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Para cumprimento da Meta 1 do Plano Estratégico da Convenção sobre Diversidade Biológica das Nações Unidas a CONABIO estabeleceu em 2006, como Meta para o Brasil, a proteção de pelo menos 30% do bioma Amazônia e 10% dos demais biomas em unidades de conservação até o ano de 2010 (SOUSA et al., 2011).

Em 2010, durante a COP10, foi estabelecida a Meta 11, que prevê que até 2020 pelo menos 17% das áreas terrestres e 10% das áreas costeiras e marinhas sejam conservadas por meio de um sistema de áreas protegidas.

Mesmo computando-se a soma das UCs de proteção integral e uso sustentável o Brasil ficou aquém da Meta 1 definida pela CONABIO.

Segundo informações disponíveis no site do Ministério do Meio Ambiente,

Unidades de Conservação por Bioma, atualizado em 03/11/2011, 26,4% do bioma

Amazônia está protegido por UCs, sendo apenas 9,8% em unidades de proteção integral e o restante, (16,6%) em Unidades de uso sustentável. Nos demais biomas a relação de efetividade se repete, embora a proporção seja ainda mais favorável às UCs de uso sustentável. No que se refere à caatinga, apenas 7,5% do bioma está protegido, sendo 1,1% em UC de proteção integral e 6,4% em UC de uso sustentável. O cerrado está com 8,2% de sua área protegida, sendo 3,1% em UC de proteção integral e 5,1% em UC de uso sustentável. A Mata Atlântica possui 9,7% de sua área protegida, sendo 2,3% em UC de proteção integral e 7,3% em UC de uso sustentável. Apenas 3,3% do pampa está protegido, sendo 0,9% em UC de proteção integral e 2,4% em UC de uso sustentável. O pantanal possui 2,9% de sua área protegida em UC de proteção integral e 1,5% protegidas em 12 RPPNs (BRASIL. Ministério do Meio Ambiente, 2011m). Os dados inserem as RPPNs, entre as UCs de uso sustentado, embora como já mencionado no item 2.2.3 sejam de fato unidades de proteção integral. Só no âmbito federal são 579 UCs, que ocupam uma área de 477.225,14 ha. A Confederação Nacional das Reservas Particulares do

Patrimônio Natural (CNRPPN) (2011), registra 1.062 RPPNs, com área em torno de 692.000 hectares, em 563 municípios. Esta área, no entanto, ainda não é significativa em termos percentuais (0,056% da área do país).

No que se refere ao ambiente marinho a questão é mais grave, pois apenas 0,1% dos 1,5% protegidos estão em unidades de proteção integral (BRASIL. Ministério do Meio Ambiente, 2011m).

Atualmente, se computadas as áreas protegidas em unidades de proteção integral e uso sustentável, o Brasil já teria atingido a Meta 11, pois possui 17,1% de sua área continental protegida com unidades de conservação. Entretanto, apenas 6,1% dessa área estão em Unidades de proteção integral e 11,1% em unidades de uso sustentável. Além disso, a representatividade por bioma ainda não foi atingida, eis que a Amazônia contribui fortemente para este valor (76% da superfície protegida está inserida no bioma Amazônia). (BRASIL. Ministério do Meio Ambiente, 2011m).

Entre as estratégias brasileiras para a ampliação da proteção dos biomas está a integração da gestão do SNUC com outras áreas protegidas consideradas pelo governo como relevantes para a manutenção da biodiversidade como terras indígenas, territórios quilombolas, áreas de preservação permanente, reservas legais e manutenção da conectividade dessas áreas por meio de instrumentos de gestão do território (BRASIL. Ministério do Meio Ambiente, 2011i). Caso computadas essas áreas, o Brasil superaria em muito as Metas propostas.

De acordo com informações da FUNAI (2012), as terras indígenas ocupam 11% do território brasileiro, para uma população de pouco mais de 0,4% da população brasileira, sendo que 98,8 % desta área está na Amazônia Legal. A baixa concentração de habitante por área faz com que a pressão sobre essas áreas não seja tão grande, fazendo com que elas tenham uma importância considerável para a proteção da biodiversidade.

Caso se cumpram as determinações legais estipuladas pelo Código Florestal, 32% da área continental seria Reserva Legal e 17% seriam áreas de preservação permanente (EMBRAPA, 2012). Ressalte-se que as áreas de preservação permanente se equivalem às unidades de conservação de proteção integral com relação aos seus objetivos de manejo e as Reservas Legais, caso sejam desenvolvidas atividades de manejo florestal sustentado se equiparam às

unidades de uso sustentado e, nos casos em que não há estas atividades, também se equivalem às unidades de proteção integral.

Enquanto não põe em prática a estratégia de integração das Unidades de Conservação às outras áreas protegidas, o Brasil tem se esforçado para cumprir as metas unicamente pela criação de Unidades de Conservação. Entre 2003 a 2008 foi responsável por 74% das áreas protegidas criadas no mundo (JENKINS; JOPPA 2009). Isto significa que o país está imobilizando grande parte de seu território com áreas protegidas, o que o impele para a ilegalidade, pois, caso respeitadas as determinações legais com relação a esses territórios (terras indígenas, unidades de conservação, unidades de conservação de proteção integral e uso sustentado), 77% do território nacional estaria protegido, restando pouca área para a produção de alimentos e o exercício de atividades produtivas não decorrentes do manejo florestal sustentado.

As tabelas 6 e 7 a seguir apresentadas mostram o processo de criação de UCs de uso sustentável e proteção integral de âmbito federal, antes e após a promulgação da Lei do SNUC (de 14/06/1937 – data da criação do Parque Nacional do Itatiaia, a 1ª Unidade de Conservação criada no país, até a promulgação da Lei 9.985/00, em 18/07/2000 e desta data, até o presente).

A Tabela 6 mostra as UCs de uso sustentável criadas antes e após a Lei do SNUC e a Tabela 7 apresenta o número de unidades de conservação de proteção integral criadas pelo Governo Federal antes e após a promulgação da Lei 9.985/00.

TABELA 6 - UCS DE USO SUSTENTÁVEL CRIADAS PELO GOVERNO FEDERAL ANTES E APÓS LEI 9.985

Nº CATEGORIA ANTES DA LEI APÓS DA LEI TOTAL EM KM²* 65 FLONA 81.806,63 79.182,25 160.988,88 65 39 26 59 RESEX 31.816,12 91.190,94 123.007,06 59 1 58 1 RDS 0 644,41 644,4 1 0 1 32 APA 67.248,43 29.394,08 96.642,51 32 26 6 16 ARIE 443,94 0 443,94 16 16 0 0 RESERVA DE FAUNA 0 0 0 0 0 0 173 TOTAL EM KM² Nº de UCs 181.315,12 200.411,68 381.726,80 173 82 91

Fonte: Elaborado pela autora a partir de informações do CNUC (BRASIL. Ministério do Meio Ambiente, 2011c).

*NOTA: Há diferença entre o total aqui apresentado e o valor apresentado pela Tabela consolidada das Unidades de Conservação, atualizada em 03/11/2011 e disponível no CNUC. As diferenças foram de 1,5% para FLONAs, 0,11% para RESEX, 0,06% para RDS, 3,49% para APA e 0,90% para ARIE.

TABELA 7 - UCS DE PROTEÇÃO INTEGRAL CRIADAS PELO GOVERNO FEDERAL ANTES E APÓS LEI 9.985

Nº CATEGORIA ANTES DA LEI APÓS DA LEI TOTAL EM KM²** 31 ESEC 24.049,89 43.149,13 67.199,02 31 23 8 3 MONUMENTO NATURAL 1,06 441,80 442,86 3 1 2 67 PARNA 123.842,16 125.492,83 249.334,99 67 45 22 7 REVIS 1,42 2.017,38 2.018,81 7 1 6 29 REBIO 34.331,52 4.167,13 38.498,65 29 24 5 137 TOTAL EM KM² 182.226,04 94 175.268,26 43 357.494,31 137

Fonte: Elaborado pela autora a partir de informações do CNUC (BRASIL. Ministério do Meio Ambiente, 2011c).

*NOTA: Há diferença entre o total aqui apresentado e o valor apresentado pela Tabela consolidada das Unidades de Conservação, atualizada em 25/07/2011 e disponível no CNUC/MMA. As diferenças foram de 1,36% para ESEC, 0% para MN, 1% para PARNA, 0% para REVIS e 0,49% para REBIO.

Verifica-se na Tabela 6 que o número de Unidades de Conservação de Uso Sustentável e sua área, nestes onze anos de promulgação da Lei 9.985/00 foi

superior ao obtido nos sessenta e três anos anteriores à Lei (aumento de 110%), o que demonstra uma prevalência desse grupo de áreas protegidas em detrimento das de Proteção Integral. Este fato é corroborado pelos resultados apresentados no Quadro 10, cuja área protegida em unidades de proteção integral aumentou apenas 96%.

Esta tendência se repete em âmbito estadual, embora não tenha sido possível fazer um quadro das unidades criadas antes e após a Lei 9.985/00. De acordo com informações da Tabela consolidada das Unidades de Conservação, atualizada em 31/01/2012 (BRASIL. Ministério do Meio Ambiente, 2012), os Estados possuem ao todo 275 unidades de conservação de proteção integral, somando uma área de 156.993 km², o que corresponde a 30,1% da área total protegida com UC de proteção integral (sendo 60,16% compostos de Parques Estaduais). Com relação às áreas de uso sustentável, esta situação é bem diferente. São 341 unidades, para uma área de 595.564 km², o que corresponde a praticamente 60% da área total protegida com unidades de conservação de uso sustentável. Deste total, 181 são APAs, com uma área de 329.634 km², ou 55% de todas as UCs de uso sustentável criadas pelos Estados.

Nos municípios a situação se repete. Usando-se a mesma fonte, é possível verificar que as 50 unidades de proteção integral criadas possuem, juntas, uma área de 167 km², enquanto que as 38 unidades municipais de uso sustentável juntas (33 APAs e 5 ARIEs) perfazem uma área de 5.354 km², o que corresponde a 97% das unidades de conservação municipais, cuja área se encontra quase que toda inserida nas APAs (96,8%).

Tais dados permitem constatar que a proteção da biodiversidade no Brasil está concentrada na esfera federal (que detém 8,8% da área continental protegida, ou 50%), e estadual (que detém 8,7%, ou 49,6%). A participação dos municípios é incipiente, pois contribui apenas com 0,065% da área continental, ou com 0,4% do total de áreas protegidas.

Houve um avanço com a promulgação da Lei 9.985/00 que instituiu o SNUC, pois desde a primeira unidade de conservação criada em 1937 havia no Sistema então vigente 363.541,16 km² de unidades federais, tendo em 11 anos mais que dobrado uma vez que neste período foram criados 375.679,94 km² de unidades de

conservação federais. Desse total de área protegida criada após a Lei 9.985/00, 46,65% refere-se às unidades de proteção integral e 53,35% às de uso sustentável.

Todos estes dados demonstram a importância que as unidades de conservação de uso sustentável possuem no atual Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC). Não por acaso, o órgão criado especificamente para gestão dessas áreas tem o nome do idealizador de uma das categorias de Unidades de Conservação de Uso Sustentável - Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), dado em homenagem a Chico Mendes, seringueiro e sindicalista, que lutou para criação das Reservas Extrativistas no Brasil.

Os documentos disponibilizados pelo poder público, relacionados às áreas protegidas brasileiras, demonstram que está havendo um equívoco sobre o papel das áreas protegidas nacionais. Pretende-se fazer assistencialismo e extensão rural em áreas protegidas, resolver o problema de reforma agrária e, ao mesmo tempo, dar uma resposta à comunidade internacional sobre o cumprimento das Metas de proteção da Biodiversidade. O governo brasileiro tem considerado a criação de UCs de uso sustentado o meio mais seguro para conseguir todos esses objetivos, uma vez que a criação não encontra tantos empecilhos como as de proteção integral, com a vantagem de resolver, ou ao menos apaziguar por algum tempo, a questão social no campo.

O malefício dessa política pública empreendida nos últimos onze anos é mascarar a questão das áreas protegidas dando à comunidade internacional e nacional a aura de que o Brasil cumpre com seus objetivos e metas.

Não se discute a necessidade de um país ainda em vias de desenvolvimento como o Brasil realizar sua reforma agrária, dar trabalho e renda para a população rural que vive na miséria, promover e valorizar a cultura, os bens culturais e os valores e tradições das populações que ajudaram a formar sua sociedade, porém a melhor forma de se fazer isto não é confundindo conceitos de áreas protegidas e desenvolvimento sustentado, criando distorções que nem favorecem as unidades de conservação, nem as comunidades ditas protegidas.

É mister separar unidades de proteção integral, cujo objetivo primordial é o de proteção da natureza, das unidades de uso sustentável, cujo objetivo é assegurar o desenvolvimento sustentado e/ou proteger os recursos necessários à sobrevivência das populações tradicionais, de sua cultura e tradições. Neste caso,

órgãos responsáveis pelo desenvolvimento social e agrário terão muito mais condições de estabelecer políticas que ajudem essas pessoas a melhorar sua qualidade de vida, respeitando, os princípios do desenvolvimento sustentado.

O discurso fácil de que é compatível a permanência de comunidades tradicionais em áreas destinadas à proteção integral não sobrevive à realidade de campo, tendo em vista que a simples presença humana causa interferência no meio, pondo em risco os atributos que se deseja proteger com a criação da unidade. Em sentido oposto, para tentar compatibilizar a presença humana na área será imposto tantas restrições no seu modo de criar e viver, que haveria perda significativa de sua qualidade de vida, e inclusive da liberdade de ir e vir, o que é inconstitucional, de acordo com o art. 216 da Constituição Federal.

Com relação às Unidades de Conservação de Uso Sustentável, como a RESEX e a RDS, é mister constatar que as atividades ali desenvolvidas somente se justificam num país como o Brasil, onde parte considerável da população rural vive próximo à linha da miséria, pois as condições de vida dessas populações são quase indignas. Homma (2001) já demonstrou que a resposta econômica do extrativismo de produtos florestais não madeireiros é muito inferior aos usos alternativos (criação de gado, exploração madeireira ou agricultura). Isto pode significar que, havendo condições ideais de escoamento da produção, outros usos mais lucrativos serão experimentados. Assim, a cultura extrativista conforme existe hoje pode não sobreviver por muito mais tempo, eis que atrelada à condição socioeconômica e ao baixo nível tecnológico atual daquelas populações.

Dessa forma, concentrar quase dois terços do Sistema Nacional de Unidades de Conservação em unidades de uso sustentável é uma política pública perigosa, tendo em vista que as áreas disponíveis para proteção da biodiversidade estão rapidamente desaparecendo.

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