulação em rede como instrumento balizador da organização das mulheres. A discussão proposta é a trajetória do movimento social de Pintadas e a sua evolução política, analisando as pesquisas e documentários com destaque para a experiência de quatro mulheres que residem nesta cidade e que participaram em períodos diferentes de espaços efetivos de poder, no processo de articulação das organizações locais, ocupando cargos políticos, gerenciamento de ONGs, mobilização e fomento de grupos de jovens, grupos de mulheres, entre outros. Foi feita uma analise da contribuição dessas mulheres no processo de desenvolvimento local numa perspectiva social, cultural, economica, poítica e religiosa, nos últimos trinta anos, verificando se as ações realizadas por estas mulheres, possibilitam a construção de autonomia, tanto nos grupos nos quais atuam, bem como em suas vidas particulares, no âmbito das relações familiares. Buscou-se entender os principais desafios apontados no processo de gestão e organização dos movimentos dos quais participam, além de tentar visualizar e identificar a pluralidade histórica e cultural de Pintadas e quais foram os fatores relevantes que levaram essas mulheres a um processo emancipatório e de empoderamento, enquanto sujeitos políticos comprometidas com a transformação social, quebrando preconceitos e paradigmas que fragilizam a força da mulher apenas por ser do sexo feminino. A partir da abordagem teórica foi utilizada a metodologia qualitativa, numa perspectiva feminista, através do estudo de caso da vivência da Rede Pintadas, que é considerada referência regional de participação, articulação e promoção do desenvolvimento local sustentável. Assim, a história das mulheres de Pintadas reafirma tecidos importantes na organização social, traçando um perfil estratégico da emancipação das mulheres e conquista de direitos e de autonomia, rompendo um ciclo de opressão e coisificação destas nos espaços que atuam. Neste sentido, a reflexão proposta, acerca da autonomia das mulheres é pautada nas concepções feministas, de gênero, visibilizando os elementos de transformação e resistência adotados pelas mulheres, dentro de suas organizações e fora delas, no acesso efetivo às políticas públicas e a igualdade de direitos.

Palavras chave: Rede - Movimento Social – Gênero – Empoderamento - Feminismo –

(9)

8

ALMEIDA, Cleidenea Bastos de. Women Who Hold the Wires of Social Development of Pintadas-BA. Master's thesis of the post-graduate program in studies on women.

ABSTRACT

This dissertation analyzes the participation of women in the social development in the city of Pintadas-BA and aims to discuss the process of local development through dialogue and networking as a tool to guide the local organization of the women. The proposed discussion is the trajectory of the social movement of Pintadas city and its political evolution, analyzing the researches and documentaries highlighting the experience of four women who lived in this city and who participated in different periods of effective power spaces, in the articulation process of local organizations, holding political positions, managing NGOs, mobilizing and promoting youth groups, women's groups, among others. It was made an analysis of the contribution of these women in the process of local development from a social, cultural, economic, political and religious perspective, in the last thirty years, verifying that the actions carried out by these women allow the construction of autonomy, both in groups in which as well as in their private lives, in the context of family relations. It was sought to understand the main challenges pointed out in the process of management and organization of the movements in which they participate, in addition to trying to visualize and identify the historical and cultural plurality of Pintadas city and what were the relevant factors that led these women to an emancipatory and empowering process, as political subjects committed to social transformation, breaking down preconceptions and paradigms that weaken the strength of women only because they are female. Based on the theoretical approach, the qualitative methodology was used in a feminist perspective, through the case study of the Pintadas Network experience, which is considered a regional reference for participation, articulation and promotion of sustainable local development. Thus, the history of the women of this city, reaffirms important fabrics in the social organization, tracing a strategic profile of the emancipation of women and conquest of rights and autonomy, breaking a cycle of oppression and the little value of these women in the spaces that act. In this sense, the proposed reflection on the autonomy of women is based on feminist conceptions of gender, making visible the elements of transformation and resistance adopted by women within and outside their organizations in effective access to public policies and equality of rights.

Keywords: Network - Social Movements - Gender - Empowerment - Feminism - Women

(10)

9

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

CEBs – Comunidades Eclesiais de Base

IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística SEI – Superintendência de Estudos Econômicos da Bahia SEPLAN – Secretaria de Planejamento do Estado da Bahia PIB - Produto Interno Bruto

ONGs – Organização Não Governamental

STR - Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Pintadas CCSP – Centro Comunitário de Serviços de Pintadas JPL – Jovens a Procura da Libertação

CNEC – Campanha Nacional de Escolas da Comunidade SICOOB SERTÃO – Banco Cooperativo do Brasil COOAP – Cooperativa Agroindustrial de Pintadas

RENASCER – Associação Cultural e Beneficente Padre Ricardo EFAP – Associação Mantenedora Escola Família Agrícola ASA – Associação dos Apicultores de Pintadas

UFBA – Universidade Estadual da Bahia CESE – Centro Ecumênico de Serviços

DED – Serviço Alemão de Cooperação Técnica e Social BNDS – O Banco Nacional de Desenvolvimento

AMP – Associação de Mulheres Pintadenses

CFEMEA – Centro Feminista de Estudos e Acessória

UNICAFES – União das Cooperativas da Agricultura Familiar e Economia Solidária do Estado da Bahia

(11)

10

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 10 Descrição da pesquisa...17 CAPÍTULO I Pintadas: fios trançados na história ... 24

1.1 A história pintada de solidariedade ... 24

1.2 Das vacas pintadas às transformações sociais ... 31

1.3 Pintadas e suas caracteristicas do sertão...36

1.4 A presença das mulheres na educação de Pintadas ... 39

1.5 Migração e participação da mulher no contexto econômico ... 44

1.6 Contexto de fé e organização social ... 49

CAPÍTULO II Fios em movimento que tecem a vida das mulheres ... 55

2.1 Interfaces do empodeiramento trançados em rede... 55

2.2 Articulaçãao em rede como vetor de participação ... 63

2.3 Mulheres engendradas no cotidiano de Pintadas ... 69

2.4 Feminismos e suas bandeiras: avanço nas lutas das mulheres ... 74

CAPÍTULO III Mulheres que marcaram a história ... 82

3.1 Anas, Neusas, Julitas, Rejanes: Mulheres de Pintadas e suas histórias ... 83

3.1.1 Ana Mendes de Lima...83

3.1.2 Julita Trindade de Almeida ...86

3.1.3 Neusa Cadore ...88

3.1.4 Rejane Fernandes ...91

3.2 Analisando as vivências ... 93

CONCLUSÕES FINAIS ...103

(12)

11

INTRODUÇÃO

“Eu insisto em cantar, diferente do que eu ouvi, seja como for recomeçar. Nada há, mas há de vir.

Me disseram que sonhar é ingênuo, e daí?

Nossa geração não quer sonhar, pois que sonhe a que há de vir” Osvaldo Montenegro

Não é tarefa fácil escrever a história das mulheres, inclusive pelo fato de terem sido invisibilizadas, oprimidas, silenciadas e excluídas da história convencional durante séculos. Neste sentido, Perrot (1992) afirma que “durante séculos, a mulher foi excluída dos estudos de história”. Foi somente a partir dos anos 1970, mais precisamente, que os estudos de gênero e feminismo emergem como um campo importante das pesquisas historiográficas. No Brasil, a história das mulheres está concentrada, sobretudo, no Sul e Sudeste do país e este fato se confirma por encontrarmos poucos estudos específicos sobre a história da Bahia e de outros estados do Nordeste, a parti do enfoque de gênero, tendo as mulheres como protagonistas.

Os poucos estudos existentes estão centralizados nas capitais e regiões metropolitanas como, por exemplo, em Salvador e recôncavo baiano. Em função dessa invisibilidade se faz necessário contextualizar questões de gênero, relações de poder, construção histórica, cultural, atuação política, social, religiosa, bem como a vida cotidiana das que moram nas regiões do semiárido. A introdução do livro “Fazendo Gênero na Historiografia Baiana", questiona a história tradicional e faz um panorama da historiografia da Bahia que, em linhas gerais, pode ser ainda considerado válido.

“Fazer gênero na historiografia baiana significa revisitá-la tendo como fio condutor, um olhar questionador quanto a história tradicional, fazendo emergir as relações de gênero e as experiências femininas e masculinas nelas tecidas ao longo da nossa história. Trata-se de um caminho, que no panorama nacional, vem há anos sendo traçado com determinação e o devido reconhecimento, mais que, no caso da Bahia ainda está por ser desbravado com maior vigor” (SARDENBERG, VANIN, ARAS, 2001. p. 9-10).

Ao longo da história das mulheres as suas vozes eram silenciadas, as poucas fontes oficiais existentes, eram escritas pelas vozes de outras pessoas, majoritariamente as vozes masculinas. Isso porque culturalmente a mulher esteve destinada, ao ambiente privado, domestico, fato que justificou por séculos a ausência destas nas fontes oficiais. Para Michelle Perrot, "Essa exclusão, aliás, não é senão a tradução redobrada de outra

(13)

12

exclusão: a das mulheres em relação à vida e ao espaço público na Europa Ocidental no século XIX”. E a mesma autora complementa, “Pois esse silêncio, imposto pela ordem simbólica, não é somente o silêncio da fala, mas também o da expressão, gestual e escrituraria

Neste sentido, estudar a história das mulheres de Pintadas é de extrema relevância por trazer para as páginas da historiografia desta cidade as vozes que sempre foram silenciadas. Assim, esse será apenas um passo, através da escrita para dar o devido destaque às estas personagens históricas.

É nesta perspectiva que a filósofa Simone de Beauvoir, em sua obra O Segundo Sexo1, reafirmou a incompletude da história, pois, embora pretendesse universalizar, na realidade desconsiderava uma metade da humanidade, sendo esta as mulheres. Ainda sobre essa temática, Alda Brito, Cecília Sardenberg e Marcia Gomes, fazem uma releitura de forma crítica do feminismo com foco na mulher e das relações de gênero. Nota-se que as circunstâncias históricas determinam um destino feminino, mas não é um destino para a mulher, de modo geral, como se pode imaginar (MOTTA; SARDENBERG; GOMES, 2000, 17), pois em se tratando da mulher latino-americana, pobre, negra, analfabeta, o nível de desigualdade ainda é maior em relação a mulher branca, de classe média alta.

A partir de Beauvoir (1949) surgem questionamentos e reflexões acerca do determinismo biológico que, ao longo da história, tem provocado a desigualdade e condenado a mulher a uma posição inferior ao homem. Esses questionamentos e reflexões quebram as paredes do silêncio e entram nas páginas da história, através das diversas publicações que versam sobre as temáticas de gênero, feminismo, mulheres, através de publicações de livros, artigos, revistas especializadas, teses, dissertações, documentários e simpósios temáticos, ampliando o campo dos estudos de gênero e feminismo.

Os estudos sobre gênero e feminismo, no Brasil e no mundo, têm sido responsáveis pela quebra de paradigmas construídos ao longo dos anos e que reforçou

1 “O segundo sexo de Simone de Beauvoir, publicado originalmente na França, em 1949, quando a

Europa ainda se recuperava das feridas abertas pela Segunda Guerra Mundial, o livro é um amplo tratado sobre a questão da mulher, na perspectiva existencialista. Faz a crítica, ao determinismo biológico, as abordagens psíquicas e ao materialismo histórico, argumentando que mulher é uma construção social, historicamente determinada, construída no pensamento ocidental como o outro. Inicia com a famosa frase, não se nasce mulher, torna-se mulher”. (MOTTA; SARDENBERGE; GOMES, 2000, p 10)

(14)

13

os estudos do patriarcado como um modelo de organização social, responsável por subjugar as mulheres ao passo que vai colocando o homem no centro da história e das estruturas hierárquicas. Com isso, a cada dia tem-se procurado desconstruir estereótipos de um padrão de sociedade onde as mulheres foram colocadas à margem para servir e fortalecer as estruturas patriarcais.

É nesse lugar definido socialmente para a mulher que Bourdieu (2010) chama a atenção para a dominação masculina enquanto um fator que envolve a dimensão simbólica inconsciente e as representações sociais dessa dominação. O conceito de patriarcado permite visualizar nestes dois âmbitos, a dominação e a exploração das mulheres, que estão estreitamente interligados. Essa dominação dos homens sobre as mulheres permite visualizar que não está presente somente na esfera familiar, no trabalho, na mídia ou na política.

O patriarcado compõe a dinâmica social como um todo, estando inclusive, internalizado no inconsciente de homens e mulheres individualmente e coletivamente, ou seja, vem sendo reproduzido dentro dessa cultura machista e opressora. Heleieth Saffioti afirma que há uma clivagem no interior do feminismo marxista, entre aqueles que acreditam ser o patriarcado uma “[...] organização social de gênero autônoma, convivendo, de maneira subordinada, com a estrutura de classes sociais” (SAFFIOTI, 1992: 194).

Em se tratando do contexto social Saffioti (2013), afirma que a opressão da mulher se dá de forma universal e indiscutível, razão pela qual mulheres do mundo inteiro, em diferentes períodos históricos, encontraram no feminismo a oportunidade de uma intervenção política. Essa participação e busca em defesa da igualdade e garantia de direitos faz parte da pauta feminista que deflagrou-se efetivamente no século XX, questionando a determinação cultural, simbólica sobre o que, é ser mulher na sociedade e a importância de transformação da cultura patriarcal. Foi no final da década de 1970 que começou o debate sobre "igualdade versus diferença" (Pierucci, 1990), onde igualdade, diferença, cultura e natureza aparecem como categorias que se intercruzam e tornam conflituoso o debate feminista.

Assim, Joan Scott (1988) reforça a necessidade de intensificar a análise para o conceito de gênero, para além de um mero instrumento descritivo e chama a atenção para pensar a linguagem, os símbolos, as instituições e sair do pensamento que recai no binômio homem/mulher, masculino/feminino, igualdade/diferença, natureza/cultura.

(15)

14

Esses conceitos começam a ser desconstruídos devido à fragilidade de suas categorias, que não encerram em si nenhum significado último ou fixo, mas consideradas vazias e transbordantes (Scott, 1988).

A metodologia, na perspectiva feminista, reflete a prática da ciência a partir de uma nova ótica como instrumento de permanente apreciação da atividade científica, dos seus múltiplos agentes e interlocutores/as e dos procedimentos que a ela presidem.

Destaca-se uma metodologia diferenciada assumida pela história social, na qual se engajam correntes marxistas, cuja preocupação incide sobre as identidades coletivas de uma ampla variedade de grupos sociais, até então excluídos do interesse da história: operários(as), camponeses(as), escravos(as), ciganos(as), prostitutas, ou seja, as pessoas comuns. Pluralizam-se os objetos de investigação histórica e as mulheres passam à condição de objeto e sujeitos da história.

Assim, a aplicabilidade da metodologia na perspectiva feminista, assume uma importância crescente nos estudos sobre as mulheres. Dessa forma, as transformações na historiografia, articuladas à ascensão do feminismo, a partir de fins da década de 1960, tiveram papel decisivo no processo de interferir nas estruturas das ciências fazendo com que as mulheres demarquem espaços simbólicos historicamente conquistados sendo sujeito da História.

As ciências sociais, durante décadas, invocaram a chancela da objetividade como garantia da produção de discursos científicos independentes, fidedignos, verdadeiros e universais. Essa é uma aparente ilusão de controle da objetividade que fez emanar, por parte de novas correntes epistemológicas, uma série de críticas ao positivismo, patenteadas na defesa de formas optativas de ler e construir a realidade e os discursos dos seus múltiplos agentes, levando em consideração questões como a reflexão, o equilíbrio de poder e a igualdade nas relações de investigação. Com base em várias abordagens críticas que levantaram a voz contra a manutenção de um sistema científico alienado das estruturas de poder, as correntes feministas tiveram seguramente um papel de relevo, pelo fato de terem reiterado a indispensabilidade de se contestar a ordem dominante das ciências sociais.

Torna-se necessário analisar os novos paradigmas modernos apontados nas ciências sociais. Por ser um modelo demonstrativo relevante da utilização das reflexões acerca das ciências sociais e das metodologias na perspectiva feminista analisadas e refletidas intencionalmente sobre os mais variados aspectos inerentes a essa pesquisa

(16)

15

Para Rago (2000), os estudos das mulheres inovaram profundamente a historiografia ao trazer não apenas o “sexo frágil” para o cenário histórico, mas a própria cultura feminina, abordando temas ligados ao seu universo cultural, social e sexual, dando visibilidade ao espaço privado.

O feminismo questionou a lógica da identidade e das oposições binárias que construíam a interpretação masculina do mundo (RAGO, 2000, p.53). Ana Alice Costa (2005) vai mais além ao apontar que:

O feminismo enfrentou o autoritarismo da ditadura militar construindo novos espaços públicos democráticos, ao mesmo tempo em que se rebelava contra o autoritarismo patriarcal presente na família, na escola, nos espaços de trabalho, e também no Estado. Descobriu que não era impossível manter a autonomia ideológica e organizativa e interagir com os partidos políticos, com os sindicatos, com outros movimentos sociais, com o Estado e até mesmo com organismos supranacionais. Rompeu fronteiras, criando, em especial, novos espaços de interlocução e atuação, possibilitando o florescer de novas práticas, novas iniciativas e identidades feministas (COSTA, 2005 p. 9–35).

Ainda para Costa (2005), esse não é o ponto final do movimento, a cada vitória surgem novas demandas e novos enfrentamentos, o feminismo está longe de ser um consenso na sociedade brasileira, haja vista as resistências culturais e políticas no que tange a implantação de políticas especiais para mulheres, ainda nos dias de hoje. Nesse ínterim, Gebara (2001) assevera que o feminismo está a serviço do questionamento de papéis e lugares hierarquizados para homens e mulheres, onde a inequidade de direitos é patente. “O feminismo é para não aceitar o poder que está distribuído de forma desigual entre os sexos. É para desnaturalizar as injustiças tidas como normalidades”. (GEBARA, 2001, p. 12).

Foram traçados, então, os principais campos de reflexão focados nas categorias analíticas de gênero, feminismo e organização social. Muitas dessas mulheres se inseriram no contexto do desenvolvimento local através da participação nas organizações sociais de Pintadas, principalmente as que tiveram a sua base de formação nas CEBs - Comunidades Eclesiais de Bases2. Elas atuavam na condição de sujeitos

2 As Comunidades Eclesiais de Base, que surgiram no Brasil no final dos anos 60, se inserem na situação

dos setores populares e tentam vivê-la à luz da Fé e do Evangelho. Boff enfatiza que a "novidade" das CEBs está em seu modo peculiar de ser comunidade, condensado em duas características: participação "democrática" e compromisso "libertador" (Boff, 1997: 189).

(17)

16

políticos embora não se reconhecessem feministas. Com o passar dos anos foram sendo absorvidas no movimento de mulheres pautado pela igualdade de direitos, o enfrentamento a todas as formas de violência, a efetiva participação social e a ocupação de espaços de poder e decisão.

Os desafios impostos para o desenvolvimento dessa pesquisa são de relevantes proporções, uma vez que em Pintadas não existe a disponibilidade de documentos escritos ou digitais descrevendo a história das mulheres. Há algumas pesquisas e documentários que discutem o desenvolvimento local sustentável e a experiência de articulação em Rede, através da instituição jurídica denominada Associação das Entidades de Apoio ao Desenvolvimento Sustentável de Pintadas. Razão pela qual há a necessidade de desenvolver uma pesquisa, capaz de elaborar conceitos, contextualizados com a realidade local, trazendo as vivências das mulheres que participaram e participam da construção e organização em Rede, interagindo com os movimentos sociais, atuantes na política, tendo como foco as mulheres enquanto sujeitos transformadores inseridos no contexto local.

O semiárido brasileiro, região em que se localiza o município em estudo, encerra aspectos culturais próprios, não sendo uma realidade homogênea que reflete na vida das mulheres. Trazendo uma discursão mais contundente para a caracterização do semiárido, Soares (2011) descreve:

O clima da região é caracterizado por temperatura elevada e alto índice de evaporação. As precipitações chuvosas são inferiores a 800 mm por ano e acontecem em períodos irregulares. Além disso, aproximadamente 80% do solo da região é formado por rochas cristalinas que dificulta a acumulação de água (SOARES, 2011, p. 63).

Ainda sobre osemiárido, Soares (2011) afirma que “poucas vezes encontramos trabalhos que se debruçam sobre as novas produções de representação desse lugar, forjado, principalmente pelo discurso da seca e através dos processos socioculturais que estabeleceram para ele um lugar natural do País.”

O semiárido reúne municípios com características que vão muito além do baixo índice de chuvas, em geral, chove menos de 800 mm por ano. Se caracterizam também pela falta de infraestrutura, na falta de um sistema de transporte eficiente que interligue

(18)

17

a região, na ausência de uma rede que estruture a produção econômica, ou na inexistência de saneamento público.

É notória a diferença existente entre esta região e as demais regiões do país, desde a paisagem própria da caatinga que a maior parte do ano apresenta uma cor que varia entre o cinza e preto como resultado da seca, muito diferente do verde que predomina na maior parte do território brasileiro. Outro ponto que diferencia a região semiárida são os leitos ressecados de rios temporários que muitas vezes permanecem anos sem correr água por conta das longas estiagens e principalmente por conta da devastação ambiental.

O Censo de 2010 do IBGE mostra que a Bahia é o estado que abriga, em termos absolutos, o maior número de famílias com baixa renda em todo o país. Os dados mostram que aproximadamente 2,4 milhões de baianos, 15% do total nacional, vivem com uma renda mensal de até R$ 70,00 (setenta reais) na Bahia. Quando o olhar recai sobre o Semiárido baiano, os números são mais alarmantes. É lá onde vivem 61% dos baianos, quase 1,6 milhão de pessoas, (IBGE 2010)

Durante muitos anos o fenômeno da seca explicava, em parte, a aridez social e econômica desta região, combinando a isso a falta de políticas públicas, que atenda as especificidades de cada município e o fortalecimento de uma teia que interligue essas regiões ao restante do Estado. As políticas sociais como: acesso a água para o consumo humano e para a produção, Programa Luz para Todos com eletrificação rural, acesso ao crédito, Programa Minha Casa Minha Vida, a aposentadoria rural, aplicação de novas tecnologias na agricultura familiar, entre outras políticas, tem provocado um grande impacto nas famílias do semiárido ao longo das últimas décadas.

Segundo dados da Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia (SEI), órgão ligado à Secretaria do Planejamento (Seplan), o PIB do Semiárido beira os R$ 38 milhões (trinta e oito milhões), o equivalente a 28% da riqueza produzida pelo Estado. A figura abaixo vem ilustrar o isolamento geográfico do Semiárido impactando na produção da economia ao longo dos anos:

(19)

18 Dados: IBGE (2010)

Nesse contexto de escassez de chuvas, Pintadas está inserida e foi motivada a ultrapassar as barreiras do pouco investimento público para o semiárido durante anos e buscou alternativas para a superação das desigualdades através das organizações comunitárias alternativas de desenvolvimento local através de parcerias entre governos e organizações não governamentais e de representação social.

O desenvolvimento local foi possível por intermédio do protagonismo peculiar do município, através de parcerias nacionais e internacionais articuladas pela Rede Pintadas, das decisões e esforços dos atores e atrizes sociais organizados em torno do objetivo de re-significação da sua própria história. Portanto, o desenvolvimento é produzido por pessoas, não é um resultado automático de crescimento econômico.

(20)

19 Descrição da Pesquisa

O motivo de estar inserida no contexto da história de Pintadas, fez nascer o desejo de analisar o engajamento efetivo das mulheres em suas atividades, valorizando as experiências ali processadas, a construção e a troca de saberes evidenciam a riqueza e a sua dinâmica própria, bem como a participação social, religiosa e política no município de Pintadas - Bahia.

Nesse percurso, um dos maiores aprendizados foi o de estar atenta para o enfrentamento constante às diversas formas de desigualdades de gênero, fato que acontece ao longo das ações estruturantes e na luta em defesa da autonomia e inclusão social das mulheres de forma integrada.

A definição do objeto de estudo tem um vínculo profundo com a trajetória de vida, da pesquisadora, tanto dentro da academia quanto no campo profissional e, principalmente, na militância e inserção da vida política, social e religiosa

O processo de definição do caminho a ser seguido nesta pesquisa, foi uma oportunidade de conhecer com afinco o papel dos movimentos sociais e sua importante contribuição na construção de uma consciência crítica de gênero. Para chegar a esse resultado será analisadas documentos e entrevistas de campo de mulheres que fizeram parte do contexto histórico local.

O objeto do presente estudo é investigar como a Rede Pintadas, ao promover o desenvolvimento local, constituiu-se em um fator favorável ao empoderamento das mulheres e quais as reproduções e/ou rupturas com o modelo tradicional da participação política no processo de Desenvolvimento Local.

A pesquisa foi desenvolvida de forma processual, ao longo do curso, conforme as provocações de algumas disciplinas cursadas como Teoria Feminista, Gênero e Poder, Gênero e História, Gênero e Linguagem, História da Mulher na América Latina, entre outras, que contribuíram com as problematizações e percepção de elementos antes ignorados. Este sentimento despertou a necessidade de compreender com afinco a história da participação social, política e religiosa das mulheres, sob a perspectiva dos estudos de gênero.

Os desafios impostos para o desenvolvimento dessa pesquisa são de relevantes proporções, uma vez que em Pintadas não existe a disponibilidade de documentos escritos ou digitais descrevendo a história das mulheres. Há algumas pesquisas e

(21)

20

documentários que discutem o desenvolvimento local sustentável e a experiência de articulação em Rede, através da instituição jurídica denominada Associação das Entidades de Apoio ao Desenvolvimento Sustentável de Pintadas3, razão pela qual houve a necessidade de desenvolver uma pesquisa cientifica, capaz de elaborar conceitos, contextualizados com a realidade local, trazendo as vivências das mulheres que participaram e participam efetivamente da construção e organização em Rede, interagindo com os movimentos sociais, atuantes na política, tendo como foco as mulheres enquanto sujeitos transformadores inseridos no contexto local.

Fiz uma análise da contribuição das mulheres no processo de desenvolvimento social e político na cidade de Pintadas - BA nos últimos trinta anos. Identifiquei se as ações realizadas por essas mulheres possibilitaram a construção de autonomia, tanto nos grupos organizados nos espaços públicos, quanto em suas vidas particulares, no âmbito das relações familiares.

Além de buscar entender os principais desafios apontados no processo de gestão e organização dos movimentos dos quais participam, foram traçados os principais campos de reflexão focados nas categorias analíticas de gênero, feminismo e organização social.

Esta pesquisa analisa o processo de resistência presente na trajetória dessas mulheres e busca entender como o seu engajamento político representa uma estratégia coletiva de superação das condições de suas vidas. Como já mencionada, a história das pintadenses nunca outrora foi objeto de uma pesquisa acadêmica, portanto essa pesquisa almeja também contribuir para a sistematização e o desvendamento de aspectos, até então, não reconhecidos na trajetória das mulheres baianas.

Neste sentido, a presente pesquisa também contribuirá para que a história das mulheres baianas do interior, bem como sua participação nos movimentos sociais não continue no esquecimento. Não é possível falar de uma história das mulheres e dos feminismos na Bahia se os seus referenciais estão majoritariamente centralizados na capital e no recôncavo. Fazer isso é negar e não perceber a diversidade histórica e suas

3

A Rede Pintadas é uma entidade jurídica formada por 14 organizações não-governamentais que atuam na articulação e promoção do desenvolvimento sustentável de Pintadas e região. Em conjunto com entidades parceiras internas e externas, desde 1999, vem desenvolvendo projetos de valorização do papel da mulher na sociedade, de fortalecimento e sustentabilidade da agricultura familiar na perspectiva de proporcionar qualidade de vida e estímulo à permanência do homem e da mulher no campo. Fonte: http://redebaciadojacuipe.org/rede-pintadas.

(22)

21

lutas e correr o risco de construir uma história da Bahia de forma homogênea, capaz de tornar invisíveis as mulheres que moram no sertão baiano. Falar da história das mulheres, significa tentar reparar, em parte, o silenciamento das mesmas na historiografia uma vez que a pesquisa histórica traz em seu bojo marcas na presença feminina de um domínio sempre reservado aos homens.

A literatura brasileira, no que se refere aos estudos históricos sobre mulheres e ciências naturais, seja de um ponto de vista historiográfico ou que incorporem quaisquer perspectivas feministas, estão colocados de forma incipiente e tímida. Como afirma Santos (2008), hegemonicamente os cientistas ao longo dos anos vem assumindo o monopólio de uma ideologia fundamentada na indústria cientifica.

[...] a comunidade científica estratificou-se, as relações de poder entre cientistas tornaram-se mais autoritárias e desiguais e a esmagadora maioria dos cientistas foi submetida a um processo de proletarização no interior dos laboratórios e dos centros de investigação (SANTOS, 2008, p 58).

É importe o registro historiográfico das pintadenses, uma vez que será fonte disponibilizada para leitura ou pesquisa sobre experiências de mobilização, organização e compreensão do papel político e social das mulheres. É nesse processo que é entendido o quanto é necessário que os resultados da pesquisa podem colaborar com o fortalecimento da organização das mulheres, bem como o empoderamento, servindo como um instrumento de releitura da prática dessas mulheres.

Para estudar a Participação das Mulheres no Desenvolvimento Social de Pintadas, foi de fundamental importância adotar como caminho metodológico a análise das trajetórias de participação políticas de mulheres com entrevistas semiestruturadas, que dialogam com as questões trazidas nos objetivos propostos (FLICK, 2009).

Os depoimentos coletados foram um importante instrumento para a compreensão de quais os principais espaços ocupados pelas mulheres ao longo da história de Pintadas. Foi feito o registro das suas presenças nas organizações, além de relatar o novo momento da história das mulheres no Brasil numa visão renovadora, partindo do contexto local.

Foram entrevistadas quatro mulheres ligadas à gestão de empreendimento com foco econômico, inseridas na mobilização política e na educação, oriundas das CEBs,

(23)

22

presidentas de organizações não governamentais, além de analisar publicações de pesquisadoras e pesquisadores externos que estudaram o desenvolvimento sustentável de Pintadas.

Neste contexto, foi feita uma análise de como se deu o processo das articulações políticas, seus principais instrumentos de organização e os espaços conquistados que garantiram a inserção e participação efetiva das mulheres nos ambientes institucionais e nas bases das lutas dos movimentos sociais.

Foi analisado ainda o processo de evolução do movimento de mulheres em Pintadas em conjunto com as diversas conquistas que norteiam a sua história, desde a luta pela terra, passando pela organização das CEBs, a articulação política e a incansável busca pelo aprendizado da convivência com o semiárido e a emancipação e empoderamento da mulher.

Foi aplicada a pesquisa qualitativa por estar associada à metodologia dos estudos feministas, recorrente do rompimento com pressupostos teóricos metodológicos que suprimiam as mulheres no contexto das ciências, mais acentuados na história social e na ciência política (FLICK, 2009).

A pesquisa teve como ponto de partida a identificação e coleta digital de documentos produzidos que serviram de base para fundamentar a participação social e política das mulheres. Foram utilizados textos das teorias feministas e de historiadoras e historiadores que discutem o tema acerca da historiografia da mulher, sendo feito o registro da memória individual e coletiva através de depoimentos.

O método da História Oral foi importante ferramenta a ser utilizada nessa pesquisa em virtude da escassez de fontes escritas. Ele permite uma mudança de enfoque nos trabalhos históricos, quebra uma visão rígida da objetividade do fato, abrindo a possibilidade de recuperação de maneiras diversas de vivenciar a história (THOMPSON, 1978).

Segundo Thompson (1978), a História Oral é construída sobre pessoas, não só os líderes, mas os integrantes da população que se transformam de "objetos" de estudo em "sujeitos" da história. Esse método, a partir de testemunhos de homens e mulheres, revela indicadores ocultos de um passado recente, mas significativo para organizar um conteúdo mais rico.

A recuperação da memória dentro de uma perspectiva mais ampla, integrará a um processo político, pois tem sido usada como instrumento de poder de setores

(24)

23

dominantes, construindo um discurso oficial sobre a história. Como afirma Le Goff (1984):

Tornar-se senhores da memória e do esquecimento é uma das grandes preocupações das classes, dos grupos, dos indivíduos que dominaram e dominam as sociedades históricas. Os esquecimentos e os silêncios da história são reveladores desses mecanismos de manipulação da memória coletiva. (LE GOFF, 1984, p. 13)

A memória, entretanto, é parte integrante da construção da identidade das mulheres de Pintadas, envolvendo elementos diversificados, não oficiais, não dominantes e que enriquecem a história social. A memória está estruturada pelos papéis sociais a partir de um conjunto de elementos que interferem na reconstituição do passado. A utilização das fontes orais, portanto, permiti trabalhar com esta memória diferenciada, trazendo novas informações sobre aspectos pouco conhecidos do passado recente a partir do que foi vivido cotidianamente pelas mulheres em Pintadas, ao longo da história.

Ou seja, essa pesquisa utiliza relatos orais de mulheres coletados através da “metodologia da história oral”, colhendo seus conhecimentos e experiências do passado interligadas ao presente. Os relatos orais foram importantes ferramentas para identificar a posição social e política das atrizes diretamente envolvidas no processo de construção histórica.

Após definição das amostras foram realizadas as entrevistas estruturadas obedecendo a um roteiro: que se definiu através de 3 eixos: o primeiro referiu-se às relações de gênero; o segundo, sobre a Rede Pintadas; e o terceiro sobre a organização e militância política de mulheres. No conjunto buscou-se apreender a opinião e a impressão de cada entrevistada em relação à política, a sua militância, a compreensão da categoria e das relações de gênero, as conquistas alcançadas no processo de desenvolvimento local, as mudanças provocadas na vida das mulheres, observando as diferentes idades e sua ocupação dos espaços de poder e decisão.

A pesquisa de campo permitiu conhecer a história das mulheres de Pintadas. Foi possível compreender a dinâmica da Rede Pintadas buscando, através de algumas mulheres, uma melhor compreensão da sua natureza e atuação. A pesquisa documental

(25)

24

foi realizada com este intuito. Foram analisadas: Ata de fundação, Estatuto, Regimento Interno, relatórios, planos de ação, projetos.

Além disso foram analisadas publicações, documentários artigos, vídeos e sites que fazem uma abordagem histórica de Pintadas. Esses documentos permitiram conhecer a missão, filosofia, organização, seus sujeitos, além de compreender como se dá as relações de gênero e a divisão sexual do trabalho na Rede Pintadas.

Com a observação direta participante, busca-se captar a dinâmica da participação social e política das mulheres de Pintadas - Bahia, nas diversas atividades desenvolvidas e no seu cotidiano, registrando, a partir da linguagem, do dito e do não dito, dos gestos, das emoções, dos conflitos, dos símbolos, das contradições, das relações de poder.

A dissertação é composta por quatro unidades de estudo. A parte introdutória faz uma abordagem genérica da delimitação do objeto de estudo, das categorias adotadas, da metodologia utilizada e das questões norteadoras da pesquisa.

No primeiro capítulo, foi escrita uma breve história de Pintadas de forma contextualizada com o semiárido, trazendo as influências dos movimentos sociais para construção da política e suas interfaces.

No segundo capítulo foi analisado os conceitos de Rede, além do processo de desenvolvimento local integrado através da história da Rede Pintadas e o movimento social organizado. A partir de uma perspectiva de gênero foi feita uma revisão conceitual, para isso, utilizou-se as acepções de público e de privado em contextos históricos distintos. Além de buscar identificar a presença feminina nos espaços de poder e decisão e o processo de empoderamento das mulheres, foi observado como se dão as relações de gênero no processo de desenvolvimento local. Foi feito um breve histórico da organização das mulheres de Pintadas nas últimas três décadas, explorando sua razão de ser e sua dinâmica enquanto organização política.

No terceiro capítulo foram analisadas as principais fases do Movimento de Mulheres de Pintadas, conceitos de autonomia e empoderamento, além de revisitar o campo da militância política, revendo os conceitos e analisando as bibliografias e as falas das entrevistadas.

Por fim, nas considerações finais foram expostas as reflexões sobre o objeto de estudo, somando ao debate acerca da participação efetiva das mulheres enquanto sujeito transformador da realidade e, em particular, na construção das relações de gênero.

(26)

25

Buscou-se explicitar se de fato a Rede Pintadas que possibilitou espaço para o empoderamento das mulheres ao buscar o desenvolvimento Local de Pintadas.

Capítulo I

Pintadas: fios trançados na história

O teu povo é valente e altivo Pelo empenho da sustentação Tem o sangue de luta nas veias E o amor a cada irmão Ana Mendes de Lima, Hino de Pintadas

Neste capitulo será feita uma abordagem histórica acerca do processo de povoamento de Pintadas, sua origem, como chegaram os primeiros moradores, as questões climáticas, a influência da religiosidade no processo de organização da comunidade além de destacar a presença feminina no tempo e no espaço ao longo da sua história. Para tanto, foram analisados documentos, documentários, autores e autoras que discutem o desenvolvimento local a partir da experiência de Pintadas, entrevistas, entre outros, tendo como foco a presença das mulheres na formação das comunidades, suas influências e protagonismos na educação e, sobretudo, a participação na economia dentro e fora da estrutura familiar.

1.1 A História Pintada de Solidariedade

Ao longo da história da humanidade as mulheres estiveram presentes nos diferentes momentos decisivos, traçaram caminhos, escreveram páginas que durante séculos não puderam publicar. A Escola dos Annales e a História Nova contribuíram com esse novo momento do fazer historiográfico, permitindo a emergência de novos sujeitos na narrativa dos fatos. Isso abriu um campo para os estudos feministas, uma vez que deu espaço, na academia, às pesquisas voltadas para o papel social das mulheres.

(27)

26

Foi a História Social que primeiro se mostrou atenta a história das minorias, dos excluídos, identificando os sujeitos enquanto agentes históricos e transformadores. Conforme Perrot (1955):

“Escrever uma história das mulheres é um empreendimento relativamente novo e revelador de uma profunda transformação: está vinculado estreitamente à concepção de que as mulheres têm uma história e não são apenas destinadas à reprodução, que elas são agentes históricos e possuem uma historicidade relativa às ações cotidianas, uma historicidade das relações entre os sexos.” (1995, p. 9).

É nesse contexto que se pode revisitar a história para compreender o processo de construção social, cultural e político, numa perspectiva do desenvolvimento local a partir da experiência de Pintadas, pensando nas pessoas que construíram e constroem esse lugar, dando um sentido simbólico do valor social, histórico e cultural. Ainda para Perrot (1955), o conhecimento histórico não é só um simples registro das mudanças nas organizações sociais ao longo do tempo, mas também, um instrumento que participa da produção do saber sobre estas organizações.

O filme “Pintada de Solidariedade” faz uma abordagem da história de Pintadas analisando a cultura de organização, solidariedade e envolvimento das pessoas no processo de desenvolvimento local. Busca dar visibilidade as vozes de atrizes e atores internos e externos envolvidos diretamente, como é o caso do professor José Albertino Lordelo,4 um importante colaborador que há quase três décadas contribui com a construção de projetos com foco no desenvolvimento local, que inicia a película dizendo: “O que eu gosto de Pintadas são as pessoas”. Parece simples uma única frase, mas as pessoas as quais ele se refere são comprometidas com um projeto social diferente, são essenciais e simbolicamente relevantes dentro desse contexto da subjetividade que reflete a identidade desse lugar. São pessoas que ao longo da história tem contribuído com o processo de desenvolvimento local sustentável através da mobilização social sobretudo do fortalecimento do cooperativismo e do associativismo. Sobre desenvolvimento local, Buarque (1999), compreende como um processo endógeno observado em pequenas unidades territoriais e agrupamentos humanos, capaz

4

José Albertino Carvalho Lordêlo – Doutor em Educação, teve uma presença marcante em Pintadas desde o final dos anos 1980 quando ainda trabalhava na CAR (Companhia de Desenvolvimento e Ação Regional). Contribuiu com a construção do Projeto Pintadas, um projeto inovador e visionário que pensou ações estruturantes e estratégicas com a aplicação de tecnologias apropriadas para a convivência com a seca, além de garantir assistência técnica continuada para as agricultoras e agricultores do município de Pintadas Bahia.

(28)

27

de promover o dinamismo econômico e a melhoria da qualidade de vida da comunidade. As experiências bem-sucedidas de desenvolvimento local são resultado de um ambiente político e social favorável, que expressa uma forte mobilização desses indivíduos. Ou seja, as lideranças comunitárias que estão inseridas na coordenação das organizações sociais, associações, cooperativas, sindicatos, partidos políticos e igrejas em Pintadas tem a compreensão do seu papel político enquanto sujeitos transformadores da realidade.

Nesse contexto a solidariedade5 é identificada como uma força motriz que se converte em estratégias de experiências produtivas através da autogestão das ONGs, instrumentalizando a emancipação dos grupos organizados, articulando as iniciativas produtivas, cujo aumento da capacidade política se dá a partir da articulação em rede e com foco na solidariedade.

A emancipação da mulher em Pintadas interrelaciona-se com o desenvolvimento local e aponta para novos paradigmas. A presença da mulher tem sido um elemento inovador que reoxigena a caminhada. Neste sentido, o movimento de mulheres de Pintadas tem construído teias de organizações que perpassam o cotidiano das pessoas, transformando as experiências de injustiça e de carência em momentos de reflexão e luta política para sua superação, forjando novas propostas de intervenção na cultura local. Conforme descreve Fernando Fischer e outros(2002).

É interessante notar hoje - justamente quando o protagonismo juvenil e questões de gênero estão na ordem do dia de instituições de financiamento e apoio às ONGs - que esses temas já fazem parte da vida de Pintadas há muitos anos. Percepção essa, corroborada pelo fato de que grande parte das lideranças das instituições que compõem a Rede ser de integrantes das CEBs. Além disso, não é por acaso que Pintadas tem uma associação de mulheres, uma prefeita mulher por dois mandatos seguidos e três vereadoras.” (2002, p. 06)

Muitas pessoas inseridas nas organizações em Pintadas tiveram a sua base de formação nas já citadas CEBs, como também em grupos de jovens e movimentos

5

Solidariedade é o substantivo feminino que indica a qualidade de solidário e um sentimento de identificação em relação ao sofrimento dos outros. A palavra solidariedade tem origem no francês solidarité que também pode remeter a uma responsabilidade recíproca. Fonte:

(29)

28

sociais. Assim, as CEBs, apesar de um viés religioso, foram espaços fundamentais para a formação das pessoas conforme afirma Julita Trindade6 uma das entrevistadas.

“Os textos da Bíblia que traziam a história das grandes mulheres, sempre me motivaram e me inspiraram a lutar e a estar nessa caminhada até hoje. Tenho como marca em minha vida, Judite como grande mulher, heroína, lutadora, com a sua astucia se colocou na defesa incondicional do seu povo. Eu vejo Maria para além da virgindade, vejo uma mulher forte que enfrentou os preconceitos da sociedade e mostrou a sua força, poder e sabedoria. Madalena, Ester, Rute e tantas outras mulheres que tomaram decisões e foram de encontro a toda e qualquer forma de opressão. A minha formação sempre foi dentro dessa lógica bíblica, lida de uma forma contextualizada com a realidade”.

O movimento social de Pintadas, entendeu desde a sua gênese o significado diferenciado do “nós”, pois as pessoas são parte do processo de construção da história e as CEBs reforça esse sentimento de pertencimento. A entrevista com Neusa Cadore7, reforça essa afirmação:

“A comunidade é eixo da vida das mulheres e da organização de Pintadas como um todo. Eu cheguei e já encontrei as comunidades formadas com uma pauta estabelecida, já existia o conselho pastoral, um jeito próprio de se movimentar. Eu tenho a compreensão de que tanto para os homens quanto para as mulheres essa oportunidade de fazer parte de uma comunidade é de grande importância para a vida social, política, religiosa onde quer que seja a sua atuação. Na época a igreja investia muito em formação, interligando fé e vida, tinham os momentos de encontros que eram ótimos, mas também levar as pessoas a terem uma experiência forte de um Deus vivo que vai além de apenas sentar e rezar. No depoimento das pessoas nas comunidades cada um e cada uma se reconheciam parte do grupo, todas as nossas lutas foram coletivas eu não sei exatamente o dia que entrei nessa caminhada e nem saberia dizer as razões de continuar até hoje acreditando. Para falar a verdade eu nunca me senti só sempre contei com muita gente. Em Pintadas eu encontrei uma grande família”(Neusa Cadore).

Fazendo uma reflexão acerca das razões que motivam as nossas lideranças a entrarem na luta, PENNA (2001) salienta o significado de motivação apontando que os

6

Julita Trindade de Almeida, historiadora, presidente do partido dos trabalhadores, liderança comunitária.

7 Neusa Cadore, missionária leiga que chegou em Pintadas em 1983 para a realização de um trabalho

missionário na igreja católica. Técnica em enfermagem e defensora das causas sociais em 1996 foi eleita prefeita de Pintadas por dois mandatos consecutivos e em 2006 se elegeu Deputada estadual por 4 mandatos.

(30)

29

motivos podem ser de ordem social, pessoal, bem como, ideias. Os de ordem social são aqueles cujo cumprimento depende de contatos com outros indivíduos e que tem como necessidades motivadoras, fazer parte, pertencer, transformar, estar associado, ser aceito pelos outros.

Os motivos de ordem pessoal são aqueles que buscam o aperfeiçoamento, a maestria e excelência e estão relacionados com as necessidades, autonomia, competência, preparação, respeito. Nas ideias como motivos, as pessoas buscam valores, crenças, metas e planos para guiarem o seu comportamento, o que corresponde à necessidade de dar sentido à ação, à existência: ideologia, religião e fé.

Ainda em se tratando das motivações e da experiência de vida comunitária que oportuniza às pessoas o desenvolvimento de uma experiência de vida coletiva e de troca de saberes constante Neusa Cadore afirma:

As pessoas se motivavam e tinha um sentido forte para participação nas CEBs, nos movimentos sociais, na política nos mutirões. Era uma oportunidade de estar inseridas e no processo de formação, escola sindical, agricultores, juventude, mulheres, catequistas entre outras. E lembro que as catequistas eram mulheres, animadoras de comunidades uma vez que os maridos migravam elas iam ocupando esse espaço. A mulher participava muito dos espaços da comunidade e se comprometiam com a tomada de consciência de novas agentes. Majoritariamente as mulheres viviam esse processo. O que tirou as mulheres daquela vidinha doméstica, era a participação na comunidade, no Sindicato, formação de grupos, organização das mulheres (Neusa Cadore em entrevista).

Nas CEBs as pessoas aprendem a ser mais solidárias, ter o espírito de cooperação e o olhar crítico e frente a todas as formas de sofrimento do povo causado por uma estrutura social injusta, opressora e capaz de marginalizar os mais fracos. Para combater toda e qualquer injustiça a organização social prioriza a formação do sujeito consciente do seu papel transformador e libertador, pois o oprimido decide resistir ao seu sofrimento e a situação de injustiça (GORGULHO, 1985), reivindicando direitos dos mais elementares como terra, água, esgoto, saúde, habitação, melhores condições de trabalho.

Neste sentido, pode-se perceber a importância das CEBs em Pintadas, pois esta travou diversas lutas mediante a organização e articulação das pessoas inseridas no movimento social, por ser um espaço de reunião, discussão dos problemas comuns da comunidade e possuir uma identidade própria. Nas reuniões, assembleias e formações se

(31)

30

utiliza até os dias atuais, dinâmicas, símbolos e músicas, que servem como recursos de sensibilização e integração. As canções que o povo das CEBs gostam de repetir, afirmando as suas bandeiras de luta e as razões para se organizarem em comunidade abordavam os diversos temas como, por exemplo, a dimensão feminina: “Pra mudar a sociedade, do jeito que a gente quer. Participando, sem medo de ser mulher”. (Autora desconhecida)

A metodologia aplicada na formação das lideranças comunitárias através da Teologia da Libertação foi e é um terreno fértil para a emancipação das mulheres em Pintadas. Os espaços de organização social de trocas de saberes intensificaram e instrumentalizaram a organização da mulher somando forças para quebrar as estruturas hegemônicas do patriarcado, sistema entendido como um processo de dominação estratificado por gênero, raça, classe social, religião contribuindo para relações de gênero altamente conflitivas e desumanizadas para a mulher (BOFF, 2002).

Ainda no documentário “Pintada de Solidariedade”, Irineia (personagem do filme, membro do movimento de mulheres de pintadas e das CEBs), fala sobre o surgimento do movimento de mulheres. Segundo ela:

A mulher em Pintadas sempre teve um envolvimento muito grande nos trabalhos da comunidade, embora fosse necessário avançar para criar o movimento de mulheres e para perceber o poder que cada uma tem para as disputas da direção do Sindicato dos Trabalhadores Rurais - STR, do Centro Comunitário de serviços de Pintadas - CCSP, já que a linha de frente era assumida pela mulher em vários espaços.

A vivência e participação das mulheres nas CEBs constitui-se em um espaço pedagógico no qual as pessoas se reconheciam e se identificavam como seres capazes, que sonhavam, acreditavam e lutavam para construir um mundo cada vez melhor. A motivação vinha até de cantigas como “eu acredito que o mundo será melhor, quando o menor que padece acreditar no menor”, inspirada em uma frase de Dom Helder Câmara.

Com isso a participação e inserção nas lutas e movimentos sociais, tem encorajado sobretudo as mulheres a viver a sua fé com foco na defesa de uma vida mais justa e solidária para todos. Para Julita, a principal base de formação de vida se deu dento dos espaços da comunidade.

A grande escola em Pintadas foi o espaço do movimento social. E as CEBs, considero o nosso grande alicerce. Quem passou por esse espaço por mais que queira ser igual a qualquer um, não será. Nós adquirimos conhecimentos que não tem universidade que passe com o mesmo significado. A independência, autoafirmação, a capacidade de

(32)

31

olhar o ser humano como seres iguais, tomar conta da sua própria vida, nos fazia melhores com a capacidade de transformar a sua vida e lutar para mudar a vida dos outros. Na comunidade aprendemos que todos somos iguais, capazes de lutar por direitos e cidadania para dizer não a todas as formas de opressão e conquistar a liberdade plena” (Julita Trindade em entrevista).

É notório que as mulheres não só se unem e se organizam com o objetivo de reivindicar os seus direitos na família, na sociedade, na religião, mas também vêm ocupando espaços, atividades, trabalhos e responsabilidades antes reservados exclusivamente aos homens.

Portanto, essa autenticidade e militância das mulheres pode ser associadas ao feminismo que versa a mudança social através do dinamismo e transformação das relações sociais e religiosas de sexo. Dessa forma, a inserção e participação coletiva gesta a autonomia, a igualdade, liberdade e força na sociedade e na Igreja. Esta, contribui efetivamente com o conhecimento e divulgação da ação de tantas mulheres, que no cotidiano de suas vidas, lutam por justiça, igualdade, autonomia e liberdade na Igreja e na sociedade, ainda marcadas pelo androcentrismo. As mulheres que conseguiam se identificar com as novas praxes das CEBs assumiam um compromisso maior, tendo uma opção mais radical, e uma vivência mais profunda da sua religiosidade, da sua fé interligada a vida.

E é com essa consciência de fé e vida que as mulheres se tornaram empoderadas e se fundamentam nas concepções feministas e se afirmam nas defesas das suas bandeiras de lutas. Assim, brotam motivações8 para participar dos processos de desenvolvimento local, se fortalecendo e aumentando a força e resistência. Com isso, o feminismo está integrado a uma nova consciência, que carrega dentro de si um potencial crítico e construtivo com utopias mais promissoras. A luta diária destas guerreiras, constrói elos que reverberam em ações como cooperação, união, solidariedade, dando significados para cada uma determinar o jeito de estar na vida e conseguir alcançar o que almeja.

Assim, a presença da mulher nas comunidades em Pintadas foi, ao longo dos anos, dando a sua contribuição efetiva e uma nova dimensão ao processo de libertação

8

A palavra motivar vem do latim motus, “movimento”, por sua vez derivada do verbo movere, “mover”. A motivação, segundo a sua origem etimológica, tem a ver com o movimento, isto é aquilo que impulsiona a pessoa de dentro para fora. A motivação é uma força interior propulsora, de importância decisiva no desenvolvimento do ser humano.

(33)

32

que caracteriza as CEBs. A questão de gênero também emergiu concretamente no debate. Com isso pode-se perceber a importância da equidade de gêneros enquanto reflexo de uma experiência já parcialmente vivida nas CEBs, conforme afirma Julita: “sempre defendemos os direitos humanos, o exercício da cidadania, a valorização das mulheres.

E, sobretudo, ao resgatar os sonhos que se enfatiza a igualdade em todas as suas dimensões, com vida abundante, com justiça e paz, sem discriminação de classe, de gênero ou de etnia e com a plena valorização da pessoa. A defesa deste valor se concretiza no compromisso de construção de relações igualitárias entre mulheres e homens, na Igreja e na sociedade (CEBs, 2000a:1/2).

1.2 Das vacas pintadas às transformações sociais

Pintadas era distrito de Ipirá e emancipou-se através da Lei Estadual nº 4.450, de 9 de maio de 1985. Está localizada a 255 quilômetros de Salvador, ocupa uma área geográfica de 545,534 Km², com densidade demográfica de 18.96 habitantes por Km², possuindo população de 10.342 habitantes, sendo 5.244 mulheres. Localiza-se na microrregião de Feira de Santana, no Território de Identidade Bacia do Jacuípe9. A sua área territorial faz fronteira com os municípios de Baixa Grande, Capela do Alto Alegre, Ipirá, Mairi e Pé de Serra.

Os principais problemas enfrentados pelos municípios da Bacia do Jacuípe se assemelham, bem como, suas formas de organização, articulação, e planejamento para entender a realidade. O Plano Territorial de Desenvolvimento Social, traz um olhar crítico acerca das especificidades que são peculiares ao Território:

Os municípios que constituem o Território de Identidade Bacia do Jacuípe ainda se apresentam com características eminentemente rurais: a maior parte da população (55%) vive no campo; a agropecuária, embora oficialmente tenha peso igual as atividades industriais na formação do (PIB), tem preponderância considerando que uma parcela significativa de tudo que é produzido feijão, farinha, carne, leite, milho, etc. é destinado ao autoconsumo e não aparece na contabilidade oficial. Por outro lado, é raro encontrar-se alguém,

9

A política de Território de Identidade foi instituída pela Secretaria de Desenvolvimento Territorial (SDT) do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) em 2003, quando, em comum acordo com prefeitos e representantes da sociedade civil organizada, definiram as principais estratégias de implementação (PTDS – CODES 2010, p. 12).

Referências

Documentos relacionados

48. «O que é preciso fazer para que todos os grupos pudessem correr esse terreno fora do cante, é aquilo precisamente que a Casa do Cante de Serpa começou a fazer há tempos e o

Depois de o componente primário ser validado como sendo adequado para utilização, qualquer desvio dos procedimentos de teste recomendados pode invalidar resultados esperados.. Têm

psicológicos, sociais e ambientais. Assim podemos observar que é de extrema importância a QV e a PS andarem juntas, pois não adianta ter uma meta de promoção de saúde se

A vacina não deve ser administrada a imunodeprimidos, grávidas, menores de 1 ano de idade e hipersensibilidade a algum dos componentes da vacina e terapêutica concomitante

São considerados custos e despesas ambientais, o valor dos insumos, mão- de-obra, amortização de equipamentos e instalações necessários ao processo de preservação, proteção

forficata recém-colhidas foram tratadas com escarificação mecânica, imersão em ácido sulfúrico concentrado durante 5 e 10 minutos, sementes armazenadas na geladeira (3 ± 1

Ficou com a impressão de estar na presença de um compositor ( Clique aqui para introduzir texto. ), de um guitarrista ( Clique aqui para introduzir texto. ), de um director

A partir da junção da proposta teórica de Frank Esser (ESSER apud ZIPSER, 2002) e Christiane Nord (1991), passamos, então, a considerar o texto jornalístico como