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A Bancada Mineira e a Lei dos Círculos, 1853-

1.3. Minas e a reforma eleitoral de 1855.

1.4.2. A Província de Minas Novas.

A década de 1850 foi especialmente marcada por inúmeras representações de povoações que pretendiam elevar-se à categoria de província. O periódico A Nova Província, em 1854, atentava para o fato de que na Câmara dos Deputados, “todos os dias” liam-se representações de diversas regiões de Minas, solicitando “o desmoronamento deste Gigante”.416 Ainda segundo a folha, o norte mineiro “aderiu plenamente ao pronunciamento do Sul”,417 de modo que as cidades de Serro, Montes Claros, Grão Mogol, Diamantina e Minas Novas concorriam para “a grande obra da demolição”.418 Também a cidade de Paracatu e a comarca de Paraná não pretendiam mais fazer parte da “Velha Minas”: “exprimiram também seu voto conhecido já pelo Poder Legislativo”.419 Apesar das referências a representações das freguesias do norte mineiro, que pretendiam emancipar-se de Minas Gerais, nenhum projeto foi apresentado à Câmara naquele ano. Contudo, após o discurso de Paraná que estabelecia uma preferência para a criação de uma província no norte mineiro, ao invés da criação de uma província no Sul de Minas, no último ano da nona legislatura, em 1856, foi a vez de um deputado mineiro, Antônio Gabriel de Paula Fonseca, apresentar à Câmara um projeto de criação da Província de Minas Novas. A nova província seria formada pelas comarcas baianas de Porto Seguro e Caravelas, e pela comarca mineira de Jequitinhonha, com sede na cidade mineira de Minas Novas. Paula Fonseca era natural de Diamantina (norte mineiro, região da comarca de Jequitinhonha) e provavelmente agia motivado pelo interesse em ter uma província localizada na região em que ele exercia liderança política. Curiosamente, a bancada mineira teria que enfrentar um colega de bancada, se resolvesse novamente defender a integridade territorial da grande província de Minas Gerais.

416 A Nova Província, n. 9, “O Sr. Dr. José Jorge”, 08.07.1854, Campanha, Typographia Austral de João Pedro

da Veiga Sobrinho, Rua do Comércio, n. 19.

417 Idem. p. 2-3. 418 Idem. p. 2-3. 419 Idem. p. 2-3.

Antônio Gabriel de Paula Fonseca era médico e professor da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro e embora o deputado fosse natural do norte de Minas, há outros elementos que permitem inferir que Paula Fonseca provavelmente estaria agindo por interesse eleitoral.420 A reforma eleitoral recém-aprovada estava às vésperas de ser testada nas eleições daquele ano e Paula Fonseca candidatou-se a deputado justamente no círculo eleitoral que tinha como cabeça de círculo a cidade de Minas Novas. Em seu projeto apresentado em agosto de 1856, Minas Novas seria nada menos do que a capital da nova província. Pode-se supor que Paula Fonseca sabia que um projeto de criação de uma província, apresentado nos últimos dias daquela legislatura certamente não seria aprovado naquele ano. Mas sua apresentação poderia gerar dividendos eleitorais, às vésperas das eleições de 1856. Neste sentido é que Paula Fonseca foi o único deputado mineiro a defender, de fato, a divisão de Minas com a emancipação de parte de seu território, no período da nona legislatura (1853- 1856). Mas suas motivações pareciam estar muito mais ligadas a interesses eleitorais do que a interesses localistas.

Embasado nas próprias conclusões de Paraná a respeito da sua preferência por uma província na zona norte mineira, região que mais sofria os incômodos da enorme distância em relação à sua capital (Ouro Preto) e em relação à capital baiana, visto que parte da nova província seria desmembrada da Bahia, Paula Fonseca argumentava que aquela região precisava de maior atenção por parte do Estado:

“Portanto para que os indígenas sejam contidos e domesticados, para que a ordem se estabeleça nesses rios [Jequitinhonha e Mucuri], havendo grande necessidade de força que a província de Minas não tem para dispensar, sendo indispensável que as ordens do governo cheguem mais rápidas ao seu destino, (…) o que se não poderá conseguir no estado atual, quaisquer que sejam os esforços e boas intenções dos governos da Bahia e Minas Gerais, (…) julgo de suma conveniência, Sr. Presidente, que se crie uma nova província, que tornando menos espinhosa a administração daquelas duas grandes províncias, possa ao mesmo tempo ter um governo que lhe preste aos seus exclusivos cuidados.”421 [grifos meus.]

420 Almanak Administrativo, Civil e Industrial da Província de Minas Gerais..., 1864; Almanak Administrativo,

Civil e Industrial da Província de Minas Gerais..., 1870. p. 26, p. 30; Almanak Administrativo, Civil e Industrial da Província de Minas Gerais..., 1873. p. 59; Almanak Administrativo, Civil e Industrial da Província de Minas Gerais..., 1874. p. 55; XAVIER DA VEIGA, José Pedro. Op. Cit., 1998. (1. ed. 1897). p. 578, p. 684, p. 964;

XAVIER DA VEIGA, José Pedro (Dir.) Op. Cit., 1895. p. 23-53; JAVARI, Barão de. Op. Cit., 1979. (1. ed. 1889). p. 315-333, p. 444; Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial da Corte e Província do Rio de

Janeiro..., 1873. p. 39, p. 74, p. 82, p. 522; Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial da Corte e Província do Rio de Janeiro..., 1856. p. 65.

Parte considerável da argumentação de Paula Fonseca em defesa do seu projeto ligava- se à sustentação de que a criminalidade era crescente naquela região dos rios Jequitinhonha e Mucuri, após a inauguração da navegação a vapor do rio Jequitinhonha, que teria intensificado o comércio entre a Bahia e o norte de Minas. Já o Rio Mucuri também apresentava um movimento comercial intenso e que seria ampliado brevemente, após a conclusão da estrada de rodagem de Santa Clara a Filadélfia. Apesar disso, a distância da região norte em relação a Ouro Preto impedia um melhor policiamento daquelas áreas.

Antônio Gabriel de Paula Fonseca utilizou o argumento de que a existência de províncias muito extensas e populosas era prejudicial à boa administração, além de se constituir em desequilíbrio em relação às províncias menores. É curioso que um deputado mineiro tenha utilizado o argumento que era usado por deputados das demais províncias para justificar a divisão de Minas Gerais. Contudo, Paula Fonseca afirmava que as grandes bancadas não traziam inconvenientes por não serem exigentes e nem obterem mais benefícios que as demais. Segundo o deputado, por ser a maior bancada da Câmara dos Deputados, Minas Gerais sofria por muitas vezes ceder à pressão das demais províncias, diante das acusações de que a bancada mineira abusava de seu poder e influência:

“Entretanto foi insistindo-se nesta denominação, foi argumentando-se com a força dos votos da deputação mineira, que se dizia tudo obter para sua província, foi assim que se obteve para o norte essas garantias de juro; assim se obterá tudo, pelo receio que tem a deputação mineira de que se suponha que ela abusa da sua força. (…) Trago isto de passagem para provar que julgo indiferente que as deputações sejam maiores ou menores; nesta casa somos todos representantes da nação, devemos almejar o progresso deste grande país, o progresso do norte assim como o progresso do sul.”422 [grifos meus.]

O projeto de criação da província de Minas Novas revelava que Paula Fonseca tentava realizar um grande feito aos olhos de seus conterrâneos norte-mineiros. Como muitos deputados desejavam uma melhor divisão do Império, Paula Fonseca advogava a criação de uma província formada a partir do desmembramento de territórios de duas grandes províncias, constituindo uma província com ligação com o mar, o que seria a realização de um grande desejo dos mineiros:

“Consultem-se as coisas de maneira que todas as províncias possam ter seu litoral, possam ter sua alfândega, possam alardear a sua maior ou menor renda, para também exigir maior ou menor concurso do tesouro para os seus

melhoramentos materiais. Ora, o espaço compreendido entre os rios Jequitinhonha e Mucuri oferece as mais belas proporções para constituir uma província de grande futuro, província que teria um excelente litoral, que teria uma baía onde pudessem ancorar navios de alto porte vindos diretamente da Europa, como é a baía de Caravelas, além de outros pontos importantes como Canavieiras, etc.”423 [grifos meus.]

Como as sessões da nona legislatura estavam no fim, o projeto de criação de uma província no norte de Minas não pôde ser discutido, só sendo retomado na legislatura seguinte, após as eleições de 1856, regidas pela Lei dos Círculos, que previa a escolha de deputados por círculos eleitorais de apenas um deputado. Na nona legislatura, foi marcante a oposição da bancada mineira aos projetos de divisão de Minas, encontrando inclusive o apoio de Paraná para adiar a decisão sobre a criação de novas províncias e a consequente alteração no arranjo político das bancadas na Câmara dos Deputados. A recente alteração na legislação eleitoral prometia uma renovação nas bancadas provinciais, com a eleição de representantes mais diretamente ligados aos interesses das localidades onde se encontravam os círculos eleitorais. Os grupos separatistas de Minas ressentiam-se da ausência de representantes que fizessem valer seus interesses no Parlamento. Mas até que ponto a aplicação da Lei dos Círculos teria permitido a entrada de políticos mais comprometidos com os interesses dos pequenos distritos eleitorais que os elegeram? Os separatistas do sul reclamavam da ausência de representatividade, pois seus interesses não vinham sendo contemplados pelos representantes mineiros eleitos pelo voto provincial. O voto distrital seria uma garantia de que os círculos eleitorais do sul de Minas elegeriam seus próprios representantes, pois acreditava- se que a adoção da Lei dos Círculos poderia facilitar a luta em defesa de seus projetos emancipatórios, bem como de outros projetos específicos daquelas localidades do sul e norte mineiros.

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