• Nenhum resultado encontrado

A Bancada Mineira e a Lei dos Círculos, 1853-

1.2. A reforma eleitoral e as influências partidárias.

O processo de composição dos gabinetes ministeriais é peça importante à compreensão da dinâmica política imperial. O imperador escolhia o Presidente do Conselho que, por sua vez, escolhia os demais ministros para compor o seu Gabinete. Em 1853, Honório Hermeto Carneiro Leão foi escolhido por D. Pedro II para presidir o Conselho de Ministros. Paraná foi presidente do Conselho durante praticamente todo o período em que vigorou a 9ª legislatura (1853-1856). Ao compor o ministério que ficaria conhecido como Ministério da Conciliação, Paraná mesclou figuras experientes a jovens deputados e um general do Exército, em sua escolha para ocupar as pastas ministeriais. No ano de 1855, quando se apresentou e debateu o projeto de reforma eleitoral, o ministério possuía a seguinte configuração: o Marquês de Paraná (Fazenda), o deputado pela província do Rio de Janeiro Luiz Pedreira do Couto Ferraz (Império), o deputado pela província de Pernambuco José Thomaz Nabuco de Araújo (Justiça), o militar Pedro de Alcântara Bellegarde (Guerra), o senador mineiro Antônio Paulino Limpo de Abreu (Estrangeiros) e o senador baiano João Maurício Wanderley (Marinha). Segundo Nabuco de Araújo, Luiz Pedreira do Couto Ferraz era amigo de infância do imperador e um político “sem paixão partidária”.47 Limpo de Abreu também foi descrito por Joaquim Nabuco como um homem “já então saciado e desligado da política”.48 “Velho combatente luzia”, nas palavras de Sérgio Buarque de Holanda, Limpo de Abreu teria se afastado das querelas políticas há muito tempo.49 Quanto a José Thomaz Nabuco de Araújo, este era considerado um conservador moderado. Quando surgiu o partido parlamentar, oposição constituída especialmente por conservadores pernambucanos, Nabuco de Araújo manteve-se neutro aos seus partidários comprovincianos.50 Em relação ao ministro Wanderley, Joaquim Nabuco teria dito que ele se diferenciava dos demais por ser “partidário”.51 Já Bellegarde era um “militar de mérito”, não um político.52 Neste sentido, a composição ministerial escolhida por Paraná inovava ao contar com políticos jovens e também políticos experientes e ligados a ambos os partidos. Limpo de Abreu, Pedreira e Paranhos tinham sido liberais, mas antes de entrarem no Gabinete da Conciliação, mudaram de partido. Nabuco de Araújo, Wanderley e Paraná eram

47 NABUCO, Joaquim. Um Estadista no Império. 5. ed., Rio de Janeiro: Topbooks, v. 1, 1997. p. 166. 48 Idem. p. 166.

49 HOLANDA, Sérgio Buarque de. “Entre a Liga e o Progresso.” In: HOLANDA, Sérgio Buarque de. Capítulos

de História do Império. São Paulo: Companhia das Letras, 2010. p. 57.

50 FERRAZ, Paula Ribeiro. Op. Cit., 2013. p. 67. 51 NABUCO, Joaquim. Op. Cit., 1997. p. 169. 52 Idem. p. 171.

conservadores. Além disso, pode-se dizer que a Conciliação inaugurou uma nova relação entre o imperador e o ministério: pela primeira vez, D. Pedro II entregou ao presidente do Conselho um documento intitulado Instruções, que estabelecia as linhas mestras do programa de governo. Nestas Instruções, D. Pedro manifestou a intenção de promover uma série de reformas, incluindo a eleitoral, com o objetivo de aperfeiçoar o sistema representativo.53

QUADRO N. 1. Ministros do 12º Gabinete - 6 de Setembro (1853-1856).

Pastas/Anos 1853 1854 1855 1856

Presidência Marquês de Paraná (Honório Hermeto Carneiro Leão) Marquês de Paraná (Honório Hermeto Carneiro Leão) Marquês de Paraná (Honório Hermeto Carneiro Leão) Marquês de Paraná (Honório Hermeto Carneiro Leão) Luís Alves de Lima e Silva (efetivo em 03.09) Império Luís Pedreira do

Couto Ferraz Luís Pedreira do Couto Ferraz Luís Pedreira do Couto Ferraz Luís Pedreira do Couto Ferraz Fazenda Marquês de Paraná

(Honório Hermeto Carneiro Leão) Marquês de Paraná (Honório Hermeto Carneiro Leão) Marquês de Paraná (Honório Hermeto Carneiro Leão) Antônio Paulino Limpo de Abreu (interino de 12.01 a 27.01) Marquês de Paraná (Honório Hermeto Carneiro Leão) João Maurício Wanderley (Barão de Cotegipe - interino em 23.08 e efetivo em 08.10) Justiça José Thomaz Nabuco

de Araújo

José Thomaz Nabuco de Araújo

José Thomaz Nabuco de Araújo

José Thomaz Nabuco de Araújo Estrangeiros Antônio Paulino

Limpo de Abreu (Visconde de Abaeté) Antônio Paulino Limpo de Abreu (Visconde de Abaeté) Antônio Paulino Limpo de Abreu (Visconde de Abaeté)

José Maria da Silva Paranhos (Visconde do

Rio Branco - efetivo em 14.06)

José Maria da Silva Paranhos (Visconde do

Rio Branco)

Guerra Pedro de Alcântara Bellegarde

Pedro de Alcântara Bellegarde

Pedro de Alcântara Bellegarde Luís Alves de Lima e

Silva (Duque de Caxias – interino em

14.06)

Pedro de Alcântara Bellegarde

Marinha Pedro de Alcântara Bellegarde (interino)

José Maria da Silva Paranhos (Visconde do Rio Branco - efetivo em 15.12)

José Maria da Silva Paranhos (Visconde do Rio Branco) João Maurício Wanderley (Barão de Cotegipe - efetivo em 14.06) João Maurício Wanderley (Barão de Cotegipe) José Maria da Silva Paranhos (Visconde do Rio Branco - efetivo em

08.10)

Fonte: JAVARI, Barão de. Organizações e programas ministeriais – regime parlamentar no Império. Brasília: Departamento

de Documentação e Divulgação, 1979. (1. ed. 1889). p. 113-118.

Assim, dois anos após o início do Ministério da Conciliação, no ano de 1855, o projeto de reforma eleitoral foi debatido no Senado entre a segunda quinzena de junho e primeira

quinzena de julho. O presidente do Conselho Honório Hermeto Carneiro Leão, esforçou-se em esclarecer o projeto de lei e rebater todas as objeções, de modo a conquistar a maioria em favor da reforma. Paraná pediu que o projeto fosse votado ainda naquela sessão, de modo a evitar o seu „engavetamento‟, que seria uma derrota para o gabinete: “discussão larga, mas de maneira que não sejamos impedidos de decidir nesta sessão se se reforma ou não se reforma a lei eleitoral.”54 Mas a oposição à reforma eleitoral no Senado foi intensa. Os principais oposicionistas foram os conservadores Euzébio de Queiroz Coutinho Matoso da Câmara (RJ), Visconde de Olinda (PE), Francisco Gonçalves Martins (BA) e o Visconde de Maranguape (RJ). E os principais defensores da proposta foram os liberais Bernardo de Souza Franco (PA), Visconde de Jequitinhonha (BA), Nicolau de Campos Vergueiro (MG), o Barão de Pindaré (MA), o conservador José Antônio Pimenta Bueno (SP), dentre outros. O liberal Souza Franco descreveu da seguinte forma o arranjo político que se formou após a apresentação da proposta de reforma eleitoral pelo gabinete Paraná:

“Há hoje, pois uma cisão no partido conservador, há nele homens que entendem que a conservação se deve limitar às instruções do país (...); há outros que por espírito de partido não querem que se toque em cousa nenhuma favorável ao partido, de que resulte garantias para o partido oposto; e há ainda outros que são os homens que se inculcam de autoridade, os quais estando prontos para dar autoridade todos os meios quando a autoridade se serve desses meios no sentido de seus interesses, fazem-lhe quando ela não quer servir a esses interesses. Mas eu que quero que a autoridade tenha força suficiente para empregá-la no sentido de bem do país, (...) e eu quero acompanhá-lo [o ministério] neste ponto que faz, hei de votar pelas medidas de que se trata, as quais em minha convicção dão garantias aos partidos fora do poder.”55 [grifos meus.]

Também o jornal liberal Correio da Tarde comentava a oposição de um grupo apelidado de saquarema, liderado pelo senador Euzébio de Queiroz e asseverava que os debates no Senado haviam sido marcados por “certo antagonismo pessoal” entre Euzébio de Queiroz e Paraná. O mesmo periódico considerava que, apesar da “grande celeuma” que se levantou no Senado e não obstante as previsões de domínio no Senado de um “invencível emperramento”, tal fato não se deu.56

Nos debates no Senado, delineou-se uma oposição formada por dois diferentes grupos: um núcleo do partido conservador que não aderiu ao Gabinete da Conciliação, denominada por jornais liberais como os saquaremas e chamados pelos jornais governistas de “jovem

54 Anais do Senado Brasileiro. Sessão de 16 de Julho de 1855. p. 166. 55 Anais do Senado Brasileiro. Sessão de 06 de Agosto de 1855. p. 203. 56 Correio da Tarde, n. 8, “Parte Política: as incompatibilidades”. 07.08.1855.

oposição”, que se recusou a apoiar uma reforma que considerava eminentemente liberal; e os antigos inimigos do governo, um grupo menor dentre os liberais, que os mesmos jornais apelidaram de “oposição radical”. Estes desconfiavam das intenções do Gabinete Paraná, embora não fossem avessos às ideias de círculos e de incompatibilidades eleitorais. O governo continuou com o apoio de um grupo dentro do partido conservador e foi apoiado por boa parte dos liberais que ansiava pela reforma eleitoral. A votação no Senado foi apertada. Estavam presentes quarenta e três senadores e a proposta foi aprovada com maioria de apenas três votos: vinte e dois votaram a favor do projeto e dezenove contra, excetuando o voto do presidente do Conselho.57

Aprovado no Senado, o projeto de lei foi remetido à Comissão de Constituição e Poderes da Câmara dos Deputados e o Marquês de Paraná exigiu parecer imediato para que a votação da proposta ocorresse ainda naquele ano. O jornal Correio da Tarde previa, naquela semana, que a reforma eleitoral encontraria forte oposição na Câmara, e comentava rumores de que o voto da Comissão seria hostil ao projeto.58 Brevemente, o parecer contrário à proposta foi, de fato, apresentado. A Comissão era formada por três deputados: o fluminense e magistrado Diogo Teixeira de Macedo, o pernambucano e também magistrado Jerônimo Martiniano Figueira de Melo e o baiano e lente de direito Zacarias de Góis e Vasconcelos. Em relação aos dois primeiros, não há dúvidas de que faziam parte do grupo apelidado de saquarema pela imprensa liberal da Corte.59

Quanto a Zacarias, tudo indica que neste período, o político também militava ao lado dos dissidentes conservadores, embora tenha se tornado liberal no final da década de 1850. Zacarias filiou-se ao partido conservador - pelas mãos de Francisco Gonçalves Martins, o futuro Visconde de São Lourenço - ainda no início de 1840. Nessa década, foi deputado provincial na Assembleia Provincial baiana por diversas vezes. Permaneceu inicialmente ligado aos saquaremas até o início da década de 1850, quando iniciou sua projeção no cenário nacional, aliando-se aos conservadores mais moderados. Com a formação do Gabinete da

57 O Bom Senso publicou o nome dos senadores que votaram o projeto de lei. Quanto às incompatibilidades, 23

votaram a favor: Jobim, Fernandes Torres, Visconde de Abaeté, Herculano, Visconde de Sepetiba, Barão de Antonina, Fonseca, Manoel Felizardo, Marquês de Monte Alegre, Marquês de Abrantes, Marquês de Caxias, Visconde de Uberaba, Candido Batista, Silveira da Mota, Vergueiro, Souza Franco, Visconde de Albuquerque, Barão de Pindaré, Marquês de Itanhaém, Visconde de Sapucaí, Paula Pessoa, Alencar e o Marquês de Paraná. Quanto às incompatibilidades, dezoito (18) votaram contra: D. Manoel, Viveiros, Dantas, Mendes dos Santos, Muniz, Viana, Cunha Vasconcelos, Pimenta Bueno, Visconde de Itaboraí, Euzébio de Queiroz, Barão de Muritiba, Souza Ramos, Gonçalves Martins, Cassiano, Marquês de Olinda, Visconde de Maranguape, Miranda e Velasques. Na votação dos círculos, voltou a favor Miranda e Pimenta Bueno. Estavam presentes 43 senadores e faltaram o Marquês de Valença, Visconde de Jequitinhonha e Barão de Quaraim. Fonte: O Bom Senso, n. 339, “O Bom Senso”, Ano 4º, quinta, 16.08.1855, Ouro Preto, Typ. do Bom Senso, Rua do Sacramento, n. 24, Editor Francisco de Assis Costa.

58 Correio da Tarde, n. 14, “Parte Política: as incompatibilidades”, 23.08.1855. 59 A posição destes dois deputados fica bem clara nos debates da Câmara deste ano.

Conciliação, Zacarias foi reeleito deputado pela província da Bahia, mas passou quase dois anos distante da Corte, por ter sido nomeado presidente da recém-criada província do Paraná. Para Cecília Helena de Salles Oliveira, esta nomeação “sugere seu afastamento da ala “saquarema” e sua vinculação aos “conservadores moderados”, também chamados “conciliados”, que apoiavam o ministério”.60 Mas a ligação com os conservadores moderados durou pouco, pois ao retornar à Câmara em maio de 1855, Zacarias já atuava ativamente nos debates relativos à adoção da Lei dos Círculos, chegando a participar da Comissão responsável pela elaboração do parecer negativo acerca do projeto de lei.61

As críticas ao projeto formuladas no Senado ecoaram no parecer elaborado pela Comissão de Constituição da Câmara, lido em sessão de 22 de Agosto de 1855.62 O parecer acusava o projeto de trazer “uma alteração profunda no sistema eleitoral do país e, por ventura, sob aparências modestas de reformas da lei regulamentar das eleições, modificações e ofensas à constituição do império”.63 O parecer já acenava para a formação de forte oposição dos chamados saquaremas também na Câmara. Além do conservador fluminense Francisco Negreiros de Saião Lobato, os principais opositores à proposta na Câmara dos Deputados, foram os conservadores João de Siqueira Queiroz (SE), João Capistrano Bandeira de Melo (CE) e Jerônimo Martiniano Figueira de Melo (PE), sendo estes dois últimos irmãos. Já o liberal que se opôs à medida foi o pernambucano Francisco Carlos Brandão.

Se no Senado, a aprovação da proposta teve maioria de apenas três votos, na Câmara a votação final foi menos apertada, apesar do intenso debate. Uma possível explicação para a rápida aprovação na Câmara, com maioria um pouco mais folgada pode ser o fato de que Paraná a transformou em questão de gabinete. Após a difícil passagem do projeto pelo Senado, dois dias depois do início dos debates, Paraná tomou a palavra para fazer daquele projeto uma questão de gabinete, com receio da oposição que então se formava.64 Em outras palavras, se a reforma não fosse aprovada, o imperador deveria trocar o ministério ou dissolver a Câmara. Paraná se justificou da seguinte forma:

60OLIVEIRA, Cecília Helena de Salles. “Introdução”. In: OLIVEIRA, Cecília Helena de Salles. (Org.) Zacarias

de Góis e Vasconcelos. São Paulo: Ed. 34, 2002. p. 9-58.

61 Com a adoção da Lei dos Círculos, Zacarias não conseguiu reeleger-se pela província da Bahia e resolveu

recompor suas articulações dentro do partido conservador em 1858, na ocasião da eleição para uma vaga do Senado. Apesar de encabeçar a lista tríplice, perdeu a vaga para Nabuco de Araújo, indicado pelo imperador. Tudo parece demonstrar que, já em 1858, Zacarias militava pelo partido liberal e, na década seguinte, a partir de 1862, envolveu-se no surgimento da Liga Progressista, uma terceira agremiação, que congregava liberais e conservadores. Fonte: Idem. p. 9-58.

62 Anais da Câmara dos Deputados. Sessão de 22 de Agosto de 1855. p. 189-193. 63 Idem. p. 189-193.

“Se este projeto, depois de ter passado no senado, que era onde parecia que devera encontrar maiores embaraços, não houvesse de passar aqui, haveria realmente perda de força moral para a administração. (...) Faço, pois, Sr. Presidente, uma questão ministerial, e como algumas circunstâncias ocorrentes no país que ameaçam de uma epidemia a capital do império, fazem com que alguns Srs. deputados desejam quanto antes ver terminadas as questões mais importantes, e que as prorrogações, se houver necessidade delas, sejam curtas, levam-me também a desejar que este projeto não receba emenda alguma, e que se trate de decidir quanto antes da sua sorte, ou pró ou contra. Eu aceito o – contra – com todas as suas consequências.”65 [grifos meus.]

Tais palavras pronunciadas pelo Presidente do Conselho foram duramente criticadas pela oposição que questionava a pressa em aprovar a medida. A fala de Paraná era uma pressão pela celeridade na aprovação da medida. Além disso, sua atitude refletia claramente o receio de o Gabinete sofrer mais uma derrota como acontecera com a tentativa de reforma judiciária em 1854, derrubada pelos saquaremas com a criação do Movimento de Vassouras.

Segundo a historiadora Paula Ferraz, a Lei de 3 de Dezembro de 1841, conhecida como „Reforma do Código do Processo Criminal‟, fortaleceu o poder dos magistrados, ao retirar quase todas as atribuições do juiz de paz, esvaziar o papel das Câmaras Municipais e restringir a atuação do Júri. O projeto de reforma judiciária de 1854, apresentado pelo então ministro da Justiça José Thomaz Nabuco de Araújo, parecia, em alguns termos, com a Lei de 1841, ao pretender restringir ainda mais o poder local, centralizando o júri na cabeça das comarcas e ao esvaziar a atuação desta instituição e aumentar as exigências para os jurados. Por outro lado, o projeto de 1854 destruía a grande máquina policial implantada em 1841, retirando o poder de cargos muito valorizados na Reforma do Código. Neste sentido, o „Manifesto Vassourense‟ assinalou a defesa do júri e a independência do Judiciário em relação ao Executivo. De acordo com Paula Ferraz, o projeto de reforma judiciária de 1854 representava uma tentativa de combater uma “justiça senhorial e parcial”, emancipando o Judiciário do „patronato‟, ao tentar limitar o poder das autoridades locais, esvaziar a atuação do Júri e separar a política da justiça. Buscou-se aprimorar o sistema, no sentido de uniformizar e expandir a justiça. Ao mesmo tempo, a reforma centralizava a justiça, ao dar poder incontestável aos juízes de direito.66

O propósito desta tese não foi o de analisar a reforma de judiciária de 1854, mas é inegável que os debates do ano anterior deixaram marcas importantes nos debates do ano

65 Idem. p. 233-234.

66 Sobre as frustradas tentativas de reforma judiciária após a reforma do Código de Processo Criminal de 1841,

durante o período do Quinquênio Liberal, até a análise da proposta de 1854, ver: FERRAZ, Paula. Op. Cit., 2013.

seguinte, durante a presidência de Paraná. Na apresentação da proposta de reforma eleitoral de 1855, Paraná temia que o projeto não fosse aceito e sofresse nova derrota e foi enérgico em sua atuação pela adoção da medida. A oposição formada nos debates de 1854 via com desconfiança uma proposta que, desta vez, prometia mudanças essenciais nas eleições gerais. Os deputados contrários ao projeto de reforma eleitoral de 1855 não aceitavam que o marquês só tivesse colocado a questão como de gabinete na Câmara e não no Senado e propuseram o adiamento, alegando que não havia tempo hábil para discutir o tema. O objetivo era impedir que a reforma fosse aprovada naquele ano. O conservador João de Siqueira Queiroz questionou a postura de Paraná que, segundo ele, teria feito “ameaças as mais terríveis que acabamos de ouvir”.67 Outro conservador, o deputado por Pernambuco Jerônimo Martiniano Figueira de Mello, que foi membro da Comissão que emitiu o parecer contrário à reforma, criticou o açodamento para se votar a reforma.68 Para Figueira de Melo, o Senado achou tantas dificuldades nesta lei que ela foi aprovada por maioria de apenas três votos. E, segundo ele, a Câmara também se achava dividida.69 Já o fluminense Saião Lobato - o “líder saquarema”, segundo o jornal Correio da Tarde - afirmou que o adiamento era o único meio para a Câmara sair bem da discussão:

“A circunstância de fazer o nobre ministro questão de gabinete desta resolução não se tornará uma verdadeira pressão para arrancar à câmara um voto favorável a respeito dessa resolução? (...) Senhores, entendo que é da dignidade desta Câmara adiar a decisão desta resolução, porque se ela adotar parece que é debaixo da pressão do governo.”70 [grifos meus.]

Em sessão de 28 de Agosto, o baiano Zacarias de Góis e Vasconcelos,71 um dos redatores do parecer da Comissão de Constituição, também questionou a postura do governo em querer acelerar a discussão, criticando o fato de Paraná ter considerado a medida como questão de gabinete na Câmara e não no Senado:

“aqui, repito, quatro ou seis dias antes do encerramento da sessão, (...), é a ideia, quando menos se esperava, declarada questão de gabinete, com o acréscimo: não se admitem emendas, temos pressa. A declaração do presidente do conselho, o Marquês de Paraná, no momento e na forma em que foi feita, pareceu-me 'um argumento ad terrorem'.”72

67 Idem. p. 235-240.

68 Anais da Câmara dos Deputados. Sessão de 27 de Agosto de 1855. p. 240-245. 69 Idem. p. 242.

70 Idem. p. 246.

71 Anais da Câmara dos Deputados. Sessão de 28 de Agosto de 1855. p. 265-271. 72 Idem. p. 266.

Também o paraibano Lindolfo José Correia das Neves, em sessão de 27 de agosto de 1855, contestou a atitude de Paraná, de modo enfático: “Se, porém, o gabinete se retirar, eu muito lamentarei e preferira que ele, dissolvendo a câmara, consultando o país se por ventura as ideias que quer fazer passar no projeto são recebidas pela maioria da nação.”73

Mas Paraná não estava sozinho e seus aliados da imprensa se apressaram em defender a dissolução da Câmara, caso a reforma não fosse aprovada. E foi assim que, em 27 de Agosto de 1855, o jornal liberal o Correio da Tarde defendeu a atitude de Paraná, ao declarar a questão de gabinete e pedir brevidade na decisão ou a dissolução da Câmara, consultando o país sobre o assunto ou ele se retiraria do governo, conforme o imperador achasse melhor.74 A possibilidade de adiamento da discussão foi também criticada por membros do governo, como o então Ministro da Justiça, Nabuco de Araújo.75 Nabuco enfatizou que o governo não aceitaria este adiamento, pois tendia “a embaraçar manifestamente” a adoção da reforma eleitoral.76 Já o deputado baiano Ângelo Muniz da Silva Ferraz afirmou que não havia necessidade de estudar a questão, pois todos já possuíam uma opinião formada a respeito.77

Documentos relacionados