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Algumas peculiaridades dos direitos sociais e o binômio educação-trabalho

2.4 OS DIREITOS SOCIAIS E O BINÔMIO EDUCAÇÃO – TRABALHO

2.4.4 Algumas peculiaridades dos direitos sociais e o binômio educação-trabalho

Após a apresentação das características dos direitos fundamentais aplicadas à realidade dos direitos sociais, vale trazer à baila algumas questões que dizem respeito especificamente aos direitos sociais, quais sejam, a titularidade desses direitos, sua natureza jurídica e a ligação que estabelecem com a função social dos direitos fundamentais.

Tendo em vista o objetivo do capítulo, tais distinções serão também apontadas no que diz respeito ao binômio educação-trabalho.

2.4.4.1 A questão da titularidade dos direitos sociais

A análise, aqui, pode ser realizada sob dois prismas: o sujeito individual ou coletivo como titular de direitos sociais; e o titular de direitos sociais como aquele que não tem condição de acesso às prestações com o patrimônio de que dispõe (ou, justamente, pela ausência deste).

Acerca da primeira perspectiva, Ingo Wolfgang Sarlet117 reforça a superação do paradigma de que os diretos sociais são de titularidade coletiva:

117 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria dos direitos fundamentais na

[...] Os direitos sociais (tanto na sua condição de direitos humanos, quanto como direitos fundamentais constitucionalmente assegurados) já pelo seu forte vínculo (pelo menos em boa parte dos casos) com a dignidade da pessoa humana e o correlato direito (e garantia) a um mínimo existencial, surgiram e foram incorporados ao direito internacional dos direitos humanos e ao direito constitucional dos direitos fundamentais como direitos referidos, em primeira linha, à pessoa humana individualmente considerada. [...]

Em que pese a possibilidade da tutela judicial coletiva (que será abordada no item 4.2.3.2), o entendimento é de que os direitos sociais, apesar do aspecto de destinação à sociedade, anseiam pela promoção de direitos pensados para cada indivíduo membro desse coletivo social, razão pela qual sua percepção e concretização deve ser individualizada, de maneira a, com essa postura, alcançar o almejado bem estar de todos.

Esse raciocínio é plenamente aplicado aos direitos à educação e ao trabalho, enquanto direitos sociais que são em essência.

Sobre a titularidade dos direitos sociais na segunda visão proposta, percebe-se importante vinculação à ausência de condições de concreção pelo indivíduo dos respectivos direitos com recursos próprios118. Em outras palavras, entende-se que os direitos fundamentais sociais devem ser destinados, enquanto obrigação estatal, àqueles cidadãos que não têm a oportunidade de, por si só, adquirir determinados bens (materiais ou imateriais) e serviços que são objeto de respaldo jurídico por meio da doutrina e legislação acerca dos direitos dessa natureza, a exemplo dos direitos à educação, ao trabalho (ou seja, ao binômio educação- trabalho), à saúde e à moradia. Nas palavras de Luísa Cristina Pinto e Netto119, “o mandado do Estado Social não se coaduna com uma igual distribuição de bens, recursos e oportunidades, impõe que se volte a ação estatal para os mais necessitados”.

Tal percepção decorre até mesmo da ideia que alicerça os direitos sociais, qual seja, a solidariedade social. Como explica Fábio Konder Comparato120:

A solidariedade prende-se à idéia de responsabilidade de todos pelas carências ou necessidades de qualquer indivíduo ou grupo social. [...] O fundamento ético desse princípio encontra-se na idéia de justiça distributiva, entendida como a necessária compensação de bens e vantagens entre as classes sociais, com a socialização dos riscos normais da existência humana.

118 Nesse sentido, Paul Singer e George Marmelstein. SINGER, Paul. A cidadania para todos. In: PINSKY,

Jaime; PINSKY, Carla Bassanezi (org.). A história da cidadania. São Paulo: Contexto, 2003, p. 191. MARMELSTEIN, George. Curso de direitos fundamentais. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2014, p. 236-237.

119 NETTO, Luísa Cristina Pinto e. O princípio de proibição de retrocesso social. Porto Alegre: Livraria do

Advogado Editora, 2010, p. 208.

120 COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. 6. ed. São Paulo: Saraiva,

Reconhecendo a responsabilidade coletiva pelo bem estar social, percebe-se que os direitos fundamentais sociais funcionam como uma forma de tentar proporcionar a todos aquilo que, em geral, apenas alguns conseguem ter nas condições regulares. Assim sendo, cabe ao Estado promover a oportunidade de acesso àqueles que não têm condição de fazê-lo por suas posses.

Trata-se de questão interessante sobre o pena, embora seja oportuno registrar que, em virtude do principal escopo da pesquisa estar voltado para um destinatário privado da norma – qual seja, o empregador –, o aspecto da titularidade que mais se aplica ao binômio educação- trabalho sendo materializado pelo dever fundamental dos empregadores de qualificar seus empregados corresponde ao primeiro pontuado nesse item.

2.4.4.2 Direitos sociais: apenas prestacionais?

Como ensina Robert Alexy121, os direitos a algo – categoria em que se enquadram os direitos sociais – podem ser entendidos como relações jurídicas:

[...] direitos a algo devem ser concebidos como uma relação triádica entre um titular (a), um destinatário (b) e um objeto (G). A chave para a análise da correspondência entre direito e obrigação está na equivalência lógica entre a relação triádica dos direitos e uma relação triádica das obrigações ou deveres. De:

(1) a tem, em face de b, um direito de que b o ajude

decorre:

(2) em face de a, b está obrigado a ajudá-lo, e vice-versa. (2) expressa uma obrigação relacional.

O referido autor classifica os direitos fundamentais sociais como direitos a prestação em sentido estrito, ou seja, que determinam prestações fáticas em face do Estado122.

J. J. Gomes Canotilho123 lembra que muitos dos direitos sociais consistem em direitos a prestações estatais e que têm como titulares também a coletividade (os cidadãos). Observa- se, portanto, que o autor afirma que se trata de muitos dos direitos sociais, e não do grupo como um todo.

121 ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Trad. Virgílio Afonso da Silva. 2. ed. São Paulo:

Malheiros, 2011, p. 208.

122 Ibid., p. 499.

123 CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7. ed. 16. reimp. Coimbra:

Outra questão relevante, atinente também ao tema, é o olhar acerca dos direitos fundamentais sociais para além do sempre mencionado aspecto prestacional.

No ensinamento de Jairo Schäfer124, “mais importante do que o momento de reconhecimento, é o conteúdo dos direitos”. Assim, em que pese a inegável ilação entre os direitos fundamentais de segunda dimensão e o momento histórico já mencionado (tomando como marco indispensável a Revolução Industrial), os direitos sociais não contemplam apenas direitos a prestações. Assim, seria possível localizar os chamados direitos negativos no rol dos direitos sociais, e os direitos positivos no elenco de direitos da primeira dimensão125.

Nessa esteira de pensamento, Ingo Wolfgang Sarlet126 lembra que os direitos sociais “[...] não englobam apenas direitos de cunho positivo, mas também as assim chamadas ‘liberdades sociais’, do que dão conta os exemplos da liberdade de sindicalização, do direito de greve, bem como do reconhecimento de direitos fundamentais aos trabalhadores [...]”.

Flávia Piovesan127 ressalta ser equivocada e simplista a avaliação de que os direitos de

segunda dimensão demandam apenas prestações positivas e, de igual modo, os direitos de primeira dimensão almejam apenas a omissão do Estado.

No entendimento de Jairo Schäfer128, o problema reside na comparação entre a teoria

dualista e a concepção geracional dos direitos fundamental129, haja vista a tendência, inadequada (pelos motivos expostos), de colocar em condição de equivalência os direitos negativos com os direitos de primeira dimensão e, da mesma maneira, os direitos positivos com os de segunda dimensão.

Na nova perspectiva proposta, o ponto de partida passa a ser o núcleo essencial dos direitos e o mote para a classificação, a análise do conteúdo preponderante de cada direito130.

Muito importante esse esclarecimento de natureza conceitual, em que pese a necessidade de registro de que os direitos fundamentais que compõem o binômio educação- trabalho são direitos de segunda dimensão, na qualidade de direitos sociais e de cunho essencialmente prestacional, adequando-se, portanto, ao padrão mais conhecido dos direitos dessa natureza.

124 SCHÄFER, Jairo. Classificação dos direitos fundamentais: do sistema geracional ao sistema unitário – uma

proposta de compreensão. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005, p. 40.

125 Também nesse sentido: VIEIRA DE ANDRADE, José Carlos. Os direitos fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976. 5. ed. Coimbra: Almedina, 2012.

126 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria dos direitos fundamentais na

perspectiva constitucional. 12. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2015, p. 48.

127 PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. 13. ed. São Paulo:

Saraiva, 2012, p. 244.

128 SCHÄFER, Jairo, op. cit., p. 44.

129 Sobre a expressão geração de direitos fundamentais, os comentários foram tecidos no item 2.3. 130 SCHÄFER, Jairo, op. cit., p. 41.

2.4.4.3 Os direitos sociais e a função social dos direitos fundamentais

Atuando em consonância com a função social dos direitos fundamentais, proposta por Peter Häberle131, os direitos fundamentais sociais consistem, em sua essência e com desejo de alcance, justamente na representação jurídica da ideia de bem estar da coletividade. São concebidos, como já explicitado (item 2.4.1), como o produto histórico de um período de mudanças que culminaram com o surgimento do Estado de bem estar social.

Os direitos sociais, em última análise, auxiliam na concreção da chamada função social dos direitos fundamentais, que, nas palavras de Marcos Sampaio132, “[...] visa coibir as deformações de ordem jurídica ocasionadas pelo uso intensamente individual do direito, impedindo que o detentor do direito fundamental se encastele numa posição que o isole da comunidade”.

Como “a fruição dos direitos fundamentais também deve estar condicionada ao bem- estar coletivo”133, percebe-se o quão relevante é o estudo desse grupo de direitos, com atuação

– e efetivação – indispensável em um Estado que se propõe a não seguir tão somente os ditames liberalistas.

Apesar da titularidade dos direitos sociais não ser coletiva, e sim individual (como tratado no item 2.4.4.1), existe uma dimensão de bem comum inerente ao tratamento dos direitos sociais e que em muito dialoga com a função social dos direitos fundamentais.

Nesse diapasão, vale registrar também problemas que dizem respeito à própria justiciabilidade dos direitos sociais, uma vez que, pensados individualmente, podem gerar eventuais distorções de investimento orçamentário, deixando de destinar mais verbas para a coletividade e, assim, entrando em confronto direto com a função social dos direitos fundamentais. Essa discussão, contudo, será melhor explorada no item 3.3.2.3.3.

O tema em tratamento no presente tópico estabelece estreita correlação com o caráter incindível dos direitos fundamentais, mencionado por Jairo Schäfer134, em decorrência do sentido unitário da constituição (base da interpretação sistemática).

Nominando o processo de atuação dos direitos sociais, Ingo Wolfgang Sarlet135 afirma que “[...] podem ser considerados uma densificação do princípio da justiça social [...]”.

131 HÄBERLE, Peter. La garantía del contenido esencial de los derechos fundamentales. Madrid: Dykinson,

2003, p. 11.

132 SAMPAIO, Marcos. O conteúdo essencial dos direitos sociais. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 57. 133 Ibid., p. 57.

134 SCHÄFER, Jairo. Classificação dos direitos fundamentais: do sistema geracional ao sistema unitário – uma

Função social dos direitos fundamentais e justiça social são questões jurídicas que se entrelaçam e, sobretudo, muito têm de aplicação em sede de direitos sociais, na medida em que esses direitos – tal como ocorre com o direito fundamental ao binômio educação-trabalho – carregam consigo a tentativa de corporificar a isonomia material e promover direitos indispensáveis ao ser humano para uma existência digna, sendo todas esses aspectos passíveis de visualização nos direitos à educação e ao trabalho.

Ultrapassada essa etapa de compreensão geral do direito fundamental ao binômio educação-trabalho, cumpre apresentá-lo como uma das bases do tema central da presente pesquisa.

2.5 O DIREITO FUNDAMENTAL AO BINÔMIO EDUCAÇÃO-TRABALHO E O