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4. T RAMITAÇÃO PROCESSUAL

4.4. O DESPACHO DE REVOGAÇÃO

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70 e mais tarde se descobre esse feito, até porque após o despacho final o devedor poderia erradamente pensar que já estava liberto da atenção dos credores305.

Em segundo lugar, em termos processuais, o n.º 2 do art. 246.º dispõe sobre a legitimidade para requerer a revogação e o respetivo limite temporal e regime de prova.

Por um lado, a letra da lei parece pressupor a apresentação de um requerimento no sentido da revogação da exoneração306, que, a existir, deve ser apresentado dentro do prazo de 1 ano após o trânsito em julgado da decisão de exoneração, sob pena de se considerar intempestivo307. O n.º 2 do art. 246.º aponta expressamente para a legitimidade ativa dos credores da insolvência, mas a imprecisão da disposição leva alguns autores a alargar a legitimidade ao administrador da insolvência em funções ou ao fiduciário com poderes de fiscalização308 e aos condevedores ou terceiros garantes do devedor face à aplicação do n.º 4 do art. 217.º309.

Por outro lado, na medida em que o n.º 1 do art. 246.º exige a prova dos requisitos substantivos da revogação, o n.º 2, referindo-se aos credores da insolvência, claramente aponta no sentido de que o ónus de prova cabe ao requerente da revogação310, que deverá oferecê-la de imediato com o peticionário311. Como a revogação tem por referência factos anteriores ao despacho de exoneração, o requerente terá também de oferecer prova sobre o seu conhecimento superveniente, ou seja, que não teve conhecimento dos fundamentos da revogação ao momento do trânsito em julgado da decisão de exoneração312, não relevando a verificação posterior desses ou de outros factos, como novas dívidas313.

305 Neste caso, o despacho de revogação não determina a reabertura do incidente de exoneração para a liquidação superveniente daquele bem, mas antes a reconstituição dos créditos anteriormente extintos (art.

246.º-4), podendo os credores voltar a reagir individualmente contra o devedor.

306 ALEXANDRE DE SOVERAL MARTINS,Um Curso…, pp. 559-560. O autor aponta para o n.º 1 do art. 246.º, que exige prova, e para o n.º 2 do mesmo artigo, que admite requerimento submetido por credor da insolvência.

307 No sentido de uma interpretação corretiva do preceito do art. 246.º-2, substituindo a expressão

“decretada” por “requerida”, v. LUÍS CARVALHO FERNANDES/JOÃO LABAREDA, Código…, pp. 872-873.

Referindo-se ao momento em que o requerimento “dê entrada no tribunal”, v. ANA PRATA/JORGE MORAIS CARVALHO/RUI SIMÕES,Código…, p. 679.

308 ALEXANDRE DE SOVERAL MARTINS,Um Curso…, pp. 559-560.

309 LUÍS CARVALHO FERNANDES/JOÃO LABAREDA, Código…, p. 873.

310 LUÍS CARVALHO FERNANDES/JOÃO LABAREDA, Código…, p. 873 e ALEXANDRE DE SOVERAL MARTINS, Um Curso…, pp. 559-560.

311 Aplicando a parte final do art. 243.º-2, v. ANA PRATA/JORGE MORAIS CARVALHO/RUI SIMÕES, Código…, p. 679.

312 LUÍS CARVALHO FERNANDES/ JOÃO LABAREDA, Código…, pp. 872-873. No sentido de que o desconhecimento anterior ter de ser desculpável, vide ALEXANDRE DE SOVERAL MARTINS,Um Curso…, p.

560.

313 ANA PRATA/JORGE MORAIS CARVALHO/RUI SIMÕES,Código…, p. 679.

71 Nos termos do n.º 3 do art. 246.º, como a decisão de revogação carece de contraditório, o juiz deverá antes ouvir o devedor e o fiduciário, ainda que não esteja vinculado ao que for alegado por estes314. Repare-se que não existe disposição idêntica à do art. 243.º-3, pelo que o silêncio do devedor – agora exonerado – não funcionará a favor da revogação como funciona a favor da cessação antecipada e da recusa de prorrogação, enquanto se encontra adstrito às várias obrigações do art. 239.º-4.

Ora, face ao supra exposto, dificilmente se perceciona uma intervenção ex officio do juiz, afigurando-se mais provável que a intervenção judicial ocorra de forma provocada e limitada à decisão sobre o pedido de revogação315. Atentos os fundamentos do n.º 1 do art. 246.º, o juiz já teve amplo espaço para conhecer oficiosamente da verificação de alguma das als. b) e ss. do art. 238.º e, pelo menos aquando do despacho de exoneração do art. 244.º-1, da violação das obrigações durante o período de cessão, com requisitos menos exigentes. Dado o volume de trabalho dos tribunais, afigura-se pouco viável que um juiz volte a dispensar tempo para repetir uma tarefa de revisão de um processo transitado em julgado, para além da provável inutilidade dessa tarefa na descoberta de novos factos face aos elementos já constantes dos autos e examinados nas várias fases.

Quanto à revogação da exoneração com base na verificação de fundamentos que teriam permitido o indeferimento liminar, cumpre notar que a doutrina discute o alcance da remissão para as als. b) e ss. do n.º 1 do art. 238.º. CATARINA SERRA defende uma interpretação corretiva no sentido de a remissão operar para as als. b) e ss. do n.º 1 do art.

243.º, uma vez que é difícil consentir com uma revogação fundada em causas que obstariam ao início do período de cessão e para as quais já existiu um amplo espaço para serem alegadas ou conhecidas oficiosamente pelo juiz316. Contudo, as preocupações da autora parecem estar acauteladas pela disposição do n.º 2 do art. 246.º, que exige a prova da superveniência do conhecimento da causa de revogação. Portanto, o funcionamento da revogação dependerá, em princípio, de elementos que escapam ao alcance investigatório do tribunal e que não foram oportunamente juntos aos autos por desconhecimento não

314 LUÍS CARVALHO FERNANDES/JOÃO LABAREDA, Código…, p. 873.

315 No sentido da possibilidade de conhecimento oficioso, v. ANA FILIPA CONCEIÇÃO, La insolvencia… p.

538. No sentido inverso, v. ALEXANDRE DE SOVERAL MARTINS, Um Curso…, pp. 559-560.

316 Lições…, 2018, p. 573.

72 imputável ao interessado. Note-se que a letra da lei pressupõe que também aqui exista, em geral, prejuízo relevante para os credores317.

Esclarece o n.º 4 do art. 246.º que a decisão do juiz que conclua pela revogação importa a reconstituição de todos os créditos extintos pelo efeito do art. 245.º-1, na parte em que o tenham sido318. Assim, todos os créditos, incluindo os não reclamados e verificados no processo de insolvência, reconstituem-se, podendo os credores voltar a exigi-los319.

Portanto, durante 1 ano após o trânsito em julgado da decisão final de exoneração o devedor é submetido a um segundo período probatório, mas neste caso de mera avaliação do seu comportamento antes e durante todo o incidente da exoneração. Este prazo acarreta uma consequente incerteza para o devedor sobre o benefício final que lhe foi concedido, funcionando como mais um espaço de proteção dos direitos dos credores, a fim de impedir o perdão de dívidas de devedores de má-fé. Ainda assim, como frisa ANA FILIPA CONCEIÇÃO, “um devedor diligente, cauteloso, preocupado, nada tem a temer com esta previsão”320.

Estranha-se, no entanto, que o legislador não tenha reduzido o prazo de revogação para, pelo menos, 6 meses, em congruência com os prazos para requerer a cessação antecipada e a prorrogação do período de cessão. Se a lógica com a redução dos prazos é potenciar uma rápida recuperação do devedor, a manutenção do prazo de 1 apenas perpetua e alarga a incerteza do devedor quanto à possibilidade de, finalmente, se encontrar liberto de terceiros olhares.

317 Contudo, a verificação da al. c) do n.º 1 do art. 238.º não exige este requisito porque se trata de um pressuposto formal. De qualquer forma, como indica JOSÉ GONÇALVES FERREIRA, o juiz deverá manifestamente conhecer da não verificação desta alínea no despacho inicial quando se trate de facto suscetível de ser conhecido através do art. 412.º-2 do CPC [in A exoneração…, pp. 103-104].

318 LUÍS CARVALHO FERNANDES/JOÃO LABAREDA, Código…, p. 873.

319 ANA PRATA/JORGE MORAIS CARVALHO/RUI SIMÕES,Código…, p. 679. Em sentido inverso, concluindo pela reconstituição apenas dos créditos reclamados e verificados, v. LUÍS CARVALHO FERNANDES/JOÃO LABAREDA, Código…, p. 873. Contudo, a letra do n.º 4 do art. 246.º parece apontar no sentido da reconstituição de todos os créditos que foram extintos pelo efeito exoneratório do art. 245.º, que no seu n.º 1 não exceciona os créditos não reclamados e verificados.

320 La insolvencia…, p. 540 [tradução nossa].

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