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A Prototipicidade da Fase I: Interrogatório Policial IP II

No documento deboramarques (páginas 80-84)

5 ANÁLISE DOS DADOS

5.1.2 A Prototipicidade da Fase I: Interrogatório Policial IP II

Tal como expusemos acima, uma possível leitura qualitativa para nossos dados reside na questão da prototipicidade, à medida que há tarefas que são, majoritariamente, realizadas em um interrogatório e minoritariamente em outro, o que viabiliza nossa análise sob esse recorte.

Destarte, a fim de tornar nossa exposição mais clara, apresentaremos abaixo as tarefas mais prototípicas desempenhadas e que são verificadas no interrogatório (IP II), intitulado

IP II IP III IP VI IP VII IP VIII IP I IP IV IP V IP IX IP X IP II IP III IP IV IP V IP VI IP VII IP IX IP X IP I IP VIII A) Com apresentação de documentação oficial. B) Sem apresentação de documentação oficial. C) De forma polida.

Estupro de Menor de 12 anos, no qual estão presentes as tarefas institucionais típicas da Fase I,

como pode ser verificado na Tabela 4, visto que o IP II é o interrogatório em que constam quase todas21 as tarefas desempenhadas na Delegacia.

Nesse interrogatório, o crime investigado foi aquele cometido contra uma menor de 12 anos de idade, que se relacionou com o suspeito I (Juliano), o qual, possivelmente, a teria obrigado a fazer sexo anal; a utilizar objetos eróticos e a fazer sexo com outras pessoas, no caso, com o primo do suspeito I (suspeito II-João). Os dois suspeitos negam tal abuso e o caso foi encaminhado para a justiça.

Excerto 1: [IP II, 2007, 02: 01- 02: 16]

01 02 03

Inspetor faz favor, me empresta um documento seu e um documento seu, por favor ((se dirige aos suspeitos)). tem algum documento da carina aí? 04 Mãe ◦tem certidão◦

05 Inspetor é.

06 Mãe vou pegar.

07 Inspetor pega pra mim, por favor. 08

09

(11.0) ((Inspetor olha os documentos apresentados pelos suspeitos e se retira da sala))

10 11

Inspetor muito bem, meu nome é carlos, sua intimação tá aí? o:: do juliano, do juliano.

12 suspeito I tá aqui. 13

14

(6.0)(( Inspetor pega a intimação e mexe nos papéis em cima da mesa))

15 Inspetor tá pode guardar.

16 (4.0)

No início da interação, o inspetor solicita a documentação dos suspeitos (“me empresta um documento seu e um documento seu” linhas 01-02) e da vítima, representada por sua mãe

(“tem algum documento da carina aí?” linha 03), realizando assim, a tarefa de identificação

das partes por meio da conferência da documentação oficial.

Essa solicitação é feita de forma polida, visto que o inspetor solicita às partes a apresentação da documentação, valendo-se de vocábulos de cortesia: “faz favor,” (linha 01);

“pega pra mim, por favor.” (linha 07).

Nessa sequência de identificação, que se completa no intervalo das linhas 01 a 09, ao proferir uma PPP, o inspetor recebeu uma ação responsiva, não necessariamente oral (como a

21 Com exceção do cumprimento do inspetor, item III e do convite para que os participantes se acomodem, item VII na tabela, o que não invalida o caráter prototípico desse interrogatório, já que ainda assim, este é o interrogatório em que a maioria das tarefas são desempenhadas.

proferida na linha 04, pela mãe da vítima: “◦tem certidão◦”), mas por meio do atendimento à

solicitação, já que os suspeitos apresentaram suas respectivas documentações: “(11.0) ((Inspetor olha os documentos apresentados pelos suspeitos e se retira da sala))” (linhas 08 e 09).

No excerto abaixo, o inspetor, ao realizar a autoidentificação: “muito bem, meu nome é carlos,”(linha 10), dá prosseguimento à série de apresentações que foi iniciada com a checagem

da identificação dos outros participantes ratificados e que termina com a identificação dele próprio.

Excerto 2: [IP II , 2007, 02:08-02:32]

08 09

(11.0) ((Inspetor olha os documentos apresentados pelos suspeitos e se retira da sala))

→ 10 11

Inspetor muito bem, meu nome é carlos, sua intimação tá aí? o:: do juliano, do juliano.

12 suspeito I tá aqui. 13

14

(6.0)(( Inspetor pega a intimação e mexe nos papéis em cima da mesa))

15 Inspetor tá pode guardar. 16 (4.0)

17 18

Inspetor ((se dirige a uma funcionária)) tem como tirar dois (print) pra mim, agora.

19 (2.0) → 20 21 22 23 24 25 26

Inspetor meu nome é carlos, eu sou inspetor da delegacia e vocês foram convidados pra vir aqui, pra gente se reunir, em função de uma ocorrência datada de dois de agosto, nessa ocorrência a dona elizabeth aqui presente noticia pra nós que ((lendo o BO)) a filha dela é:: de hoje quatorze anos carina, é:: teve um relacionamento,=

27 (0.8) 28

29 30 31

Inspetor = teve um relacionamento com- foi noticiado que ficou sabendo na data do dia trinta do sete de dois mil e sete que a mesma foi estuprada pelo autor no ano de dois mil e seis.=

32 (0.5)

Entretanto, a autoidentificação do inspetor não foi realizada de uma só vez (linha 10), tendo sido produzida em mais um turno, não imediatamente subsequente: “muito bem, meu nome é carlos,” (linha 10) e “meu nome é carlos, eu sou inspetor da delegacia”

(linha 20), em que o inspetor tornou relevante a interposição de outras tarefas: (i) a de solicitação da intimação - “sua intimação tá aí? o:: do juliano, do juliano.” (linhas 10 e 11) e

funcionária)) tem como tirar dois (print) pra mim, agora.” (linhas 17 e 18).

Como falamos, o inspetor interpôs a solicitação da intimação recebida pelo suspeito às sequências de autoidentificação : “sua intimação tá aí? o:: do juliano, do juliano.”

(linhas 10 e 11). Nesse momento, ancorado pela legalidade do evento e pelo procedimento padrão de se enviar aos participantes uma intimação, o inspetor pediu que o suspeito I, principal suspeito do crime em análise, apresentasse a intimação.

Após a segunda parte da autoidentificação (“meu nome é carlos, eu sou inspetor da delegacia” linha 20), o inspetor realizou a tarefa de justificativa do motivo da intimação: “e vocês foram convidados pra vir aqui, pra gente se reunir, em função de uma ocorrência datada de dois de agosto, ” (linhas 20-23), essa tarefa tem por função

explicar aos participantes a razão pela qual foram convocados a comparecerem à Delegacia e por qual razão estão passando por um interrogatório policial.

Parece que, pela assimetria verificada nesse tipo de interação, em que há um representante institucional – o inspetor- que coordena o evento, ações responsivas à tarefa de justificativa do motivo da intimação não são verificadas, já que em nenhum dos 06 interrogatórios em que essa tarefa foi encontrada (cf. Tabela 4), os outros participantes tornaram relevante a ação de responder a essa justificativa, nem de forma direta, nem por meio de marcadores

conversacionais, como a expressão não lexicalizada: humhum, que revela entendimento,

concordância e que serve para orientar o falante e monitorá-lo quanto à recepção que seu interlocutor teve (DIONÍSIO, 2006).

A prototipicidade do IP II, Estupro de Menor de 12 anos, está ancorada no fato de que, das 07 (sete) tarefas realizáveis na Fase I dos interrogatórios policiais analisados, apenas não ocorreram duas delas (III e VII) - cumprimentos por parte do inspetor e convite deste para que os participantes se sentassem. Ainda, em termos de realização dessas tarefas, também a forma como elas ocorreram permitem classificar esse interrogatório como prototípico, posto que, dos 10 encontros gravados, a tarefa I, de solicitação de identificação das partes, foi realizada: (i) de forma polida; (ii) com o pedido de apresentação de documentação oficial e (iii) logo no início do interrogatório.

No documento deboramarques (páginas 80-84)