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A Psicologia Judiciária no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

1.4 A PSICOLOGIA JUDICIÁRIA

1.4.1 A Psicologia Judiciária no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

A inserção da Psicologia no Poder Judiciário do Estado de São Paulo ocorreu através do Código de Menores de 1979, o qual em seu artigo 4º, inciso III, definia que “o estudo de cada caso fosse realizado por equipe técnica, sempre que possível”, não especificando o profissional de Psicologia. Porém tal artigo possibilitou a inserção formal do psicólogo no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo em julho de 1979, onde dois psicólogos iniciaram a atuação voluntária, como estagiários, no Serviço de Colocação Familiar. A atuação do Psicólogo direcionava-se para a avaliação e acompanhamento de famílias que necessitavam de auxílio econômico para manter suas crianças desinstitucionalizadas, mediante orientação psicológica e encaminhamento aos recursos da comunidade, visava a proporcionar apoio para a reorganização das famílias.

Em abril de 1980, os estagiários de Psicologia passaram a participar das audiências na Vara de Menores e, a partir desse momento, é que realmente a Psicologia conquistou um lugar efetivo no Poder Judiciário. Os casos atendidos advinham do plantão permanente de menores encaminhados via de regra pelo Serviço Social e, em seguida, os próprios Psicólogos emitiam seus pareceres no Termo de Audiência, ou levavam os relatórios pessoalmente ao Juiz, ao Promotor e à Assistente Social e em algumas vezes eram discutidos pela equipe multiprofissional. Em novembro de 1981, ocorreu a primeira contratação de psicólogos no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, sendo os estagiários os beneficiados com o vínculo empregatício por um ano, dando continuidade ao trabalho já iniciado.

A formação acadêmica não prepara os profissionais de Psicologia para atuação no âmbito da justiça e não havia precedentes nesse campo naquele período, isto é, o Psicólogo como profissional do Poder Judiciário, o que tornou necessário reestudar os procedimentos habituais e adaptar as técnicas às condições impostas pelo ambiente forense. O próprio Tribunal de Justiça e seus funcionários não estavam preparados para receber uma função tão distinta das já existentes, exigindo algumas transformações nas relações de trabalho.

A contratação dos Psicólogos era renovada anualmente, até que, em fevereiro de 1985, foi efetivado o primeiro concurso para o cargo de Psicólogo das Varas de Menores do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, legitimando assim o trabalho no contexto judiciário. Visando ao aperfeiçoamento profissional, juntamente com os Assistentes Sociais, os Psicólogos principiaram uma ação conjunta, formando comissões e buscando reflexões sobre a prática cotidiana frente à criança e ao adolescente, mediante seminários,

encontros, pesquisas, cursos e supervisões. A luta por um trabalho significativo em uma instituição tradicional como a do Tribunal de Justiça foi difícil e, ainda é, uma vez que as regras são formais e, há muito, pré-estabelecidas. O Serviço de Psicologia suscitou resistências, tanto nos usuários da justiça quanto nos próprios profissionais que nela atuavam, em função da especificidade e do papel que lhe é atribuído: papel desvelador do que está latente ou subjacente.

A importância da atuação do psicólogo na instância judiciária repousa na possibilidade deste profissional abordar as questões da subjetividade humana, as particularidades dos sujeitos e das relações nos problemas psicossociais, expressos nas Varas da Infância e da Juventude, com o contexto social e político que as definem (BERNARDI, apud BRITO, 2005, p.108).

Com a implantação do Estatuto da Criança e do Adolescente, a Lei Federal Nº. 8069/90, é que se deu a inserção do Psicólogo nas Comarcas sedes das Circunscrições do interior do Estado de São Paulo em 1991, pois as equipes interprofissionais, compostas por Assistentes Sociais e Psicólogos, passaram a ser obrigatórias e suas funções estabelecidas nos art. 150 e 1513 de tal lei. Será utilizada a experiência localizada da sede da

Circunscrição na qual a pesquisa se desenvolveu para elucidar o início do trabalho legitimado pelo ECA, no sentido de ilustrar as dificuldades e as evoluções dessa trajetória recente.

Confrontar-se com um campo de trabalho desconhecido e pioneiro exigiu muita disponibilidade e tolerância das profissionais, que procuravam adaptar-se ao sistema de relações hierárquicas e à linguagem jurídica. As Psicólogas que ingressaram no primeiro período da implantação do Estatuto da Criança e do Adolescente participaram do Programa de Iniciação Profissional na capital paulista, onde foram ministradas importantes palestras sobre diferentes temas relacionados à atuação do Psicólogo Judiciário e à estrutura judicial, o que serviu de suporte e ânimo para implantar, cada qual em sua Comarca, um Serviço de Psicologia comprometido em garantir os direitos das crianças e dos adolescentes das comunidades atendidas pela justiça.

A Seção de Serviço Social, implantada um ano antes da Seção de Psicologia, já mantinha um sistema de comunicação com o cartório, com a promotoria e com o juizado

3 * Art 150 – “Cabe ao Poder Judiciário, na elaboração de sua proposta orçamentária, prever recursos para a manutenção de equipe interprofissional, destinada a assessorar a Justiça da Infância e da Juventude.” *art 151: “Compete à equipe interprofissional, dentre outras atribuições que lhe forem reservadas pela legislação local, fornecer subsídios por escrito, mediante laudos, ou verbalmente, na audiência, e bem assim desenvolver trabalhos de aconselhamento, orientação, encaminhamentos, prevenção e outros, tudo sob a imediata subordinação à autoridade judiciária, assegurada a livre manifestação do ponto de vista técnico”.

que foram passivamente acatadas pelas Psicólogas, já que estavam em um campo novo, desconhecido e não sabendo como nele agir. As salas contíguas e o trabalho integrado, com trocas de informações sobre os casos atendidos, confundiam os Magistrados, Promotores e escreventes quanto à distinção das funções profissionais. As determinações judiciais para a realização de Avaliações Psicológicas nos processos não eram diretamente dirigidas à Seção de Psicologia, sendo tal função informalmente delegada à Assistente Social, a qual julgava a necessidade e sugeria ao juiz.

Assim, paulatinamente, a Psicologia foi se diferenciando do Serviço Social, apresentando na forma de Laudo sua atuação e suas reflexões, fundamentadas em teorias e técnicas que passaram a subsidiar efetivamente as decisões judiciais. Atualmente, em alguns casos, a Seção de Psicologia é chamada a atuar isoladamente do Serviço Social, sendo reconhecida sua contribuição e a especificidade de sua função para o desfecho do processo.

Tal espaço foi construído em um embate cotidiano, buscando desmistificar a Psicologia como produtora de um saber sustentador das relações de poder e normatizadora dos indivíduos na sociedade.

Os órgãos legislativos e judiciários, tendo como meta o ideal da justiça, incorporaram nos seus procedimentos noções e conceitos de outras áreas do conhecimento, o que transformou as práticas destes órgãos. Constituiu-se então uma nova área de prática dos psicólogos: a psicologia jurídica. Denominação ampla e pouco definida, a aplicação da psicologia ao espaço jurídico ainda suscita desconfianças e incômodos. Afinal, por que a justiça precisa do trabalho do psicólogo? (MIRANDA JR, 1998, p.28-29).

A inserção do psicólogo no Poder Judiciário na última década trouxe consigo a incumbência de auxiliar na mudança da situação sócio-jurídica das crianças brasileiras proposta pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, fazendo uso crítico dos instrumentos e técnicas da Psicologia e uma análise contextualizada da criança e sua família. A participação dos psicólogos no Judiciário Paulista começou tímida e desacreditada, sendo que, na maioria dos fóruns, o número de Assistentes Sociais ultrapassa o de Psicólogos e estes últimos devem atender, além da comarca sede, as circunscrições, que são comarcas de cidades vizinhas que não dispõem de tal profissional. Em 2006, diante da grande demanda de determinações judiciais para a realização de Avaliações Psicológicas foi realizado novo concurso objetivando a contratação de profissionais específicos para cada comarca, demonstrando a conquista de um espaço efetivo da Psicologia em um novo campo de trabalho.