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2.3 CAMINHOS DA INTERVENÇÃO: O DESCONFORTO DA DÚVIDA

2.3.2 A Produção da Verdade: a sentença final

A busca da verdade nos casos de abuso sexual infantil, tantas vezes focada no discurso da criança e nas contradições típicas da infância, também poderá ser encontrada no conjunto de práticas discursivas de seus interlocutores, incorporada no decorrer do processo judicial. No cotidiano das práticas judiciárias, quando se fala em busca ou pesquisa da verdade, seja nos processos, nas audiências ou nos discursos, é como se o sujeito em si trouxesse com ele enigmas pessoais a serem decifrados, como se o contexto judiciário e a sociedade fossem neutros na produção da verdade.

Deve-se considerar que o conteúdo das entrevistas realizadas no contexto da justiça fornece informações concretas proporcionadas tanto pela vítima, quanto pelo interlocutor, seja este profissional de qualquer área. Portanto, não apenas o que é dito verbalmente aponta caminhos para esclarecer as dúvidas ou as suspeitas, mas também o comportamento não verbalizado e o estilo da linguagem utilizada. A qualidade do relacionamento estabelecido entre a vítima e o interlocutor durante as entrevistas é fundamental para uma comunicação com amplitude e interação.

O processo da entrevista está implicitamente ligado às atitudes e às reações da vítima, o que exige do interlocutor uma postura flexível e confiante. Porém algumas vezes, a narrativa da vítima se altera durante a entrevista por motivos emocionais pessoais ou pela reação apresentada pelo interlocutor, mudando os rumos do interrogatório ou da análise do caso e nem sempre ficará claro o motivo de tais modificações.

Dessa forma, a capacitação do profissional para a entrevista de crianças vítimas de abuso sexual, seja na forma de interrogatório, de tomada de declarações ou de perícia, é essencial para o deslinde judicial do caso, já que o conteúdo da entrevista alude há algo mais do que apenas o vocabulário da vítima. Grande parte dos profissionais envolvidos nos processos de crimes sexuais de vítimas crianças não recebe capacitação específica para realizar os procedimentos necessários, sendo nítido o despreparo para ouvi-las.

O Delegado de Polícia, ao apresentar um relatório de Inquérito Policial ao Poder Judiciário, compõe uma narrativa baseada em diferentes informações investigativas e também nas declarações da vítima-criança. Tal relatório, recebido pelo Promotor de Justiça passa a incorporar o discurso deste e junto a outras informações, concilia sua manifestação enviada ao Juiz de Direito que, por sua vez, registra todos os dados colhidos até então e reproduz alguns dos procedimentos já desenvolvidos, como por exemplo, a tomada de declarações da vítima.

Com base nos documentos produzidos mediante a multiplicidade de interrogatórios, entrevistas, declarações e análises é que o Juiz irá proferir a sentença judicial, condenando ou absolvendo o réu, sendo tal sentença o ato pelo qual o Juiz termina o processo, decidindo a questão judicial. Com a sentença, o processo extingue-se, isso se não for interposto recurso, pois toda decisão judicial é passível de recurso daquele que obteve a decisão desfavorável. Os recursos podem ser interpostos pelo advogado ou pelo Promotor de Justiça e tem dois efeitos principais, conforme cita o Manual de Iniciação Funcional do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (1992):

a) Efeito Devolutivo: em curtas palavras podemos dizer que este efeito está presente em todo e qualquer recurso, pois significa devolver ao Tribunal o conhecimento da matéria, possibilitando, com isso, o reexame da decisão.

b) Efeito Suspensivo: este, por sua vez, só estará presente nas hipóteses em que a lei não lhe vedar, ou seja, o recurso só será recebido no efeito suspensivo se a lei não dispuser em contrário. Suspende a execução da sentença até o julgamento definitivo em instância superior.

O julgamento em segunda instância, é realizado por integrantes de uma câmara, formada por três desembargadores, quando, após a discussão do recurso, é feita a votação, vencendo a maioria. A decisão de segunda instância é chamada de Acórdão, que poderá reformar, total ou parcialmente, a sentença anterior ou mantê-la integralmente. Para elucidar de maneira prática, seguem alguns exemplos de ementas (resumos) de acórdãos:

ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR – Caracterização – Violência Presumida – Vítima menor de quatorze anos – Materialidade confirmada em exame pericial – Prova testemunhal em consonância com o conjunto probatório – Evidência de intento lascivo – Condenação confirmada – recurso não provido. (relator: Andrade Cavalcanti – Apelação Criminal n. 155.458-3 – Guarulhos –14.03.94)

PROVA CRIMINAL - Atentado Violento ao Pudor – Palavra da vítima – Apoio em outros elementos de prova existentes nos autos – Recurso parcialmente provido nos crimes contra os costumes, quase sempre praticados sem a presença de testemunhas, as declarações da ofendida têm valor probante, máxime quando encontram apoio em outros elementos da prova existentes nos autos. (Relator: Celso Limongi – Apelação Criminal n. 139.718-3 – Taboão da Serra/Itapecerica da Serra – 03.03.94)

MENOR – Cautelar – Guarda Provisória – Direito de Visita – Decisão que reconsiderou suspensão imposta ao pai – Hipótese em que é acusado de atentado violento ao pudor contra a menor – Inexistência de prova idônea à increpação – Inquérito Policial, ademais, arquivado – Presença paterna recomendada in casu por psicólogo ouvido nos autos – Decisão mantida – Recurso não provido. (Agravo de Instrumento n. 221.665-1- Pirajuí – 13.09.94)

Note-se que nestes acórdãos há elementos que podem embasar petições, contestações ou mesmo outras sentenças judiciais relativas a casos semelhantes, sendo esse procedimento habitual e recomendável no meio jurídico. As jurisprudências, que são conjuntos de acórdãos, conforme já citado, são referências fartamente utilizadas pelos operadores do Direito nos autos processuais para fundamentar os procedimentos e argumentações. Há uma multiplicidade de posicionamentos que poderão ser utilizados em diversas situações, o que revela a flexibilidade da atuação na área do Direito e a importância das diversas manifestações que constituem o conjunto probatório.

Há uma regularidade na trajetória de intervenções e no encadeamento dos acontecimentos nos processos penais referentes aos crimes sexuais contra a criança, havendo pequenas alterações entre um processo e outro, já que devem ser seguidas as orientações do Código de Processo Penal.