• Nenhum resultado encontrado

A qualificação profissional na Constituição Federal de

3 A VINCULAÇÃO DOS ÓRGÃOS ESTATAIS E DOS PARTICULARES AO DEVER FUNDAMENTAL DE QUALIFICAR TRABALHADORES

3.1 QUALIFICAÇÃO PROFISSIONAL

3.1.2 A qualificação profissional na Constituição Federal de

A relevância do tema em estudo é perceptível também a partir de uma análise de seu tratamento no bojo da Carta Magna, especialmente tendo em vista sua posição de superioridade hierárquica no ordenamento jurídico brasileiro. Muitos são os assuntos açambarcados pela Constituição Federal brasileira, valendo destacar a qualificação profissional nesse contexto – abordada com cuidado e veemência em diversos dispositivos constitucionais.

Para iniciar, o art. 227 da CF/88153, de maneira direta e abrangente, assevera que: Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à

profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à

convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (grifo nosso)

O referido artigo, já citado no item 3.1.2, afirma ser responsabilidade da família, da sociedade e do Estado (sob esse prisma, serão estudados os dois últimos no capítulo 4 e na letra b do item 3.3.1.2, respectivamente) garantir, com total preferência, à criança, ao adolescente e ao jovem o direito à profissionalização.

Nesse contexto, vale ressaltar o caráter de proteção à infância e juventude, marca notória no sistema jurídico brasileiro, com vistas à concretização da oportunidade de formação e, consequentemente, de escolha do caminho profissional a seguir. Para tanto, devem ser garantidos os direitos à educação (mais amplo e no sentido instrucional) e o direito à profissionalização (com foco na formação para o trabalho).

Vale registrar a preocupação perceptível no texto constitucional em pontuar não só a educação (de maneira geral), mas também marcar – sem deixar espaço para dúvidas ou possíveis omissões de interpretação e aplicação – a necessidade de atenção e ações destinadas ao processo de qualificação dos jovens, de maneira a lhes permitir acesso ao mercado de trabalho e, consequentemente, às engrenagens da economia com maiores oportunidades de êxito.

O papel do Estado, nesse cenário, é indispensável – com programas das mais variadas magnitudes para alcançar tal objetivo.

O art. 214 da CF/88154 também menciona expressamente o tema:

Art. 214. A lei estabelecerá o plano nacional de educação, de duração decenal, com o objetivo de articular o sistema nacional de educação em regime de colaboração e definir diretrizes, objetivos, metas e estratégias de implementação para assegurar a manutenção e desenvolvimento do ensino em seus diversos níveis, etapas e modalidades por meio de ações integradas dos poderes públicos das diferentes esferas federativas que conduzam a:

I - erradicação do analfabetismo;

II - universalização do atendimento escolar; III - melhoria da qualidade do ensino; IV - formação para o trabalho;

V - promoção humanística, científica e tecnológica do País.

153 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. 1988. Disponível em:

<http://www.planalto.gov. br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em: 30 jun. 2015.

154 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. 1988. Disponível em:

VI - estabelecimento de meta de aplicação de recursos públicos em educação como proporção do produto interno bruto. (grifo nosso)

Por meio do dispositivo supracitado, a Constituição Federal estabelece diretrizes fundamentais para o Plano Nacional de Educação, dentre as quais figura a formação para o trabalho. A referência à qualificação para o desenvolvimento de competências profissionais demonstra a compreensão do sistema educacional não apenas direcionado ao processo propedêutico, e sim no sentido de contemplar uma contribuição de caráter mais abrangente, envolvendo desde a perspectiva humanística até a oportunidade de real apropriação dos conhecimentos de natureza técnica para ingresso e permanência no mercado de trabalho.

O Plano Nacional de Educação consiste em um dos documentos de maior importância no sistema educacional brasileiro, funcionando como peça fundamental para organizar objetivos e identificar interesses relacionados à área. No momento em que contempla a formação para o trabalho – ainda em sede constitucional –, atribui a esse parâmetro uma dimensão altiva frente aos desafios que pretende vencer, demonstrando, dentre outras questões basilares, estreito diálogo com um dos fundamentos da República Federativa do Brasil (valores sociais do trabalho, conforme art. 1º, IV da CF/88155), um dos princípios da

ordem econômica (busca do pleno emprego, conforme art. 170, VIII da CF/88)156 e, em certa medida, todos os objetivos fundamentais da República (previstos nas alíneas do art. 3º da CF/88157). Vale registrar, ainda, os reflexos desse dispositivo também, por via indireta, para o

desenvolvimento econômico do país e, ainda mais fortemente, sob o prisma social, promovendo a inclusão e o acesso (ainda que não em escala de igualdade entre todos os brasileiros) aos bens indispensáveis à vida humana.

É perceptível, portanto, a formação de uma cadeia de concretização de preceitos constitucionais a partir da noção de qualificação profissional, uma vez que sua materialização reverbera em diversos setores, gerando o fortalecimento das diretrizes da Carta Maior e, em especial, do indivíduo frente ao mundo competitivo que se configura na atualidade.

155 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. 1988. Disponível em:

<http://www.planalto.gov. br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em: 30 jun. 2015.

156 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. 1988. Disponível em:

<http://www.planalto.gov. br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em: 30 jun. 2015. 157 Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:

I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; II - garantir o desenvolvimento nacional;

III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;

IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

(BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov. br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em: 30 jun. 2015).

Há alguns dispositivos da Constituição Federal que apresentam com nitidez o fomento à formação profissional em determinadas áreas: saúde (art. 200, III da CF/88158), gestão da cultura (art. 215, § 3º, III da CF/88159), bem como ciência, pesquisa, tecnologia e inovação (art. 218, §§ 3º e 4º da CF/88160).

Nos referidos segmentos de atuação, a referência à formação de recursos humanos é bastante clara, consolidando o interesse do país no investimento em qualificação de trabalhadores que exerçam atividade nesses campos de performance, tendo em vista sua relevância para o desenvolvimento do país.

A qualificação profissional, nesse sentido, pode ser interpretada como um investimento necessário para incremento da evolução não só do trabalhador em si, mas também da área em que atua, de maneira a possibilitar novo alcance de suas atividades e, como consequência direta, ampliação daquele segmento como um todo, obtendo níveis de destaque cada vez mais significativos.

Observa-se, portanto, que não são poucos os momentos em que a Carta Maior aborda elementos de proteção às questões trabalhistas, mesmo que entrelaçados a outros temas (a exemplo da educação). Não se deve olvidar que esses dispositivos, como menciona Paulo Bonavides161, são fruto de conquistas sociais dos trabalhadores.

O dispositivo constitucional, todavia, de ligação mais estreita com as teorias desenvolvidas no presente trabalho de pesquisa consiste no art. 7º, XXVII da CF/88, que trata da proteção do trabalhador em face da automação. Nesse momento do texto, é oportuno

158 Art. 200. Ao sistema único de saúde compete, além de outras atribuições, nos termos da lei: [...] III - ordenar a formação de recursos humanos na área de saúde; [...]

(BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov. br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em: 30 jun. 2015).

159 Art. 215. O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais. [...]

3º A lei estabelecerá o Plano Nacional de Cultura, de duração plurianual, visando ao desenvolvimento cultural do País e à integração das ações do poder público que conduzem à: [...]

III - formação de pessoal qualificado para a gestão da cultura em suas múltiplas dimensões; [...]

(BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov. br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em: 30 jun. 2015).

160 Art. 218. O Estado promoverá e incentivará o desenvolvimento científico, a pesquisa, a capacitação científica e tecnológica e a inovação. [...]

§ 3º O Estado apoiará a formação de recursos humanos nas áreas de ciência, pesquisa, tecnologia e inovação, inclusive por meio do apoio às atividades de extensão tecnológica, e concederá aos que delas se ocupem meios e condições especiais de trabalho.

§ 4º A lei apoiará e estimulará as empresas que invistam em pesquisa, criação de tecnologia adequada ao País, formação e aperfeiçoamento de seus recursos humanos e que pratiquem sistemas de remuneração que assegurem ao empregado, desvinculada do salário, participação nos ganhos econômicos resultantes da produtividade de seu trabalho.

(BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov. br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em: 30 jun. 2015).

registrar o cuidado do legislador constituinte com a matéria desde a década de 1980, tópico que ganha cada vez mais vulto e relevância com o avançar das descobertas tecnológicas e sua difusão na vida em sociedade, à qual o mundo do trabalho não fica imune, sendo esse um dos temas que serão vistos logo em seguida (item 3.1.3.1), dentro do contexto da empregabilidade – abordagem que surge na sequência.