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2. A silabação e os padrões de coda do português brasileiro e do inglês: questões

2.5 O inglês: padrões de coda e questões pertinentes para a análise

2.5.2 O tempo de soltura de ar na produção das plosivas surdas

2.5.2.2 A produção da plosiva final com soltura longa

Na literatura da área de aquisição do inglês como L2, considerável tem sido o número de estudos que descrevem ou discutem produções de plosivas em posição final de palavra com uma soltura exagerada, ou “aspirada” (GOAD & KANG 2002, BETTONI-TECHIO 2005, CARDOSO & LIAKIN 2007). Conforme veremos no capítulo de Descrição e Discussão dos Dados, esse foi, também, um padrão bastante comum nos dados de nossos informantes. Vistas as divergentes posições, encontradas na literatura, acerca do status silábico desse fenômeno, a presente seção se preocupará em discutir a soltura de ar dos segmentos plosivos surdos em posição inicial e final de sílaba, nas produções dos falantes nativos do inglês.

Bettoni-Techio (2005) denomina os segmentos plosivos finais com um intervalo de soltura de ar longo como “aspirados”, transcrevendo-os com o símbolo da aspiração. Frente a essa denominação, precisamos discutir o que é um segmento aspirado. Em termos fonéticos, a aspiração pode ser definida como um período de ausência de vibração das cordas vocais, após a articulação do segmento plosivo (LADEFOGED, 1993, p. 50), havendo uma explosão de ar que ocorre durante tal período de não-vozeamento após a soltura da plosiva. Isso fica claro quando o segmento obstruinte em questão é seguido por uma vogal. Em palavras como pair [pHer], tie [tHaI] e car [kHAr], o voice onset time – definido por Ladefoged (2004) como “o intervalo entre a soltura da plosiva e o início da vogal seguinte” - é longo. Conforme explica Pennington (1996), a aspiração implica um sopro forte de ar no momento que os articuladores se separam. Trata-se, em outras palavras, “de um fluxo mais forte da corrente de ar que sai dos pulmões” (CRISTÓFARO-SILVA, 2005, p. 52).

Tendo sido descrito o fenômeno da aspiração, que corresponde a uma variante alofônica bastante documentada nos manuais de fonologia do inglês, precisamos discutir,

então, em que sentido a definição acima expressa corresponde à definição de “plosiva aspirada” em posição de coda. Acreditamos que o termo “aspirado”, para plosivas finais com uma soltura de ar exagerada, se mostra adequado ao considerarmos a questão do intervalo de tempo de soltura de ar longo. Entretanto, o fato de que as plosivas que antecedem uma pausa obviamente não são seguidas por uma vogal nos impede de falar em voice onset time, mas sim em tempos de soltura. Assim, utilizaremos, nesta Tese, o termo “aspirado” entre aspas, chamando a atenção para o caráter que aproxima as plosivas aspiradas em posição inicial e a produção das plosivas em posição final: o intervalo de soltura de ar bastante longo. Assim como fazem Bettoni-Techio (2005) e Cardoso & Liakin (2007), representaremos, também, tal soltura de ar exagerada com o símbolo da aspiração: [H]. Em nosso trabalho, consideramos como “aspiração” todo o tempo de soltura de ar superior a 80ms, a partir da leitura de Cho & Ladefoged (1999).

Passemos, então, à discussão do status fonológico da aspiração no inglês. A aspiração em onset não se caracteriza como um fenômeno distintivo nessa língua, ao contrário do que pode ser verificado no tailandês, por exemplo. As plosivas aspiradas possuem, portanto, caráter alofônico no inglês. Dessa forma, [pH], [tH] e [kH] são produzidas em um contexto específico: em posição inicial de palavra e em posição inicial de sílaba tônica.

Yavas (2006, p. 59) reconhece que, em algumas variedades do inglês, pode ocorrer variavelmente a realização de plosivas com um grau fraco de “aspiração” em posição final, quando produzidas com soltura audível. De modo semelhante, Pennington (1996, p. 58) explica que, na fala enfática e antes de pausa, as plosivas surdas em posição final podem ser produzidas com “aspiração”. Entretanto, ao fazermos menção à produção de plosivas surdas em posição final de palavra, a tendência é que tais consoantes sejam produzidas sem soltura audível de ar (‘unreleased’), conforme vimos na seção anterior.

Ao considerarmos que falantes brasileiros tendem a produzir as plosivas finais com soltura exagerada, conforme os dados de Bettoni-Techio (2005) e Cardoso & Liakin (2007) revelam, consideramos importante discutir o status silábico dessas produções. Conforme apontam Goad & Kang (2002), a produção da plosiva final com um tempo de soltura longo é bastante comum na aquisição do inglês como primeira e segunda língua. Frente a essa constatação, os autores em questão atribuem a essa “aspiração” um papel decisivo na determinação do padrão silábico do aprendiz, ao afirmarem que tal soltura exagerada de ar é o indício fonético da formação de uma nova sílaba, em que o segmento plosivo é compartilhado pelo onset e pelo núcleo (Onset-Nucleus Sharing).

A soltura exagerada de ar, portanto, estaria ocupando o núcleo de uma sílaba vazia extra, e, dessa forma, caracterizaria uma estratégia de reparo silábico adotada na interlíngua para “adaptar” os padrões da L2 no caso de línguas maternas em que plosivas em coda não são permitidas. Tal proposta é seguida, também, na análise de Cardoso & Liakin (2007), referente à aquisição das plosivas finais do inglês por falantes brasileiros. Os autores, ao analisarem a produção dos segmentos finais com soltura exagerada, argumentam ser tal detalhe fonético a manifestação do Onset-Nucleus Sharing, que, segundo Cardoso & Liakin (2007), caracteriza uma estratégia de reparo silábico na interfonologia português-inglês.

Frente ao tratamento analítico dispensado por Goad & Kang (2002), nosso trabalho terá a intenção de discutir, também, o possível status silábico dessas produções com soltura exagerada. Ao considerarmos a Questão Norteadora 1, apresentada no Capítulo 1, precisaremos discutir se tais produções devem ser consideradas diferentes do falar nativo ou não. Para isso, nosso estudo conta com dados de fala obtidos de 5 falantes nativos do inglês americano, que serviram como grupo de controle15. A partir da observação dos dados desses falantes, poderemos responder, também, à Questão Norteadora 2, que indaga quais formas

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produzidas pelos aprendizes implicam uma alteração prosódica da L2, adaptando o padrão silábico da língua-alvo a um mais próximo do da língua materna. Em outras palavras, discutiremos se a soltura longa de ar exerce, de fato, influência direta na estrutura prosódica das palavras produzidas pelos aprendizes, de modo que caracterize uma maneira de satisfazer à condição de coda da L1.