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4. FUNDAMENTOS DISCURSIVOS E ANÁLISE

4.3 ANÁLISE INTERPRETATIVA DOS COMENTÁRIOS

4.3.1 A PROJEÇÃO DAS CATEGORIAS DA ENUNCIAÇÃO NO

p. 55), ou seja, é uma instância de mediação entre a língua e a fala, é como a linguagem passa da virtualidade para a ação. O resultado ou produto da

enunciação é o enunciado. Identificamos aqui a noção de enunciado com a de texto. O enunciado/texto é o objeto de nosso estudo. Só a partir dele é que podemos criar um simulacro da cena enunciativa e analisar as estratégias discursivas que foram usadas para gerar os diferentes efeitos de sentido.

Toda vez que tivermos um enunciado sendo produzido, existe um responsável por esse ato, um EU a quem chamamos de Enunciador, e o receptor desse enunciado a quem chamamos de Enunciatário (TU).

O conceito de enunciador deve ser tomado como uma categoria abstrata, cujo preenchimento, numa manifestação específica, faz emergir o que conhecemos como autor, falante, artista, poeta, etc.; a noção de enunciatário, igualmente, define- se como categoria por meio da qual se manifestam leitores e fruidores de maneira geral (Tatit, 2002, p. 205)

A relação enunciador/enunciatário sempre ocorre num tempo e num espaço. Pessoa, espaço e tempo constituem as categorias da enunciação. A relação eu/tu da enunciação constitui a instância da produção do enunciado, portanto, uma relação pressuposta a este, ou seja, anterior a ele. Nesse sentido, Bertrand, comentando uma longa citação de Greimas, afirma: “Dessa maneira, o lugar da enunciação é reconhecido na medida, e somente na medida em que ela está logicamente pressuposta pela existência do enunciado”(2003, p. 82).

Já no enunciado, relação eu/tu, enunciador-enuciatário, é assumida pela relação narrador-narratário. E, quando, no enunciado, o narrador delega a voz a um outro, ele instala a relação entre interlocutor-interlocutário.

Podemos representar essas três instâncias da enunciação por este esquema de Barros (1999), aqui adaptado.

Figura 29 – Esquema da enunciação

O enunciador e o enunciatário são as representações do autor e do leitor implícitos na construção do texto.

Como podemos ver no esquema, a enunciação, é definida pelas categorias do eu-aqui-agora instauradas pelo enunciador. Eu, o enunciador, é aquele que diz eu e, ao dizer eu, ele institui o tu, o enunciatário. Chamamos esses dois sujeitos de actantes da enunciação, são eles os participantes da ação enunciativa. São eles os responsáveis pelo fazer enunciativo à medida que o primeiro produz o enunciado e o outro opera como um receptor que filtra o discurso de acordo com suas convicções e crenças. Essa relação unidirecional é demasiadamente simplificada, pois, o enunciador ao enunciar é sempre determinado pelo enunciatário, isto é, constrói seu enunciado movido pelo simulacro que faz de seu enunciatário. Por isso se diz que o enunciatário é coenunciador, fato que define a noção de sujeito da enunciação como uma entidade complexa. Segundo Greimas e Courtés (2008, p. 171) “o termo ‘sujeito da enunciação’, empregado frequentemente como sinônimo de enunciador, cobre de fato as duas posições actanciais de enunciador e de enunciatário”.

O processo de projeção das categorias da enunciação no enunciado denominamos de debreagem que pode ser de dois tipos: a debreagem enunciativa, quando é projetada no enunciado a enunciação, instalando nele um narrador eu, num tempo agora e num espaço aqui, o que configura uma

enunciação enunciada; a debreagem enunciva, quando é projetada no enunciado o enunciado, sendo, então estabelecido no enunciado um narrador em terceira pessoa. Ainda no que respeita ao quadro acima, a delegação de voz do enunciador para o narrador constitui uma debreagem de primeiro grau e a delegação de voz do narrador para o interlocutor constitui uma debreagem de 2º. Grau.

Exemplificaremos essas categorias ao mesmo tempo em que vamos fazendo a análise de nossos dados.

Comecemos com este comentário14:

“Eu nunca alimentei um pingo de expectativa sobre a decencia de marqueteiros, mas eles se superam. E os executivos da loja que aceitam uma campanha dessa laia merecem mesmo nao vender nada. Que quebrem.” Esse comentário é um enunciado/texto, no qual a instância da enunciação está identificada por um narrador eu que fala no tempo agora no espaço aqui. Como essas são as categorias da enunciação projetadas no enunciado, constitui esse enunciado uma enunciação enunciada. O destinatário/narratário do narrador é um tu/você não explicitado, podendo ser representado pelo leitor implícito. Na interação, o destinador eu fala de um referente eles, figurativizado no texto pelos “marqueteiros” e “executivos” da Loja Marisa, expressando em relação a eles o desejo de “Que quebrem”.

Em geral, nos comentários analisados, a enunciação enunciada só vem explicitada pela categoria pessoa, ficando as categorias de tempo (agora) e espaço (aqui) implícitas.

“Gostaria de registrar aqui meu total repúdio a esta campanha cruel que

lançaram, fazendo piadas em um momento tão difícil que o país enfrenta! Nojo de vcs por isso! Perdem algumas clientes... Farei questão de lembrar dessa piada, no mínimo de mal gosto, pra sempre!”

“Quem é louco de dar uma merda dessa loja pra mãe? A minha jogaria na minha cara! Nao conheço ninguém que tenha uma roupa dessa loja que uso mais de uma vez...agora entendi a propaganda, tinha mesmo que apelar.”

“Perderam uma cliente...uma nao 2...eu e minha mae nunca mais colocaremos os pés nessa loja. Fora que agora fiquei sabendo tbm sobre

trabalho escravo, preconceito racial e gordofobia por parte de vcs.”

Do total de 200 comentários que estamos considerando, 24 apresentam explícita a categoria de tempo usando “agora” e apenas 11 apresentam explícita a categoria de espaço usando “aqui” como nos comentários destacados acima.

Mesmo sem as marcas explícitas os comentários apresentam essa mesma configuração para as categorias de tempo e espaço.

Notemos mais alguns aspectos nesse outro enunciado que é também uma enunciação enunciada.

“Sádica a campanha absurda de vocês... Pode ter certeza que nunca mais nem eu nem minha esposa iremos pisar dentro de uma das lojas de vocês. Sádica e maldosa inacreditavelmente inumana. Deveriam ter vergonha”

Nela o narrador eu se dirige especificamente a um narratário “vocês”, explicitado também na passagem “ (Vocês) Deveriam ter vergonha”. Esse comentário, ao se dirigir aos donos da Loja Marisa por meio do Facebook, também terá como destinatário os leitores em geral dessa plataforma de interação social. A divulgação pública de uma posição pessoal em relação a um destinatário específico intensifica o poder persuasivo do narrador, uma vez que dessa forma pode ele conseguir adesão de outros a sua vingança de “nunca mais pisar dentro de uma das lojas de vocês”.

O mesmo pode se constatar neste outro comentário:

“É muito desrespeitoso e de um mau-caratismo que vcs façam esse tipo de

propaganda. E bem burro tbem, até pq vcs vendem majoritariamente pras

classes C, D e E, que foram as maiores beneficiárias das políticas sociais dos últimos anos e nas quais se concentram boa parte dos votos do PT. Eu que já não consumia nada dessa loja desde as multas pelas confecções de roupas com trabalho escravo, agora é q não consumo mesmo.”

O destinador especificado com o pronome eu se dirige ao destinatário vocês (vcs), diversas vezes identificado no texto. O seu protesto na rede pode resultar em que os destinatários-leitores também concordem com a sua proposta de boicote à loja. Para conseguir essa adesão relaciona dois argumentos principais: a inconsequência do fato de a loja vender “majoritariamente pras classes C, D e E” e, ao mesmo tempo, atingir por meio

da peça publicitária em questão, o partido dos trabalhadores, por quem essas mesmas classes foram beneficiadas “nas políticas sociais dos últimos anos” e no qual os membros dessas classes majoritariamente votaram; e o fato de que a Loja Marisa supostamente teriam se valido de trabalho escravo na confecção de roupas comercializadas por elas.

A enunciação enunciada cria no texto a ilusão de que a enunciação ocorre no aqui e agora da leitura do texto. O leitor tem a impressão de uma enunciação presentificada. O eu, ao se dirigir a um tu/você/vocês, reproduz no texto, a relação do diálogo das interações face a face. Produz-se, um efeito de subjetividade, de relação pessoal, de proximidade entre destinador e destinatário. Como essa característica lembra a proximidade das interações face a face, o texto enunciativo assume muitas vezes atributos de oralidade, de conversa. A esse propósito afirma Barros:

A relação entre eu e você caracteriza, por isso mesmo, interações informais, íntimas e espontâneas, na conversação face a face ideal. São características do franco-falar de Bourdieu (1979), de conversas menos elegantes, distintas, pelos motivos apontados (2002, p. 23)

Em relação à enunciação enunciada, cabe registrar também que é essa forma de debreagem (enunciativa) que caracteriza predominantemente as interações na internet. No momento em que o usuário acessa o Facebook, ele já é convidado à oralidade, à conversa, quando é solicitado a responder à pergunta

“O que você está pensando?” e a deixar seu comentário a esse pedido: “Deixe seu comentário sobre esta publicação”. Configura-se assim o grande cenário das interações no Facebook, um cenário enunciativo, que estimula interações de proximidade e até de intimidade.

Ainda em relação ao caráter das intervenções de usuários a objetos postados no Facebook, cabe considerar que, em geral eles se manifestam em grupo, quando não em massa. Ainda que cada um poste o seu comentário, ele já vem influenciado por outros já publicados. Assim, sucessivamente, vai se criando um clima de massa no qual facilmente as manifestações racionas são abafadas pelos traços emocionais de raiva, vingança ou até ódio. Esse fenômeno se trata do que Barros (2016) chamou de “tsunamis de ódio”, um

conglomerado de discursos marcados pela intensidade exacerbada do preconceito, da não-aceitação do outro, do incentivo ao ódio e a violência.

Uma decorrência desse contexto de massa, de influência mútua, leva ao fato de haver nos comentários um grande número de manifestações exclamativas, de verdadeiros gritos comuns e reiterados em manifestações públicas de rua e em passeatas.

Dos 200 comentários coletados, 85 contêm expressões exclamativas. Vejamos alguns exemplos de como essas exclamações aparecem. É possível identificar muitos comentários que iniciam por uma única palavra ou uma expressão, como se fosse um grito, que qualifica ou desqualifica o enunciado:

Que grosseria desta marca coxinha! Respeito aos mortos é o mínimo

que se pede até de golpistas! Engulam a derrota do juizeco de vocês diante do Presidente Lula!!!! Lula 2018!!!!!!!”

“Minha mãe tem consciência, tenho certeza a ela nem aceitaria um presente de uma loja q apóia o golpe.

Canalhas! Canalhas! Canalhas!”

"A criatividade é a alma do negócio!!!!

Atire a primeira pedra a mulher que nunca comprou algo e não contou ao marido: Uma blusinha, um vestido, um par de sapatos, uma bolsa, uma tupperware, um tripléx no Guarujá!"

"Simplesmente DE-MAIS!!!!

Isso q é marketing.

Nao ia comprar ai, IA, agora vou. Kkkkkkkk"

"Fantásticooooooooo... já trabalhei nessa empresa e já admirava, agora

muito mais.

Parabéns pela sacada de gênio, quem fez isso tem que receber dois prêmios, se perder um já tem o outro...kkkkkkkkkkk"

“Que lixo de campanha de dia das mães perversa é essa? Vocês enlouqueceram? Sou mãe, e estou indignada com a falta de respeito com uma pessoa que já morreu, e que mesmo assim, insistem em condenar sem nenhuma prova, somente no achismo do alto de suas arrogâncias e braços dados com o golpe político do país. ABSURDO!!!”

Eliminei do coração essa loja!!! NÃO vou de Marisa nunca mais... Pra

mim, uma empresa tem que se preservar na imparcialidade de qualquer assunto para que possa atender à todos, já que preza tanto pelo consumismo!!! Fui....”

“Vou cancelar meu cartão! Isso que vocês fizeram não é marketing, é desumano! Comemorar o dia das mães fazendo piada com uma mãe falecida não é apenas de mau gosto, é de uma canalhice sem tamanho! Nunca mais compro nada de vocês! Nojo!”

“Isso é o que eu chamo de falta de escrúpulos e respeito, se não ao homem Lula, mas a família de dona Marisa, filhos, netos e bisnetos que não tem nada com isso! Boicote já!”

FALTA DE RESPEITO! Marisa Leticia tem uma história e principalmente

uma familia q vai sofrer nesse primeiro dia das mães sem ela. Desrespeitoso. Vcs deveriam se desculpar e tirar isso de circulação”

As expressões exclamativas em destaque, funcionam como gritos em uma passeata de rua, por exemplo, na qual, quando um grita encoraja os demais a fazerem o mesmo fortalecendo a causa. Podemos ver, que no ambiente virtual do Facebook esse recurso tem a mesma finalidade. CANETTI, citado por Hilgert e Neto(2017, p.738), ao tratar dessa questão das manifestações das massas diz que:

[...] a massa destrói preferencialmente edifícios e objetos. Como frequentemente se trata de coisas quebradiças – como vidraças, espelhos, vasos, quadros, louça –, inclinamo- -nos a acreditar que é justamente esse caráter quebradiço dos objetos que estimula a massa à destruição. Seguramente o ruído da destruição – o espatifar-se da louça, o tinir das vidraças contribui de modo considerável para o prazer que se tem nela [...]. O fato de ser tão fácil provocá-los intensifica-lhes a popularidade: todos gritam em uníssono, e o tinir é o aplauso dos objetos. [...] O barulho promete o fortalecimento pelo qual

se espera, constituindo ainda um feliz presságio dos feitos que estão por vir

(1995, p. 18)

Nesses comentários, o que ratifica o caráter de oralidade é ausência de complexidade sintática dos períodos. Predominantemente são períodos curtos, de uma única oração ou no máximo com orações coordenadas. São frequentes orações nominais, com forma verbal não expressa. Eventualmente aparecem períodos compostos com uma oração subordinada adjetiva ou substantiva obtiva direta, que são as recorrências comunas na fala.

“Kkkkkkkkkkkk kkkkkkkkkkkk melhor marketing” “Ja vou la.”

“Mas que porcaria é essa? Canalhas”

“alô lojinha brega que usa trabalho escravo, o meu dinheiro e da minha família vcs jamais verão!”

“Dinheiro meu essa lojinha nunca verá.”

Outro aspecto comum a observar nos comentários é o descompromisso com a correção ortográfica e gramatical, com atestam esses exemplos:

“Tinha respeito a vocês e pelo visto vocês não respeita o Brasil então se

lasquem porque o meu dinheiro boxes nunca mais oi as mãos.”

Ten um povo dizendo que foi excelente jogada de marketing e que fará sua

1a compra lá. Povinho mentiroso. Nunca entraram numa Loja Marisa e nem entrarão. Burguês acha loja Marisa brega. Nisso eles tem razão.”

“FALTA DE RESPEITO! Marisa Leticia tem uma história e principalmente uma

familia q vai sofrer nesse primeiro dia das mães sem ela. Desrespeitoso. Vcs

deveriam se desculpar e tirar isso de circulação. ”

Destacamos até aqui a enunciatividade produzida pela debreagem das categorias da enunciação. Não nos deparamos com muitas ocorrências de embreagem, isto é, de enunciados em que ocorre uma neutralização da debreagem, ou seja, de substituição de uma pessoa por outra, de um tempo por outro ou de um espaço por outro.

Vejamos este exemplo:

Já não comprava pela péssima qualidade dos produtos, LAVOU...CAGOU, agora farei questão de fazer propaganda contra, a todas as minhas amigas e familiares. Falta de respeito com uma mulher que morreu por culpa da perseguição política que sofreu. Se não respeitam a memória de uma MÃE E

AVÓ, imaginem se vão respeitar o consumidor. Ainda terei o prazer de ver esta rede fechada. De fascista para fascista..Marisaa.

Observe-se a forma adverbial “agora” (momento da enunciação) em relação ao tempo verbal “farei” (momento futuro). Substitui-se o tempo então pelo tempo agora, produzindo-se um efeito de sentido de presentificação do futuro.

Consideremos agora estes próximos três comentários.

“Postagem lamentável e oportunista. As Loja Marisa não precisavam disto para fazer marketing. Decepcionante alimentar ódio.”

“Loja de nível popular que só cresceu porque o povão passou a ter um pouco mais de condições, logo verá o fundo do poço..”

“A canalhice tem de ter um limite! Fazer deboche com a falecida Dona Marisa, mãe e avó, para vender roupas vagabundas, produzidas com trabalho escravo, é inadmissível! #Marisafazmalàsmulheres#”

Neles o enunciador não instala no enunciado um narrador eu. Observase que o narrador é alguém, uma terceira pessoa indeterminada, que caracteriza o enunciado enunciado. A debreagem enunciva produz um efeito de sentido de distanciamento do narrador. Ele se coloca como um observador do objeto constituído pela peça publicitária. Sobre ela emite pareceres e opiniões.

“Marketing apelativo, vergonhoso, e desrespeitoso das Loja Marisa. Falta

de tato, respeito e tremenda baixaria usar isso para o nome de uma

promoção”

Loja de nível popular que só cresceu porque o povão passou a ter um

pouco mais de condições, logo verá o fundo do poço..”

No primeiro exemplo, o narrador apenas desqualifica a peça publicitária, sem deixar qualquer outra marca da cena enunciativa, faz unicamente uma livre observação e usa somente o pronome demonstrativo “isso” para identificar o objeto de tantas críticas, e, com essa forma de uso do pronome também indica o caráter de reprovação do comentário, um desprezo a ele.

No segundo, ao usar a construção “Loja de nível popular” é como se o próprio narrador objetivasse tamanho distanciamento do enunciado que não deseja

nem usar o nome próprio das Loja Marisa. Ao final, encontramos uma expressão popular “logo verá o fundo do poço.” que visa a dar credibilidade ao período anterior, pois esse tipo de estrutura carrega consigo o sentido do discurso da massa: é o que todos dizem, ou ainda, é o que todos sabem que acontece com lojas desse tipo. (“Loja de nível popular”).

Em princípio, no âmbito do Facebook, em que as pessoas se manifestam por impulsos de massa, parecido com as manifestações de pessoas movidas por impulsos advindos de um movimento de massa, mesmo se tratando de manifestações com algum distanciamento e aparente objetividade, Hilgert e Neto (2017) assim se manifestam:

Os enunciados [...] vêm esvaziados de racionalidade explicativa, argumentativa e justificadora. Não há neles o distanciamento do observador analista, mas, sim, o imediatismo do enunciador apaixonado que escancara o eu, aqui e agora, num rompante de ódio, extravasado num grito de euforia[...] (p.740)

Na verdade, os comentários que aqui analisamos não constituem propriamente “rompantes de ódio”, embora em alguns deles possamos verificar emoções muito próximas dele. Por isso consideramos válidas as palavras dos referidos autores.

“tenho vergonha e pena de quem trabalha nessa loja. vergonha por fazerem piada com o nome de uma mulher, mãe, recém-falecida...e pena de quem trabalha nessa loja já acusar de uso de mão de obra escrava...espero que amarguem a falência depois dessa...boicote total”

“Nojo!!! Lucrar em cima do circo midiático, da perseguição a uma família pra referendar um golpe de Estado. NÃO COMPREM NA MARISA!”

Dissemos no início deste tópico sobre enunciação, que nele há dois aspectos a considerar: as projeções da enunciação no enunciado e os procedimentos argumentativos do enunciador para persuadir o enunciatário. Do primeiro aspecto tratamos acima. Em relação ao segundo, não abriremos tópico específico, até porque, tudo o que já se disse anteriormente é investimento do enunciador para persuadir, seja o seu destinatário explicito, seja o implícito. O que faremos a seguir é destacar alguns recursos que se destacam nos comentários destinados a criar efeitos de persuasão.

De acordo com Fiorin(2013), a argumentação consiste no conjunto de procedimentos linguísticos e lógicos usados pelo enunciador para convencer o enunciatário. Assim, já deixamos claro que, não podemos atribuir o poder da argumentação apenas a um procedimento. O caráter persuasivo inerente a todo e qualquer enunciado se apresenta pela junção de várias estratégias argumentativas.

Sobre estratégias argumentativas presentes nos enunciados/comentários de nosso corpus, restringimo-nos a destacar a produção de efeitos de realidade, a ironia e os aforismos.

Para atender suas necessidades de persuasão, o enunciatário pode construir enunciados caracterizados principalmente pelo desacordo entre as instâncias da enunciação e do enunciado. É o caso por exemplo dos textos irônicos, onde o que está sendo dito deve ser interpretado como o não-dito, como o oposto literal do que foi enunciado. A ironia se caracteriza pela oposição categórica entre enunciação e enunciado, nela se afirma algo no enunciado que é negado pela enunciação.

Segundo Fiorin (2013, p.80) “Desse conflito entre enunciado e enunciação enunciada depreende-se que, na voz do narrador, os termos do enunciado destacados querem dizer o contrário do que dizem”. Vamos a alguns

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