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A preservação de uma imagem urbana em mutação

Ao compararmos algumas cidades que possuem características e modos de preservação distintos de Cataguases, percebemos que não podem ser

estabelecidas comparações paralelas, mas contrapontos e referências, que singularizam cada caso.

A Análise Formal apontou transformações em diversos imóveis e inserções de novas estruturas que garantem a vitalidade da cidade e que contribuem, tanto de forma positiva como de forma negativa, para a imagem urbana da região da Praça da Estação. A principal característica negativa foi a perda da unidade formal, que não é prevista explicitamente pelos instrumentos estudados.

A cidade de Brasília foi elevada à categoria de Patrimônio Cultural exclusivamente por seu traçado funcionalista, pela presença absoluta da arquitetura moderna e por ser fruto de um investimento financeiro de vulto. Os edifícios residenciais e comerciais não são idênticos ou similares, havendo teoricamente liberdade formal. A cidade apresenta antigos conjuntos homogêneos e os parâmetros urbanísticos ditam a espacialidade e a relação entre vazios e cheios, de forma destacada. Os espaços públicos ainda são dominantes sobre as edificações, sendo notável a presença de áreas verdes, que diluem de certa forma o construído, tornando-o menos visível. Para a preservação de Brasília, foi criada uma estrutura jurídica clara na qual o objeto a ser protegido são os parâmetros urbanísticos, que foram os responsáveis pela morfogênese deste tecido urbano, conforme indica Pessoa:

O modelo de preservação proposto, primeiro através da legislação distrital e depois pelo tombamento federal, é absolutamente inovador no universo do patrimônio cultural brasileiro. Ao deslocar o objeto da preservação, das construções que constituem a área a ser preservada, para os critérios que informaram estas construções a assumirem a presente forma, indica uma gestão absolutamente nova e polêmica na preservação de um sítio urbano. (PÊSSOA, 2012)

Por outro lado, em Diamantina, o conjunto é preservado por seus monumentos da época colonial e pelo grande conjunto de arquitetura vernacular, de influência tradicional portuguesa. A cidade foi traçada sob os princípios do decoro e da adequação ao relevo, e o casario transmite uma sensação de conjunto pela repetição de soluções construtivas e adequação às normas vigentes no Setecentos. Esse mesmo conjunto foi elevado à categoria de Patrimônio Mundial exatamente pelo fato de, junto com esta arquitetura colonial, contar com a inserção de edificações modernas que lhe agregavam valor, ao mesmo tempo em que contrastam formalmente com o entorno (o Hotel Tijuco, o Clube, a Escola Julia

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Kubitschek). Em Diamantina, a atitude preservacionista praticada para novas inserções ou reformas priorizou a utilização do tema antigo simplificado, assumindo como predominantes e determinantes os elementos de arquitetura tradicional no conjunto e as proporções e materiais característicos desta arquitetura, numa tentativa clara de dar continuidade ao um conjunto de formas que se transformam, mais do que se repetem, em torno de variáveis conhecidas.

O caso de Cataguases é diverso dos dois casos ilustrados acima, Brasília, e Diamantina. Diferentemente de Brasília, o conjunto cataguasense foi construído com base nas antigas formas de ocupação dos terrenos, que foram abaladas pelo modernismo. Assim, seria impossível preservar a imagem urbana de Cataguases apenas através de parâmetros urbanísticos. Diferentemente de Diamantina, mesmo que ainda sejam comuns as implantações tradicionais, onde a fachada participa de forma ativa na composição das ruas, também são comuns as composições modernas, o vocabulário formal e os princípios compositivos que buscam contrariar os cânones tradicionais. Desse modo, é importante analisar a participação dos edifícios das mais diversas épocas em relação aos seu entorno imediato, tanto na sua qualidade estética, princípios ordenadores e vocabulário, quanto na sua forma de implantação e volumetria final.

Analisando a linguagem formal dos imóveis que participam da Praça da Estação, e a alteração por que passou essa região no período de 1993 a 2006, levando em consideração as consequências do Tombamento Federal, da Lei de Uso do Solo e do Plano Diretor para a manutenção da leitura urbana, este trabalho indica que as situações mais impactantes na alteração da imagem urbana em Cataguases e, particularmente, neste trecho, são:

1) O surgimento de edifícios muito mais altos do que a altimetria predominante, com a consequente visualização de empenas cegas que sobressaem sobre os vizinhos e a deturpação da ambiência dos imóveis tombados.

2) A perda de Unidade Formal das fachadas dos imóveis é a característica mais contundente detectada nas composições.

3) O aumento da altura média das edificações.

4) O aumento da taxa de ocupação das edificações, e a consequente diminuição de área verde intersticial.

No caso de Cataguases torna-se patente a dificuldade que o órgão de preservação (IPHAN) tem em aplicar indistintamente os ditames da Carta de Washington, vista no tópico 2.1 desta dissertação, em relação à preservação dos imóveis existentes num conjunto urbano. Grande parte dos imóveis que compõem o centro não participa do que podemos chamar de boa arquitetura, sendo composta por edificações residenciais ou comerciais de caráter econômico, despreocupadas com estética e com sua relação com o entorno. Não são nem mesmo o que podemos chamar de arquitetura vernacular, onde a utilização de modelos tradicionais, sem caráter erudito, podem compor um conjunto com valor estético significativo. Aplicar nesses casos o princípio da preservação do seu aspecto externo corresponderia à preservação de uma situação provisória, ou de pobreza e precariedade.

Essa ausência de valores a preservar em algumas edificações as deixa mais livres para intervenções futuras, enquanto outras edificações mais expressivas ficarão sujeitas a um controle mais rigoroso por parte do IPHAN, na tentativa de não perder os valores expressos por sua materialidade.

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