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A primazia judicial de Pickerill

No documento CENTRO UNIVERSITÁRIO DE BRASÍLIA (páginas 115-118)

3.6. A teoria do diálogo como decorrência natural da separação dos poderes

3.6.1. A construção coordenada

3.6.1.2. A primazia judicial de Pickerill

Outro modelo considerado dialógico é muito similar ao discorrido no subcapítulo anterior é uma espécie de construção coordenada com um traço diferente: não se trataria de uma disputa hermenêutica entre Parlamento e Poder Judiciário, mas uma relação com caráter mais deferente.318

Esta teoria foi baseada em mais uma pesquisa empírica sobre as decisões da Suprema Corte americana e as reações do Congresso daquele país, que teve por objetivo checar se as casas representativas realmente tratam, efetivamente, dos valores constitucionais. Dentro do estudo, a conclusão alcançada foi a de que é a efetiva ameaça de revisão judicial que faz com que o legislador confira uma maior atenção aos princípios constitucionais.

Percebe-se que, ao contrário da construção coordenada disputada, o sentido da constituição não seria resultado de um estresse entre os Poderes da República, verdadeiro embate de poder, mas resultado de uma estratégia que considera, dentre outros fatores, o desgaste político e os objetivos da política pública objeto de deliberação pelo Parlamento.

316 BATEUP, Christine. The dialogic promise: assessing the normative potential of theories of

constitutional dialogue. Brooklyn Law Review. Nova Iorque, v. 71, p. 39, 2006.

317

BATEUP, Christine. The dialogic promise: assessing the normative potential of theories of constitutional dialogue. Brooklyn Law Review. Nova Iorque, v. 71, p. 40, 2006.

318 PICKERILL, Mitchell J. Constitutional deliberation in Congress: the impact of judicial review in a

Nesse sentido, essa concepção não confere uma supervalorização da interpretação extrajudicial. O resultado empírico demonstrou uma tendência de ausência de preocupação do legislador em relação aos princípios constitucionais. Além disso, dentro do escopo do estudo, somente em situações específicas, em que houve uma clara incompatibilidade entre as necessidades políticas identificadas pelo Parlamento e a orientação apresentada pela Suprema Corte, é que foi observado, efetivamente, um confronto entre as instituições. O que se percebeu, portanto, é que, no dia-a-dia político, não se verifica um Parlamento engajado nos profundos debates morais da sociedade.319

Dessa forma, ao invés de uma verdadeira disputa sobre a predominância do sentido do texto constitucional, o Parlamento normalmente prefere optar por adaptar a disposição legal aos contornos delineados pela decisão judicial.

No entanto, a concepção não tem por finalidade a defesa de uma supremacia judicial. A teoria é mais elaborada do que isso. A ideia é a de que há um verdadeiro diálogo entre as instituições. Defende-se uma interação, uma verdadeira negociação entre os atores, onde, por vezes, podem ocorrer concessões mútuas. Não se trata, portanto, de uma medição de poder entre o Parlamento e o Judiciário onde haveria perdedor e ganhador, mas uma relação em que todos ganham já que os objetivos das partes são atingidos.320

A revisão judicial, na realidade, estaria situada num meio-termo entre a supremacia judicial e a soberania do Parlamento. Ao invés de tratar de uma supremacia, utiliza-se a expressão primazia para tentar caracterizar o papel desenvolvido pelos tribunais.

No modelo, cada instituição teria seu papel definido. A corte tem uma responsabilidade institucional primária de interpretar a constituição. A motivação e o engajamento do Parlamento são limitados pela natureza representativa e majoritária da instituição. No entanto, a corte não teria uma posição soberana no sentido de que tem a última palavra ou que não deve deferência ao legislador. A teoria da primazia judicial indica que a determinação de políticas públicas e a tarefa de legislar é uma

319

Interessante notar que o fato observado pelo estudo é um dos argumentos utilizados pelos defensores da supremacia judicial: a falta de consideração pelos valores constitucionais pelo Parlamento.

320

PICKERILL, Mitchell J. Constitutional deliberation in Congress: the impact of judicial review in a

responsabilidade primária do Congresso, enquanto que a interpretação da constituição é uma responsabilidade primária da Suprema Corte.321

A ideia, portanto, é a de uma construção igualitária e horizontal do significado do texto constitucional.

A teoria da primazia judicial informa que o diálogo entre o Parlamento e o Judiciário é uma decorrência natural do sistema de separação de poderes. As normas jurídicas que conduzem a sociedade seria um produto de balanceamento entre as diferentes instituições, que redundaria em decisões pautadas em justificativas melhores e mais equilibradas.

O papel do Judiciário, na concepção, portanto, é contribuir para adensar os valores constitucionais no discurso político desenrolado no Parlamento, e não simplesmente tomar decisões de forma isolada, com a pretensão de conferir a última palavra. A primazia judicial, portanto, é uma teoria em que se constrói uma concepção integral de constitucionalismo322, com o objetivo de estimular deliberações de maior qualidade.

A teoria aqui exposta, portanto, tenta informar que o controle de constitucionalidade dos atos do Parlamento não seria a última palavra na interpretação constitucional; mas um passo na construção conjunta de um significado.

No entanto, o que se percebe é que a última palavra, na forma da teoria de Pickerill, pertence ao Poder Judiciário que poderá, por vontade própria ou motivado por ato posterior do Parlamento, rever seu entendimento anterior. Em qualquer hipótese, caso a reação do Legislativo fosse novamente submetida à apreciação da Suprema Corte, haveria a possibilidade de novo pronunciamento pela inconstitucionalidade, situação que evidenciaria a última palavra do Poder Judiciário em interpretação constitucional.

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PICKERILL, Mitchell J. Constitutional deliberation in Congress: the impact of judicial review in a

separated system. Durham: Duke University Press Books, 2004, p. 152. 322

A expressão foi cunhada por Conrado Mendes. MENDES, Conrado Hübner. Direitos Fundamentais, separação de poderes e deliberação. Tese de doutorado defendida perante o Departamento de Ciência Política. São Paulo: USP, 2008, p. 132.

No documento CENTRO UNIVERSITÁRIO DE BRASÍLIA (páginas 115-118)