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Construção coordenada disputada da Constituição de Fisher

No documento CENTRO UNIVERSITÁRIO DE BRASÍLIA (páginas 110-115)

3.6. A teoria do diálogo como decorrência natural da separação dos poderes

3.6.1. A construção coordenada

3.6.1.1. Construção coordenada disputada da Constituição de Fisher

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Nesse sentido: VICTOR, Sérgio Antônio Ferreira. Interpretação constitucional e diálogo institucional

entre os Poderes Legislativo e Judiciário: exame da decisão do STF na ADI 2.797. O Supremo por seus

Essa concepção tem por base a ideia exposta de James Madison no sentido de que a fórmula de separação de poderes de uma República seria incompatível com o fato de que alguma das instituições tivesse predominância sobre as demais.

Segundo a concepção, a submissão de questões constitucionais à apreciação do Poder Judiciário deve ser vista como algo normal. No entanto, nega-se que a manifestação proferida pela corte tenha uma qualidade singular ou que o texto constitucional americano autorize uma autoridade específica para limitar a divisão de poderes entre as diferentes instituições.

No mesmo sentido, entende-se que cada instituição deve ser coordenada e independente em relação aos demais Poderes, e que cada um destes tem responsabilidade primária em interpretar a Constituição, por se tratar de matéria inserida nas suas próprias funções.

É, de certa forma, intuitivo que a visão acima descrita tenha desafiado críticas, especialmente ao se considerar que ela é contemporânea ao multicitado caso

Marbury v. Madison. A primeira delas é altamente intuitiva. Com efeito, a inexistência

de um dos Poderes com a possibilidade de emitir a palavra final na interpretação da Constituição pode levar a uma anarquia interpretativa, na medida em que os entendimentos conflitantes poderiam estar presentes em qualquer discussão constitucional. Por outro lado, a inexistência da última palavra seria, em uma análise final, inconsistente com o sistema de freios e contrapesos.

É fácil perceber que a teoria está mais próxima de um falso-diálogo. Isso porque, na realidade, na forma como posta a questão, as instituições trabalhariam como verdadeiras ilhas interpretativas, deixando em perplexidade a sociedade, vítima que não saberia como agir diante dos diversos posicionamentos institucionais.

Talvez por isso, na era contemporânea, alguns autores buscaram lapidar a teoria construída pelos fouding fathers. Nessa nova visão, o modelo dialógico não prescreveria, tão-somente, a inexistência de palavra final e de independência dos Poderes na interpretação de preceitos constitucionais. Na realidade, nessa reformulada

concepção, o Judiciário deveria interagir de forma dialógica com o objetivo de formatar a interpretação a ser conferida ao texto constitucional.306

A concepção é baseada na valorização da interpretação extrajudicial da constituição movida pelos demais atores políticos307 num sistema de freios e contrapesos. No caso, cada instituição seria responsável por controlar a outra. Nesse sentido, da mesma forma que uma ato do Parlamento poderia ser entendido pelo Judiciário como contrário à Constituição, um controle político também deveria existir quando os demais atores políticos discordam da interpretação conferida pela corte. É uma premissa da teoria que a atuação das instituições pode alcançar resultados inconstitucionais.

Assim, o fato de a decisão judicial estar sujeita a controle por parte dos outros Poderes fariam com que ela perdesse o caráter final. No máximo, as decisões judiciais resolveriam precariamente a disputa havida imediatamente antes da manifestação da corte.308 Os outros atores políticos, dotados de interpretações próprias do texto constitucional, poderiam passar a enfrentar a decisão proferida de várias maneiras: desde uma simples ignorada, até a aprovação de novas leis com o intuito de desafiar ou testar os limites da autoridade da manifestação judicial. A hermenêutica constitucional, assim, é um processo circular que somente termina e se estabiliza quando se alcance o consenso, ainda que este tenha prazo de validade.309

Como resultado desse tipo de manifestação dos demais atores políticos, a corte poderia se ver numa situação em que tivesse que adaptar seu posicionamento à nova situação política ou, até mesmo, reverter seu pensamento. Nessa hipótese, a interpretação do texto constitucional movida pelos demais Poderes é que teriam a última palavra.

No entanto, isso, segundo se defende, não conduziria o Judiciário a um papel sem importância. Na realidade, a corte, ao proferir decisões, apresenta a sua

306DEVINS, Neal; FISHER, Louis. Judicial exclusivity and political instability. Virginia Law Review.

Charlottesville, vol. 84, p. 83-106, 1998. 307

WHITTINGTON, Keith E. Extrajudicial Constitutional Interpretation: Three Objections and Responses. North Carolina Law Review. Chapel Hill, Vol. 80, n. 3, p. 815-840, 2002.

308DEVINS, Neal; FISHER, Louis. Judicial exclusivity and political instability. Virginia Law Review.

Charlottesville, vol. 84, p. 91, 1998. 309

Cf. MENDES, Conrado Hübner. Direitos Fundamentais, separação de poderes e deliberação. Tese de doutorado defendida perante o Departamento de Ciência Política. São Paulo: USP, 2008, p. 126.

hermenêutica constitucional no que acarreta movimentos exploradores que podem moldurar a interpretação movida por outras instituições.

Na realidade, há uma valorização da intepretação constitucional movida pelos demais Poderes, notadamente a do Parlamento. Indica-se que, ao contrário daqueles que defendem a necessidade de uma supremacia judicial, é falsa a premissa de que as decisões tomadas mediante deliberação no Parlamento são caracterizadas pelo poder, em detrimento da racionalidade.310 A ocorrência de interpretação extrajudicial da constituição não seria algo a ser atingido, mas uma realidade que nem sempre é percebida.311

A ideia é a de que os demais Poderes exerçam controle dos atos judiciais na medida em que estes ultrapassem muito a visão do Parlamento ou de outras forças sociais. Por outro lado, nas hipóteses de inércia legislativa, não poderia haver questionamento pela forma que o Poder Judiciário solucionaria uma questão no caso concreto. Percebe-se, assim, que o controle de uma instituição por outra deve estar presente nas falhas, erros e omissões das outras. Dai a ideia de que o diálogo entre os atores interpretativos dar-se-ia por meio de um sistema conflitivo de freios e contrapesos.

A teoria normalmente é pautada em pesquisa empírica realizada em algumas decisões proferidas pela Suprema Corte americana e que foram claramente desafiadas pelo Parlamento. O resultado desse estado de coisas seria o fato de que ninguém teria a última palavra sobre determinados temas constitucionais, e que gradualmente, fosse construído um consenso acerca das matérias discutidas.

Observa-se que a teoria pretende ter um alto grau descritivo, na medida em que não defende que os poderes ajam assim, mas que isso normalmente ocorre. Seria, portanto, uma decorrência natural do sistema montesquiano da separação dos poderes do Estado.

310 WHITTINGTON, Keith E. Extrajudicial Constitutional Interpretation: Three Objections and

Responses. North Carolina Law Review. Chapel Hill, vol. 80, n. 3, p. 822, 2002. 311

WHITTINGTON, Keith E. Extrajudicial Constitutional Interpretation: Three Objections and Responses. North Carolina Law Review. Chapel Hill, vol. 80, n. 3, p. 848, 2002.

A concepção de diálogo exposta tem sido festejada por dois motivos. Inicialmente, ela derrubaria a premissa normalmente constante das discussões envolvendo a celeuma entre judicial review e soberania do Parlamento, na medida em que não haveria uma última palavra, especialmente do Poder Judiciário, mas um jogo constante de freios e contrapesos na elaboração de uma interpretação constitucional.312

Além disso, a teoria estressa o entendimento dos defensores da revisão judicial de que não haveria qualificação nas discussões no Parlamento sobre assuntos constitucionais, e que essa instituição não conferiria a devida atenção a questões de princípios. Da mesma forma, a teoria da construção coordenada possui o condão de atenuar o problema contra-majoritário da revisão judicial, na medida em que esta não significaria última palavra, mas apenas uma participação na síntese de um significado constitucional em conjunto com as esferas de poder eleitas e, portanto, sujeitas a controle eleitoral.313

No entanto, reconhece-se que a construção coordenda subestima o papel desempenhado pelo Poder Judiciário no jogo dialógico. A teoria estabelece o Poder Judiciário como um simples participante, sem uma qualidade distintiva ou um papel especial a ele destinado. Argumenta-se que a tese de que a capacidade interpretativa dos tribunais é um mito e que suas decisões tem marcada presença de barganha em relação aos votos.314 Nesse ponto, é difícil justificar a participação de um colegiado não eleito e não sujeito, portanto, ao controle eleitoral ter uma participação paritária com os demais Poderes da República.315

Outro ponto criticado é o fato de que a concepção está longe de uma ideia de uma diálogo harmônico para a construção de um entendimento de consenso sobre temas constitucionais. Na realidade, a teoria descreve uma situação de permanente estresse entre as instituições que competiriam entre si e que resultado normalmente

312

BATEUP, Christine. The dialogic promise: assessing the normative potential of theories of constitutional dialogue. Brooklyn Law Review. Nova Iorque, v. 71, p. 36-37, 2006.

313 BATEUP, Christine. The dialogic promise: assessing the normative potential of theories of

constitutional dialogue. Brooklyn Law Review. Nova Iorque, v. 71, p. 37, 2006.

314 WHITTINGTON, Keith E. Extrajudicial Constitutional Interpretation: Three Objections and

Responses. North Carolina Law Review. Chapel Hill, vol. 80, n. 3, p. 821, 2002.

315 BATEUP, Christine. The dialogic promise: assessing the normative potential of theories of

estaria associado à força que a instituição teria em determinados assuntos.316 Nesse sentido, ao invés de uma construção coordenada, a disputa entre os atores hermenêuticos redundaria numa simples aquiescência daqueles que restassem vencidos.317

Como se pode perceber, ao invés de afastar o problema da última palavra, a construção coordenada apresenta uma disputa pelo poder de ser o detentor da interpretação constitucional definitiva para a sociedade. A última palavra existe; o detentor depende de resultado de um embate.

No documento CENTRO UNIVERSITÁRIO DE BRASÍLIA (páginas 110-115)