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A Psicanálise e sua relação com a Linguística, compreendida como

1. Há relação entre Linguística e Psicanálise?

1.3. Linguística e Psicanálise: uma relação complicada?

1.3.2. A Psicanálise e sua relação com a Linguística, compreendida como

ciência

Na segunda parte, “A relação metodológica da Psicanálise com a ciência linguística”, o autor abordará a posição de Lacan, que será marcada pelo fato de trabalhar os acidentes de linguagem a partir de alguns conceitos e noções que buscará na Linguística. Nesse ponto, Milner deixa claro que, embora a Linguística já existisse e a Psicanálise também, quem carrega a Linguística para o seio da Psicanálise é Lacan. É por essa razão que acreditamos que no artigo de Milner destacam-se duas grandes vertentes: a posição de Freud com relação à linguagem e a posição de Lacan com relação à Linguística.

Milner mostra-nos que, com Freud, temos a linguagem apontando para o inconsciente, sem preocupar-se com a Linguística, apesar de Saussure ser seu contemporâneo e do Curso de Linguística Geral ter sido publicado em 1916. Jacques Lacan faz o gesto de aproximação e, a partir dele, poderemos falar de uma tentativa de abordar o inconsciente pelo viés da ciência da linguagem.

Ao tratar da “Estranheza da posição de Freud”, como o próprio título indica,

Milner diz que ela é paradoxal, pois se Freud interessou-se profundamente pelas ciências ditas humanas, deixou de lado a Linguística (Saussure, Meillet, Troubetzkoy, Jakobson).

Quando se dedica a comentar a A insuficiência empírica da Linguística, Milner

dá outro passo e examina a posição de Lacan com relação à ciência da linguagem. Primeiramente, busca mostrar os limites da ciência Linguística:

Com efeito, os jogos de linguagem (chistes, lapsos, etc.) aos quais a Psicanálise dá atenção são constituídos a partir da linguagem e de suas estruturas. E é até mesmo possível que a Linguística faça proposições descritivas sobre eles. Mas é de se duvidar que essas eventuais proposições esclareçam a Psicanálise. (MILNER, 1995, p. 6-7)

Milner nos mostra que Lacan retirou da ciência da linguagem o que lhe pareceu operativo para a Psicanálise. É certo que a Linguística descreve os jogos de linguagem, mas essas descrições não bastam para a Psicanálise. O autor elenca três razões para essa impossibilidade:

1) Esses jogos só vão interessar à Psicanálise na medida em que é através deles que o sujeito emerge na cadeia significante;

2) O lapso e o chiste como “colisões homofônicas” são sempre contingentes (assim como a forma fônica); a contingência da forma fônica e da colisão homofônica faz com que os jogos de linguagem estejam aptos a assinalar o surgimento também contingente de um sujeito; e

3) A Linguística trabalha a linguagem de um ponto de vista empírico; apesar disso, não pode negar que existe uma parte imperceptível da linguagem, que corresponderia ao conceito, enquanto a parte empírica corresponderia ao significante. Assim, na Linguística, a relação entre o perceptível e o imperceptível na linguagem se resolve no conceito de signo. Na Psicanálise, vemos que essa relação apresenta-se de forma diferente: o conceito de signo, tal como proposto pela Linguística, não vai servir para ela. Milner, nesse momento, explica, com Jacques Lacan, que para a Psicanálise o que vai importar é o “sentido”, que se manifestará como um “desvanecimento das significações”. Logo, Lacan pontua que a linguagem é a condição do inconsciente (LACAN, 1972, p. 490), mas a Linguística, enquanto tal, de nada adiantará à Psicanálise. Ao contrário, as técnicas freudianas para a análise do lapso e do chiste são instrumentos importantes de que se servem os literatos e os linguistas em suas as análises literárias. A esse respeito Milner lembra- se particularmente de Jakobson.

Na sequência, consideramos que o texto se conduz em outro movimento. O autor diz mais claramente o que Lacan toma da Linguística: o papel teórico decisivo da Linguística estrutural. Em outras palavras, embora Lacan, como vimos com Milner, não dê importância para resultados empíricos da Linguística, vai basear-se nas decisões teóricas da Linguística estrutural. Na verdade, mais além de conjecturas históricas, o que está em jogo são duas concepções distintas de Inconsciente: corpuscular ou ondulatória, segundo analogia feita por Milner com a teoria física da luz.

Enquanto Deleuze e Guattari adotam a teoria do fluxo, isto é, tomam o inconsciente de maneira ondulatória e dinâmica, Freud e Lacan adotam a

corpuscular, isto é, tomaram-no de maneira mecânica. Em Freud, os corpúsculos terão uma existência natural – que seriam os neurônios. Com Lacan, vemos uma tentativa de pensar diferentemente esses corpúsculos: com base na Teoria da distintividade, posta pela Linguística estrutural.

A teoria da distintividade, que deriva da teoria do valor de Saussure, propõe que uma coisa se defina sempre por oposição a outra, isto é, o corpúsculo será uma entidade negativa, opositiva e relativa, ele é o que os outros elementos, com os quais estabelece relação, não são. Lacan (1953), no “Discurso de Roma”, discute nesses termos a construção desse UM que, longe de ter uma existência empírica, é uma instância.

Os corpúsculos não físicos (caso das línguas e do inconsciente) determinam- se enquanto oposição e contraste, estabelecendo, assim, entre si, redes de relações. Tais redes obedecem à mecânica da língua: sintagma e paradigma (conforme define Saussure) e, posteriormente, metáfora e metonímia (como sistematiza Jakobson). É certo que Freud não fica longe disso – ele fala em condensação e deslocamento, sendo isso que autoriza Lacan a ressignificar, com a Linguística estrutural, tais mecanismos. As relações entre corpúsculos não-físicos, trabalhadas como “metáfora e metonímia”, possibilitaram que a causalidade psíquica – até então pensada de maneira mecanicista por Freud – adquirisse o perfil de causalidade estrutural.

Para continuar desenvolvendo seu raciocínio, Jean-Claude Milner se lembra da fórmula criada por Lacan “o inconsciente é estruturado como uma linguagem”, tomando cuidado de sublinhar o artigo indefinido “uma”, pois é a noção de linguagem que estará em discussão. Explicita que a linguagem é um dos domínios do conhecimento em que as únicas relações possíveis são de metáfora e metonímia. A linguagem é, assim, diz ele, “um caso particular de uma noção mais geral” (MILNER, 1995, p.10). Dito de outro modo: metáfora e metonímia são operações linguísticas, mas tais operações não são exclusivas da linguagem e da Linguística; no inconsciente, descobriu Freud, agem operações homólogas.

A esse respeito, importante lembrarmos que Lévi-Strauss desenvolveu a Antropologia estrutural, mostrando que a estrutura não é uma prerrogativa da linguagem. Lacan, ao contrário, acredita que aquilo que tem as propriedades da

linguagem sem ser linguagem não é uma noção universal, mas um elemento (poderíamos dizer, em uma imagem aproximativa, um “corpúsculo”): o significante.

A Linguística, no entanto, não se manteve nesse modelo. Retornou, com

Chomsky, a uma configuração clássica – em que o “corpúsculo” passa a ser

simplesmente um elemento empírico comum e se define por si mesmo, não mais numa relação opositiva, como Milner explica:

Ela permaneceu corpuscular, mas não propõe mais uma doutrina original do corpúsculo. O elemento linguístico existe desde então como um ser positivo comum, e não como um pacote de relações opositivas. Reencontramos a configuração clássica: as propriedades precedem a distinção; não é mais verdade que, na língua, só existam diferenças. De um ponto de vista histórico, esta mudança de modelo foi marcada por Chomsky. (MILNER, 1995, p.10)

Enquanto a Linguística “recuou” com relação à representação corpuscular do significante, nessa mesma época, a Psicanálise, com Lacan (1967), empreende uma teoria autônoma do significante, uma teoria da diferença como tal, anterior a “toda propriedade”.

1.3.3. A relação da ciência Linguística com os dados trazidos à luz pela