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CAPÍTULO III – ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS

3.1 A proficiência do professor de LE segundo as Diretrizes Curriculares para

Esta seção visa responder a primeira pegunta de pesquisa proposta neste estudo, a qual é retomada abaixo:

1. Como se caracteriza o perfil de proficiência dos graduados de acordo com as

competências e habilidades que figuram nas Diretrizes Curriculares para os Cursos de

Letras?

Em uma tentativa de concretizar as reformas educacionais, a LDB 9.394/96 extinguiu a obrigatoriedade de currículos mínimos para os cursos de Letras, e, em seu lugar, vieram as DCL. O texto das DCL (Anexo4) é composto de duas partes. Na primeira, está a introdução, na qual se encontram os princípios norteadores do documento e, na

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segunda parte, estão as Diretrizes Curriculares, que se apresentam divididas em cinco subseções: 1) perfil dos formandos, com uma descrição do profissional de Letras que se almeja formar; 2) competências e habilidades, na qual são listados os saberes a serem desenvolvidos pelo graduando; 3) conteúdos curriculares, com uma menção dos conteúdos básicos do curso de Letras; 4) estruturação do curso, apresentando muito vagamente o que deve fazer parte do projeto pedagógico do curso; 5) avaliação, na qual são brevemente listados os princípios que devem nortear a avaliação do curso.

A seguir apresentamos a subseção 2 “competências e habilidades” da segunda parte das Diretrizes Curriculares Nacionais para os Cursos de Letras (DCL), assim como a análise de conteúdo desse trecho do texto oficial.

Competências e Habilidades nas Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos de Letras

O graduado em Letras, tanto em língua materna quanto em língua estrangeira clássica ou moderna, nas modalidades de bacharelado e licenciatura, deverá ser identificado por múltiplas competências e habilidades adquiridas durante sua formação acadêmica convencional, teórica e prática, ou fora dela.

Nesse sentido, visando à formação de profissionais que demandem o domínio da língua estudada e suas culturas para atuar como professores, pesquisadores, críticos literários, tradutores, intérpretes, revisores de textos, roteiristas, secretários, assessores culturais, entre outras atividades o curso de Letras deve contribuir para o desenvolvimento das seguintes habilidades:

• domínio do uso da língua portuguesa ou de uma língua estrangeira, nas suas manifestações oral e escrita, em termos de recepção e produção de textos;

• reflexão analítica e crítica sobre a linguagem como fenômeno psicológico, educacional, social, histórico, cultural, político e ideológico;

• visão crítica das perspectivas teóricas adotadas nas investigações lingüísticas e literárias, que fundamentam sua formação profissional;

• preparação profissional atualizada, de acordo com a dinâmica do mercado de trabalho; • percepção de diferentes contextos interculturais;

• utilização dos recursos da informática;

• domínio dos conteúdos básicos que são objeto dos processos de ensino e aprendizagem no ensino fundamental e médio;

• domínio dos métodos e técnicas pedagógicas que permitam a transposição dos conhecimentos para os diferentes níveis de ensino.

O resultado do processo de aprendizagem deverá ser a formação de profissional que, além da base específica consolidada, esteja apto a atuar, interdisciplinarmente, em áreas afins. Deverá ter, também, a capacidade de resolver problemas, tomar decisões, trabalhar em equipe e comunicar-se dentro da multidisciplinaridade dos diversos saberes que compõem a formação universitária em Letras. O profissional de Letras deverá, ainda, estar compromissado com a ética, com a responsabilidade social e educacional, e com as conseqüências de sua atuação no mundo do trabalho. Finalmente, deverá ampliar o senso crítico necessário para compreender a importância da busca permanente da educação continuada e do desenvolvimento profissional.

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O contexto sócio-histórico no qual as reformas educacionais ocorreram é de extrema importância para que possamos tentar interpretar os conteúdos disponíveis no texto oficial.

Segundo Catani et al. (2001), a discussão sobre os currículos de graduação ganhou impulso a partir de 1995. Um dos principais motivos que ocasionaram mudanças na área foi a intensificação nos debates internacionais e no Brasil sobre o perfil profissional do trabalhador face às transformações no mercado. As transformações estruturais do capitalismo desencadearam a capacitação profissional urgente para atender à produção e enfrentar a competitividade. Os autores salientam que o MEC deu início à reforma curricular através do Edital no 4 , de 04 de dezembro de 1997, no qual foi solicitado às IES que encaminhassem propostas para a elaboração das Diretrizes Curriculares para os cursos de graduação. Assim, essas propostas contribuíram com o trabalho dos especialistas de ensino de cada área na elaboração das Diretrizes.

Passemos a discorrer sobre o tema do conteúdo em questão.

No que tange à unidade de registro relativa ao conteúdo temático, a subseção 2 das DCL, na qual se encontram “competências e habilidades” foi organizada em três parágrafos.

No primeiro, observamos aquilo que deve constituir o profissional da área. Logo nesse primeiro trecho, percebemos a superficialidade com que o tema é tratado, uma vez que quer seja o estudante de língua materna ou LE, modalidade de Bacharelado ou de Licenciatura, “deverá ser identificado por múltiplas competências e habilidades adquiridas durante sua formação acadêmica convencional, teórica e prática ou fora dela”.

Assim, entendemos que os elaboradores do documento esperam que seus interlocutores, nesse caso, as faculdades de Letras consigam fazer com que o concluinte do curso atinja uma formação abrangente com inúmeros conhecimentos. As IES, por sua vez, são responsáveis pelo processo articulatório de desenvolvimento das “competências e habilidades” do aluno de Letras.

Entretanto, os conteúdos ensinados em sala de aula não têm proporcionado a um grande número de professores um desempenho eficiente (CARVALHO, 2008:16). Na verdade, temos visto um círculo vicioso no ensino da língua inglesa no Brasil. O usual mau aproveitamento dos anos de inglês no currículo do ensino fundamental e do ensino médio

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leva à existência de inúmeros ingressantes ao curso de Letras sem um mínimo de conhecimento da língua estrangeira. As faculdades de Letras, por sua vez, não conseguem suprir essas deficiências, abastecendo, assim, o mercado de trabalho com profissionais mal preparados (WALKER, 2003: 44).

No segundo parágrafo, os pontos considerados pelo texto oficial são: a) campos de atuação do graduado em Letras; b) competências e habilidades a serem desenvolvidas no decorrer do curso. Os futuros profissionais poderão atuar como “professores, pesquisadores, críticos literários, tradutores, intérpretes, revisores de textos, roteiristas, secretários, assessores culturais, entre outras atividades (...)”. Dessa forma, o texto oficial não traz um perfil ou perfis do(s) professor(es) seja de língua materna ou de LE para atender às necessidades de ensino-aprendizagem do alunado brasileiro.

Quanto às “competências e habilidades”, há oito itens que se referem aos aspectos que deverão ser desenvolvidos para que o egresso possa atuar no mercado de trabalho. Os itens demonstram propor conhecimentos absolutos e enfatizam a formação pedagógica do estudante já que das oito (8) “competências e habilidades” listadas no documento, apenas uma (1) diz respeito à competência comunicativa do graduado. Dessa forma, no que se refere à proficiência, o documento aponta que o curso de Letras deve desenvolver “(...) o domínio do uso da língua portuguesa ou de uma língua estrangeira, nas suas manifestações oral e escrita, em termos de recepção e produção de texto”. Percebemos, assim, haver uma distribuição desigual entre os conhecimentos pedagógicos e os conhecimentos referentes à proficiência em LE exigidos nas DCL, que posteriormente veremos como são interpretados pelos cursos de Letras participantes desta pesquisa. Esse dado do texto oficial evidencia também um conceito de proficiência absoluto, sendo que, conforme enfatiza Scaramucci (2000) a proficiência possui caráter dinâmico, é relativa e está subordinada aos propósitos específicos de uso da língua.

Convém salientar que o documento objetiva a formação de profissionais eficientes com domínio das habilidades orais e escritas para atuarem no mercado de trabalho. No entanto, estamos em concordância com Walker (2003: 43), ao constatarmos que as DCL não orientam as IES a alcançar o seu objetivo de desenvolvimento das competências e habilidades do estudante de Letras.

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Ao contrário, os itens sugerem um caráter de indefinição sobre a formação do futuro profissional, tanto do ponto de vista do que a constitui quanto do que é esperado de fato (Camargo, 2007). O substantivo “domínio”, por exemplo, aparece quatro vezes na subseção 2; contudo, podemos questionar o que vem a ser domínio para os agentes produtores das DCL. Assim os dados levam-nos a pressupor que o domínio do uso da língua portuguesa ou de uma língua estrangeira nas suas manifestações oral e escrita deverá ser o mesmo para um professor de inglês, para um secretário bilíngüe ou para um crítico literário.

O documento não traz detalhes sobre o tipo de domínio da LE oral e escrita que o aprendiz terá que construir ao longo da graduação. Entendemos “domínio” nesse caso, como sinônimo de “ser proficiente”, entretanto, esse sentido de ser proficiente é muito amplo, além de ser considerado e utilizado em seu sentido não-técnico (SCARAMUCCI, 2000).

Parece nos, portanto, que não há parâmetros definidos nas DCL para a caracterização da proficiência do professor de inglês atuante em diferentes âmbitos de ensino no Brasil.

Embora as DCL, no que se refere à carreira de professor, não contemplem indicações direcionadoras para esse profissional, as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da Educação Básica, em nível superior, curso de Licenciatura, de graduação plena, abarcam príncípios, fundamentos e procedimentos que deverão ser seguidos na organização institucional e curricular de cada IES. Assim, na próxima seção, analisaremos os trechos desse documento que destacam as “competências e habilidades” do futuro professor.

Um outro item que faz parte de “competências e habilidades” descreve que o curso de Letras deve contribuir para a “reflexão analítica e crítica sobre a linguagem como fenômeno psicológico, educacional, social, histórico, cultural, político e ideológico”. Entretanto, conforme salienta Moita Lopes (2001:180), temos visto, inúmeras vezes, uma formação dogmática do professor de línguas sem que os cursos de Letras proporcionem “uma base teórica explícita sobre os processos de uso da linguagem dentro e fora da sala de aula”. Nessa formação dogmática, ou mais apropriado será dizer treinamento, o professor de LE atua como um aplicador de técnicas de ensino se adequando aos métodos

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recomendados pelo material didático e/ou pela instituição em que estiver trabalhando, como se não houvesse incertezas e questionamentos sobre a sua prática pedagógica dentro ou fora da sala de aula.

No terceiro parágrafo, temos o tipo de profissional resultante da aprendizagem conduzida no curso de Letras.

Segundo o documento, ao término da graduação, o estudante deverá possuir uma base específica consolidada e deverá também ter “(...) a capacidade de resolver problemas, tomar decisões, trabalhar em equipe e comunicar-se dentro da multidisciplinaridade dos diversos saberes que compõem a formação universitária em Letras”. Entretanto, como apontamos anteriormente, os agentes produtores das DCL e outras autoridades educacionais não fiscalizam efetivamente o resultado do processo de aprendizagem de LE nos cursos de Letras, haja vista o ENADE, que deveria ser um instrumento de avaliação do desempenho dos estudantes de Letras. Todavia, no caso do componente específico – Licenciatura em Língua Estrangeira, do ENADE/2005, o desenvolvimento da proficiência em LE do estudante não foi avaliada.

A Portaria INEP no 175, de 24 de agosto de 2005, no Art. 6º, orientou que a prova do ENADE/2005 no componente específico da área de Letras, iria avaliar se o estudante havia desenvolvido, no processo de formação, as seguintes habilidades e competências:

Domínio da língua portuguesa na norma culta e nas manifestações oral e escrita; uso adequado da língua em diferentes situações de comunicação; reflexão analítica e crítica sobre a linguagem como fenômeno social, psicológico, educacional, histórico, cultural, político e ideológico; visão crítica das perspectivas teóricas adotadas nas investigações lingüísticas e literárias, que fundamentam sua formação profissional; percepção de diferentes contextos interculturais; domínio de teorias de aquisição de línguas e de metodologias de ensino de línguas e literaturas; formação profissional atualizada, de acordo com a dinâmica do mercado de trabalho.

O Art.7º, por sua vez, postula o que o ENADE/2005 tomaria como referencial de conteúdos a serem avaliados. No que se refere a estudos lingüísticos e a estudos literários não há menção à LE. Já na parte denominada de formação profissional: Licenciaturas em LE, os conteúdos avaliados envolvem: i) teorias de aquisição de segunda língua ou LE; ii) teorias, métodos e técnicas de ensino e aprendizagem de segunda língua ou LE; iii) ensino reflexivo.

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Assim, observamos que as habilidades aferidas e os conteúdos no componente específico “Licenciatura em LE” do ENADE/2005 não contemplaram questões referentes a proficiência em inglês do estudante de Letras. Na prova não havia uma única questão em LE e de um total de 30 (trinta) questões, discursivas e de mútipla escolha, apenas 4 (quatro) se relacionavam à Licenciatura em LE. As três perguntas de múltipla escolha eram sobre os Parâmetros Curriculares Nacionais de Lingua Estrangeira (PCN-LE). Entretanto, mesmo aqueles que não tivessem lido os PCN-LE possivelmente responderiam as questões com facilidade, uma vez que os enunciados das perguntas já traziam elementos indicadores das respostas. A questão discursiva, que também trouxe um trecho dos PCN-LE, procurou avaliar a prática pedagógica do estudante de Letras.

Dessa forma, percebemos um Estado que consegue manobrar as políticas públicas educacionais de acordo com os seus interesses, ou seja, os documentos direcionadores de como deverá ser o graduado em Letras foram elaborados e cabe às faculdades cumprirem a árdua tarefa de construir a formação adequada desse futuro profissional. Além disso, o ENADE, componente curricular obrigatório dos cursos de graduação, cujo registro de participação é condição indispensável para a emissão de histórico escolar, não avalia o nível de desenvolvimento da proficiência em LE da amostragem de ingressantes e concluintes dos cursos de Letras. Conforme aponta Bohn (2000:126), uma das características do poder político é armar-se através de legislações específicas ou através do poder coercitivo contra as incursões de grupos opositores. “(...) Faz parte do poder político precaver-se e anular ingerências externas e atribuir-se exclusividade nas decisões, atribuindo a estas legitimidade e eficiência para toda a coletividade”.

Outro aspecto salientado no terceiro parágrafo é que terminada a graduação, o aluno continue a ser reflexivo e autônomo. Entretanto, diversos trabalhos em Lingüística Aplicada (CAVALCANTI & MOITA LOPES, 1991; CELANI, 2003; entre outros) investigam e buscam encaminhamentos para a dificuldade dos cursos de Letras na construção dessas características no desenvolvimento do estudante.

Os resultados ora apresentados demonstram que a complexidade do processo de formação do professor de inglês como LE, especificamente a proficiência em LE, não é efetivamente levada em consideração pelo texto oficial, tanto em sua elaboração, quanto na

52 avaliação dos estudantes de Letras.

3.2 As prescrições em relação à proficiência do professor nas Diretrizes