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4. T RAMITAÇÃO PROCESSUAL

4.2. O DESPACHO INICIAL

4.2.6. A PRORROGAÇÃO DO PERÍODO DE CESSÃO

57 insolvência voltar a executar os bens do devedor que estavam destinados à cessão (art.

242.º-1 a contrario)260.

58 Os legitimados do n.º 1 deverão, então, submeter o pedido de prorrogação antes de terminar o período de cessão e, segundo o n.º 2, no prazo de 6 meses a contar do momento em que tenham ou poderiam ter tido conhecimento do incumprimento das obrigações do art. 239.º-4, sob pena de se considerar intempestivo. Por questões de celeridade, deverá ser logo oferecida a prova das causas invocadas e do momento do seu conhecimento (n.º 2 do art. 242.º-A)264.

O n.º 3 indica que o juiz, antes de decidir, deve ouvir o devedor, o fiduciário e os credores da insolvência265, ainda que não se encontre vinculado ao observado por estes, decretando a prorrogação apenas se concluir pela existência de probabilidade séria de cumprimento das obrigações da exoneração pelo devedor. A análise da probabilidade séria de cumprimento poderá depender, por um lado, da avaliação pelo juiz do esforço e do tempo de cumprimento anterior mantido pelo devedor ou, por outro, da alegação e prova pelo devedor de circunstâncias que permitam concluir nesse sentido266. Logo, em caso de oposição do devedor, o juiz recusa a prorrogação porque, além de não confessar a sua má-fé, tal atuação conduz à conclusão de que não existe uma probabilidade séria de cumprimento das obrigações267. O juiz também recusa imediatamente a prorrogação se o devedor não prestar no prazo fixado, sem motivo razoável, por escrito ou em audiência convocada, informações que comprovem a existência de probabilidade séria de cumprimento das suas obrigações (n.º 1 do art. 242.º-A).

O juiz decide da prorrogação antes de terminado o período de cessão (art. 242.º-A-1) ou nos 10 dias subsequentes ao seu termo (art. 244.º-1), consoante o momento em que o pedido tenha sido submetido268. MARIA DO ROSÁRIO EPIFÂNIO dá nota que o devedor terá interesse na prorrogação no caso de a recusa da exoneração ser altamente

264 ANA PRATA/JORGE MORAIS CARVALHO/RUI SIMÕES,Código…, p. 675, a propósito da junção imediata da prova ao requerimento de cessação (art. 243.º-2).

265 Tal como ocorre na cessação antecipada (art. 243.º), o administrador da insolvência tem legitimidade para requerer, mas não é ouvido em caso de requerimento submetido por outro sujeito, mantendo-se sempre nesses casos o contributo do fiduciário.

266 Pense-se, por exemplo, no incumprimento da obrigação de procurar diligentemente uma profissão quando desempregado (art. 239.º-4-b)). O devedor poderá demonstrar perspetivas sérias de cumprimento dessa obrigação, submetendo nos autos currículo atualizado ou agendamentos de entrevistas de emprego.

O devedor até pode encontrar-se em situação de conclusão de estudos, oferecendo perspetivas sérias de cumprimento o tipo de estudos feitos, o tipo e quantidade de qualificação obtida e a área de mercado onde pretende ingressar.

267 Concorda-se, por isso, com MARIA DO ROSÁRIO EPIFÂNIO [in Manual…, p. 420].

268 Como o pedido pode ser submetido até ao término do período de cessão, a decisão judicial poderá ocorrer depois de terminado esse período, caso seja apresentado perto desse término [v. MARIA DO ROSÁRIO EPIFÂNIO, Manual…, pp. 420-421].

59 provável269, pelo que se perspetiva que os muitos dos pedidos de prorrogação ocorram perto do término do prazo de 3 anos se os credores forem inativos durante todo o período de cessão.

O juiz decide logo que seja submetido o pedido, depois de produzido contraditório (art. 242.º-A-3), à semelhança do que acontece com o pedido de cessação antecipada.

Apesar do art. 244.º-1 indicar que o juiz decide sobre o pedido de prorrogação nos 10 dias subsequentes ao termo do período de cessão, não se pode entender que esse é o único momento de decisão, sob pena de se ignorar uma violação das obrigações e de se perpetuar o incumprimento até ao decurso dos 3 anos da cessão. Desta forma, o prazo indicado no art. 244.º-1 tem em vista os casos em que o pedido seja apresentado perto do término do período de cessão.

O art. 242.º-A não deixa claro se a intenção é manter o devedor, durante o período de prorrogação, vinculado ao cumprimento de todas as obrigações da exoneração do art.

239.º-4, continuando a ceder rendimento, ou se pode limitar-se ao cumprimento da obrigação violada anteriormente, nomeadamente repor os pagamentos anteriores incumpridos. Não se pode aceitar esta última interpretação, uma vez que o incumprimento de qualquer obrigação do n.º 4 do art. 239.º é passível de provocar a prorrogação, desde que haja prejuízo para os credores da insolvência, não se limitando à obrigação de cessão.

O sentido conjunto das várias obrigações da exoneração está desenhado para que exista rendimento disponível para ceder, pelo que não se vê como pode ser prorrogado o período de cessão para cumprir uma obrigação informativa ou de procura diligente de emprego sem que isso acarrete a consequente cessão do rendimento disponível, se existir270. Ademais, se a prorrogação existir apenas para compensar os valores não cedidos durante o período de cessão de 3 anos, o mais provável é que os devedores venham pedir a prorrogação para pagar o mesmo valor num prazo maior (até 6 anos) sem outras consequências, o que não se coaduna com o espírito de eficácia e celeridade do procedimento de perdão de dívidas trazido pela Diretiva.

269 Manual…, pp. 420-421.

270 Supondo que foi concedida a prorrogação ao devedor por 6 meses em virtude do incumprimento da obrigação de procura diligente de profissão remunerada. O devedor até podia não ter rendimento disponível para ceder durante o período de cessão, mas consegue emprego no decorrer do período de prorrogação. Se o art. 242.º-A estiver pensado para compensar a obrigação incumprida, neste caso o devedor já não teria mais nada a cumprir e o período de cessão esvaziaria de sentido. Portanto, o mais lógico é manter o devedor adstrito a todas as obrigações da exoneração, neste caso a de ceder parte do rendimento disponível e a de preservar a profissão exercida, não a abandonado sem motivo legítimo (art. 239.º-2 e 4-b) e c)).

60 Neste sentido, a possibilidade de prorrogação do art. 242.º-A não significa um novo período de cessão, mas uma extensão do período inicial de 3 anos, que pode ser alongado até ao máximo de 6 anos. Tratando-se de uma continuação no tempo de um período anterior, afigura-se que o devedor se mantém, durante o período de prorrogação, vinculado a todas as condicionantes impostas pelo mecanismo da exoneração durante o período de cessão, como as obrigações do art. 239.º-4 e a possibilidade de ocorrer a liquidação superveniente (art. 241.º-A) e a cessação antecipada (art. 243.º). Abre-se a possibilidade a um juízo de tolerância sobre o incumprimento de uma obrigação pelo devedor, oferecendo-lhe uma oportunidade para corrigir o curso do seu comportamento através da compensação da medida da violação no tempo de prorrogação. Por isso, o juiz não pode recusar a exoneração com fundamento na violação da obrigação que determinou a prorrogação do período de cessão, até porque se forma caso julgado271. Se assim não fosse, estar-se-ia a produzir dois juízos contraditórios – um de tolerância e outro de censura – sobre o mesmo comportamento do devedor, não lhe oferecendo segurança e confiança no procedimento de reabilitação orçamental.

A compatibilização entre a cessação antecipada e a prorrogação do período de cessão testará a tolerância dos juízes quanto à exoneração do passivo restante e à boa-fé do devedor para cumprir. Tendo em conta que os requisitos substantivos e processuais da prorrogação são os mesmos apontados pela al. a) do n.º 1 e pelo n.º 2 do art. 243.º, poder-se-á questionar se o devedor pode reagir contra um pedido de cessação, em sede de contraditório, com um pedido de prorrogação assente na má-fé denunciada. Em princípio, se o devedor confessar a violação da obrigação e fizer prova da existência de probabilidade séria de cumprimento, o pedido de prorrogação prevalece, fazendo-se uma interpretação a favor do devedor atendendo à ratio de proteção do art. 242.º-A. Neste caso, a prorrogação constituirá uma verdadeira advertência benévola ao comportamento do devedor, esgotando a única possibilidade de ver prorrogado o período de cessão.

Por seu turno, a tolerância do juiz sobre o incumprimento do devedor será, em concreto, medida pelo tempo de prorrogação determinado em despacho judicial. A lei fixa, sem orientações, um prazo flexível de prorrogação que pode chegar ao máximo de 3 anos. Como tal, apela-se a uma proporcionalidade na apreciação do incumprimento do devedor para que a prorrogação reflita a exata medida da sua má-fé, por referência ao tipo

271 Se o devedor continuar a incumprir, será esse incumprimento a fundar a recusa da exoneração, se preenchidos os requisitos, e não o que determinou a prorrogação.

61 de obrigação violada, ao estado subjetivo do devedor e à duração do incumprimento, sob pena de atribuir uma visão punitiva à prorrogação272. Por exemplo, se o devedor incumprir durante 6 meses a obrigação de procurar diligentemente profissão remunerada ou a obrigação de ceder a parte do seu rendimento disponível, em princípio a prorrogação deverá ter a mesma medida do incumprimento: 6 meses. Contudo, dado o possível alcance de 3 anos de prorrogação, perspetiva-se que prazos de prorrogação mais longos representem uma aplicação punitiva da lei, a não ser que se reportem a um incumprimento anterior quase perpétuo ou um plano de pagamentos faseado num maior tempo para cobrir os rendimentos não entregues anteriormente.

Por fim, note-se que o pedido de prorrogação é compatível processualmente com o pedido de alteração do rendimento disponível, se em causa estiver a violação da obrigação de cessão do rendimento disponível. O devedor terá, assim, de demonstrar as circunstâncias que determinaram a deterioração da sua capacidade para ceder rendimento, desde que supervenientes ao despacho inicial, podendo assentar a existência de probabilidade séria de cumprimento na diminuição do valor a ceder por um período de cessão mais longo. Difícil será, no entanto, perspetivar uma possibilidade séria de cumprimento se o devedor, falhando a entrega dos últimos rendimentos mensais, pedir a prorrogação sem justificar as causas do incumprimento anterior ou sem alegar novas circunstâncias acerca da sua capacidade económica. Além disto, o devedor também poderá requerer a alteração do rendimento disponível durante o período de cessão se as circunstâncias se alterarem, não sendo prejudicado no acesso ao benefício final se em virtude das circunstâncias que motivem a alteração deixar de ter rendimento disponível para ceder.

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