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A proteção da família e a experiência em Londres

CAPÍTULO 1 – AS VÉSPERAS DO CAOS: O CONTEXTO LUSO E A

1.3 SEBASTIÃO JOSÉ DE CARVALHO E MELO: A ASCENSÃO À VIDA

1.3.2 A proteção da família e a experiência em Londres

Paulo de Carvalho faleceu em 1737, deixando para o sobrinho muito mais do

que 504 mil cruzados e algumas propriedades.91 Graças a sua influência,

Carvalho e Melo alcançou lugar na política da Coroa, o que aproveitou de maneira incontestável. Inclusive, sua primeira função oficial foi obtida por designação do Cardeal da Mota, amigo pessoal de seu tio. Essa prática é comum em determinados escalões sociais do período, como esclarecem Mafalda Soares da Cunha e Nuno Gonçalo Monteiro em seu estudo sobre Aristocracia, Poder e Família em Portugal, séculos XV-XVIII:

Assim, se no século XVIII a aristocracia tendeu a monopolizar os principais cargos políticos e com eles as principais distinções, há que reconhecer o potencial de mobilidade social conferido pelo desempenho de funções políticas de carácter mais técnico como é o caso dos ofícios judiciais e administrativos nos conselhos e secretarias de Estado, dos postos diplomáticos e dos cargos militares. Por avaliar, com dados empíricos mais consistentes, estão as relações estabelecidas entre estes membros dos segmentos inferiores da nobreza com a aristocracia e o papel desempenhado por essas

89 Foi de fato uma das figuras de maior influência no governo joanino, tendo sido seu secretário pessoal desde que tornou-se ministro régio 1736, posição que o próprio Pombal obteve com D. José I, posteriormente. Para mais detalhes, Cf. GARCIA, José Manuel. Dicionário Essencial de História de Portugal. Bacarena: Editorial Presença, 2010, p. 217.

90 CORREIA, 1882, p. 4. 91 AZEVEDO, 2004, p.18.

conexões na consolidação e preservação do próprio poder da elite aristocrática.92

Por certo, aproveitando da mobilidade social conferida pelo acesso a um cargo diplomático, Carvalho e Melo foi enviado para servir na Inglaterra:

Em 1738, Dom João V reorganizou seu governo em um sistema de secretários de estado, e Marco Antônio de Azevedo Coutinho, que havia sido embaixador na França (1721-1728) e na Inglaterra (1735- 1738), foi chamado de Londres para ocupar a posição de ministro dos assuntos exteriores e da guerra. Pombal e Azevedo Coutinho eram primos, embora Pombal sempre se referisse ao seu ilustre parente como “tio”, e Azevedo Coutinho, por seu lado, enviou Pombal a Londres para substituí-lo.93

A essa altura, sem a proteção do tio falecido, Sebastião José recorreu a um primo, Marcos Antônio de Azevedo Coutinho, que havia feito carreira diplomática e estava retornando à corte joanina para assumir como Ministro de Assuntos

Exteriores e de Guerra em 1736.94

É interessante perceber que Carvalho e Melo não tinha qualquer experiência em tratos diplomáticos, o que gerou desconforto em alguns nobres da corte,

indivíduos que se achavam muito mais capazes que esse “fidalgote”.95 Apesar

das críticas, deixando sua esposa em Lisboa, viajou para as terras bretãs e foi recebido em audiência pública no dia 29 de novembro de 1738, pouco mais de

um mês após sua chegada.96

Marco Antônio, apesar do eminente retorno a Lisboa, alongou ainda sua permanência em Londres, instruindo Sebastião José a respeito das negociações

92 CUNHA, Mafalda; MONTEIRO, Nuno. Aristocracia, poder e família em Portugal, séculos XV- XVIII. In CUNHA, Mafalda Soares y FRANCO, Juan Hernández (orgs.), Sociedade, Família e Poder na Península Ibérica. Elementos pra uma História Comparativa. Lisboa, Edições Colibri, CIDEHUS - Universidade de Évora, Universidade de Murcia. 2010, p.49.

93 MAXWELL, 1996, p.4.

94 KOROBTCHENKO, Julia. A secretaria de estado dos negócios estrangeiros e da guerra: A instituição, os instrumentos e os homens (1736-1756). 2011. 198f. Dissertação. FLUL, Universidade de Lisboa, p. 36.

95 CASTELO BRANCO, 1882, p. 43. 96 CORREIA, 2001, p. 213.

e trâmites diplomáticos. O historiador João de Azevedo, ao analisar o primeiro ano de Carvalho e Melo em Londres, comenta que

O novo diplomata não assumiu imediatamente a gestão da embaixada. Marco Antônio demorou-se até Junho do ano imediato tanto pelo interesse da política, podemos supor, como por afeição ao sobrinho, cujo início guiava na carreira [...]. O vezeiro expediente da embaixada, o maneio das negociações em curso, as novidades particulares da corte de Londres nada ofereciam que a agudeza do recém-chegado não pudesse, no primeiro instante, aprender. Não foi ele, portanto, devemos crê-lo, bisonho praticante, senão atilado e eficiente auxiliar.97

No que diz respeito a sua vida matrimonial, o que se sabe é que desde a partida para Londres, sua mulher retirou-se para o Mosteiro de Santos, talvez em virtude

de sua frágil saúde.98 O casal não voltaria a se reencontrar, tendo d. Thereza

falecido no início de 1739, menos de um ano depois de iniciada a missão

diplomática.99 Os anos seguintes não dão notícias de envolvimentos amorosos.

Carvalho e Melo teria aproveitado sua estadia na corte britânica para redigir os seus primeiros escritos de teor econômico, dedicados a analisar a forma de se fazer comércio na Inglaterra, tirando daí reflexões sobre como Portugal deveria

proceder em seus negócios.100 Em muitos desses textos, Sebastião José

demonstrava possuir ampla visão sobre as relações econômicas entre Portugal e Inglaterra e chamava a atenção para os problemas decorrentes de acordos celebrados entre os dois países, por serem desfavoráveis ao reino luso. Em suas palavras:

Os inglezes eram no mesmo tempo os patrões, e os feitores dos viveres neste paiz. Tinham invadido tudo, nenhum negocio se fazia senão pelo seu canal. Depois de ganhar a corte de Londres a superioridade sobre este Estado, e de se derramar, por assim dizer, a

97 AZEVEDO, 2004, p.19. 98 DOMINGUES, 1955, p. 38. 99 BARROS, 1882, p. 5.

100 BARRETO, José. (org.). Escritos econômicos de Londres (1741-1742). Lisboa: Biblioteca Nacional, 1986. O livro resultou de uma compilação de cartas contendo informações e reflexões coletadas e descritas pelo próprio Carvalho e Melo, escritas no período que se encontrava como diplomata na Inglaterra.

Grã-Bretanha neste reino, os portugueses não eram mais, que ociosas testemunhas do grande commercio, que entre elles se fazia.101

Sobre a missão diplomática propriamente, Carvalho e Melo havia recebido os seguintes objetivos do Sua Majestade: conseguir apoio militar substancial na Índia, cujas possessões restantes estavam sendo atacadas por locais; observar atentamente as intenções britânicas na expansão da influência no rio Prata, na colônia de Sacramento e o interesse inglês do estabelecimento em regiões do atual Uruguai; negociar algumas vantagens para os vinhos portugueses junto ao

Parlamento, uma vez que esses eram há muito consumidos na Inglaterra. 102

Apesar do seu empenho, os vinhos nunca foram incluídos na pauta do Parlamento britânico e o apoio às colônias na Índia não se efetivou, como solicitado. Já a colônia de Sacramento foi motivo de impasse entre Portugal e Espanha por mais alguns anos, tendo os ingleses apoiado discretamente os

lusos nas negociações. 103 Se no campo das obrigações políticas, Carvalho e

Melo não alcançou grandes êxitos, no campo pessoal ele aproveitou ao máximo as oportunidades para compreender as origens da superioridade comercial e militar da Grã-Bretanha e a fraqueza econômica e política a que Portugal se encontrava submetida.

Os indícios parecem sugerir que Sebastião José nunca foi grande admirador dos ingleses. Mesmo em sua biblioteca pessoal, dentre os livros adquiridos quase não figuravam exemplares em inglês, preferindo quase sempre a versão francesa, língua que dominava. De fato, nem mesmo o idioma inglês foi

incorporado pelo diplomata.104 Apesar disso, não se pode ignorar a importância

dessa experiência em sua formação política, especialmente quando se tornou secretário Real, em 1750.

101 MELO, Sebastião José. Discurso Político sobre as vantagens que o reino de Portugal pode tirar sua desgraça por ocasião do terremoto de 1º de novembro de 1755. s/d in. MELO, Sebastião José. Cartas e outras obras selectas do marquez de Pombal. 5.ed. Lisboa. Livraria Universal, 1861, Tomo II, p. 105.

102 MAXWELL, 1996, p. 6.

103 CASTELLO BRANCO, 1882, p. 42. 104 CASTELO BRANCO, 1882, p.42.

Seu primeiro momento na política se encerraria, entretanto, sem que possamos precisar uma data limítrofe. Com o que temos em mãos, podemos afirmar que o dia 13 de abril de 1745 marcaria o último registro de atividades na corte britânica orientadas por Carvalho e Melo. O cargo ficaria à mercê de novas forças até meados de 1747, quando ocorreu a nomeação de Antônio Freire de Andrade

Encerra-Bodes.105