4. O CONFLITO DAS MALVINAS E A GEOESTRATÉGIA ARGENTINA NO
5.1 A ESTRATEGIA ARGENTINA NAS MALVINAS DESDE A ULTIMA DÉCADA
5.1.3 Período 2003-2015: Presidências de Nestor e Cristina Kirchner
5.1.3.1 A Questão Malvinas na Presidência de Néstor Kirchner
Na dimensão político-diplomática, a reivindicação de soberania nacional teria
como porta-voz inicial, o ministro das Relações Exteriores Rafael Bielsa, cumprindo
suas funções desde a XXIII Reunião da Comissão de Pesca do Atlântico Sul (2003),
bem como no campo de foros internacionais, Comitê de Descolonização das Nações
Unidas ou no âmbito da OEA e do Mercosul. (SIMONOFF, 2007; GÓMEZ, 2013;
BRÓNDOLO, 2013; COLALONGO, ECKER, 2014)
No discurso de posse de sua presidência, Néstor Kirchner expressou: “viemos
do sul da Pátria25, da terra da cultura das Malvinas e do gelo continental e
apoiaremos infalivelmente nossa reivindicação de soberania sobre as Ilhas
Malvinas”26.
Nesse sentido, esse período de governo será caracterizado por posicionar a
Argentina como um país que acessa a diplomacia multilateral para alcançar seus
objetivos de política externa mais relevantes. Dessa maneira, repensar a questão
das Malvinas como um dos tópicos a serem tratados na Assembleia Geral das
Nações Unidas encontrava-se eixado nessa intenção (COLALONGO, ECKER, 2014,
p. 126).
25 O Presidente Kirchner nasceu na província patagônica de Santa Cruz, que governou por três
períodos, desde 1991 até o momento em que iniciou sua presidência.
26 Discurso de Néstor Kirchner: Ato de posse presidencial perante a Assembleia Legislativa, 25 de
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Os autores destacam que o governo argentino, que assumiu em 2003, mudou
o significado do relacionamento com os ilhéus no Comitê Especial de
Descolonização (CED) das Nações Unidas, bem como com seus pares
sul-americanos, tanto na UNASUL como no MERCOSUL. Dessa forma, no CED, o
ministro das Relações Exteriores da Argentina, Rafael Bielsa, reafirmou as diretrizes
da nova administração segundo a qual “a recuperação da soberania era um objetivo
inalienável” e, portanto, passaria a exigência de retomada das negociações diretas
com o Reino Unido, deixando claro que os kelpers não seriam parte delas.27
Em 20 de setembro de 2006, o presidente Néstor Kirchner reiterou a posição
da Argentina durante seu discurso na Assembleia Geral das Nações Unidas,
afirmando: “Não podemos deixar de afirmar que o governo britânico continua
ignorando as resoluções desta Assembleia Geral sobre a questão da disputa pelas
Ilhas Malvinas ”28, insistindo novamente no pedido de “negociações bilaterais ” com
o objetivo de resolver a questão da soberania sobre o arquipélago, como vinha
ocorrendo desde 2003, quando participou pela primeira vez na Assembleia Geral da
ONU (DELGADO, 2012, p. 66).
No que diz respeito à UNASUL, os primeiros antecedentes do caso são
encontrados em setembro de 2000, onde os presidentes da América do Sul,
observando a situação colonial nas Ilhas Malvinas, e convencidos de que a
manutenção das situações coloniais é incompatível com os ideais de paz, segurança
e cooperação no subcontinente, concordaram com a necessidade de retomar as
negociações entre as partes, a fim de encontrar o mais rapidamente possível uma
solução pacífica e duradoura para a disputa de soberania, segundo as resoluções
relevantes da ONU e da OEA ”(KÖNNICKE, 2009).
No período da administração de Néstor Kirchner, a UNASUL se referiu à
Questão das Malvinas em duas ocasiões principais. Em primeiro lugar, em 8 de
dezembro de 2004, durante a Terceira Cúpula, realizada em Cusco, e em 9 de
dezembro de 2006, na Segunda Cúpula de Chefes de Estado da Comunidade
27 Informação disponível em http://news.bbc.co.uk/hi/spanish/latin_america /newsid_2995000/299
5504.stm.
28 Discurso do Presidente da Argentina, Néstor Carlos Kirchner, de 20 de setembro de 2006, perante
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Americana de Nações. Nessa oportunidade, em Cochabamba (Bolívia), foi adotado
um anexo referente ao assunto, apoiando os legítimos direitos argentinos na disputa
de soberania com o Reino Unido (BOLOGNA, 2012; COLALONGO, ECKER, 2014,
p. 126).
Referido ao Mercosul, no período 2003-2007, esse órgão regional se referiu ao
tema da análise em três ocasiões. A primeira declaração esteve a cargo da mesma
presidência desse órgão e estava vinculada à inclusão dos territórios insulares
argentinos no anexo II do título IV da parte III do Tratado Constitucional da União
Europeia (EU). Nesse sentido, em 26 de maio de 2005, na Reunião Ministerial
Mercosul-União Europeia, os países sul-americanos membros da organização em
questão deixaram clara a perturbação causada no bloco regional pela inclusão das
Ilhas Malvinas no anexo. Nesse sentido, o apoio dos outros Estados-Membros foi
muito importante, na tentativa de demonstrar que as Malvinas são uma questão de
interesse permanente em nível regional. (BRÓNDOLO, 2013)
Nessa mesma linha, em 21 de julho de 2006, os presidentes do MERCOSUL
emitiram uma comunicação conjunta na qual:
Renovaram seu compromisso com a Declaração dos Presidentes dos
Estados Partes do Mercosul e da República da Bolívia e República do Chile,
assinada em 25 de junho de 1996 em Potrero de los Funes, denominada
"Declaração sobre as Malvinas", reafirmando seu apoio aos direitos
legítimos da República Argentina na disputa de soberania relacionada à
questão das Ilhas Malvinas... […], Geórgia do Sul, Sandwich do Sul e os
espaços marítimos circundantes (COLALONGO, ECKER, 2014, p.
127,tradução nossa).
Em 25 de junho de 2007, o Parlamento do MERCOSUL formalizou a
comunicação anterior, apoiando novamente as reivindicações soberanas argentinas
“em conformidade com as resoluções da ONU e da OEA a esse respeito”
(MERCOSUR, 2007, p. 1, tradução nossa)29
A dimensão relacionada aos recursos energéticos e alimentares se refletiu em
uma clara deterioração. A superexploração do recurso pesqueiro e as vendas
29 Informação disponível em https://www.cancilleria.gob.ar/userfiles/ut/mcs_2007_-_parlamento_del_
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excessivas de licenças de pesca feitas unilateralmente pelo governo das ilhas
produziram um consequente atrito, prejudicando as negociações sobre o assunto. A
cessação, desde 2005, das reuniões do comitê de pesca do Atlântico Sul30, bem
como do subcomitê científico de preservação de recursos, seria o resultado dessas
ações (GÓMEZ, 2013, p. 19).
Nesse sentido, Argentina levantaria um protesto perante as Nações Unidas em
2005 sobre a concessão discricionária de licenças (feitas pelos ilhéus) de pesca em
águas continentais pertencentes à jurisdição argentina (BRÓNDOLO, 2013, p. 106).
Destaca-se, também, o fracasso das tentativas das delegações diplomáticas
argentinas e britânicas, entre 2006 e 2007, de analisar o mandato da Comissão de
Pesca do Atlântico Sul - que, como se viu, ficou praticamente paralisada desde que
o governo do Presidente Néstor Kirchner. Em 2007, enquanto as delegações de
ambos os países estavam no Palácio de San Martín (sede do Ministério das
Relações Exteriores da Argentina em Buenos Aires), um projeto de lei foi debatido
no Congresso Nacional para endurecer as sanções por pesca ilegal no Mar
Argentino, que sem dúvida se destinava a remover a segurança jurídica das licenças
de pesca concedidas nas Ilhas Malvinas (DELGADO, 2012).
Na mesma linha, em 27 de março de 2007, em um novo passo para mostrar
severidade nas relações com a Grã-Bretanha, o governo argentino tomou a decisão
de cancelar a Declaração Conjunta Argentina-Britânica sobre "Cooperação em
atividades offshore no Atlântico Sul Ocidental" do ano 1995, para a exploração de
hidrocarbonetos. Dois dias depois, foi anunciada a proibição de realizar atividades
na República Argentina para empresas de petróleo que operam sob a lei britânica na
região das Ilhas Malvinas. Essa decisão foi descrita como "revés" pelo governo de
Londres, embora afirmando que "não negociará a soberania das Ilhas a menos que
os ilhéus assim o desejem". (DELGADO, 2012, p. 66 e 67; SARRASAGUE, 2010).
De fato, a medida, anunciada pelo ministro das Relações Exteriores Jorge
Taiana, procurou retirar a legitimidade de uma situação que, segundo a versão do
30 A comissão foi criada em 1990, como parte dos Acordos de Madri. Nesse momento, foram
estipuladas duas reuniões anuais em que as partes trocariam opiniões sobre as atividades de
pesca e conservação das espécies mais significativas na área marítima entre latitude de 45 ° Sul e
latitude de 60 ° Sul.
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governo argentino, ocorreu desde o momento em que foi acordado trabalhar em
coordenação sobre o assunto: a entrega unilateral, pelo governo britânico, de
licenças de exploração de petróleo e gás na área de conflito, exceto a pequena área
de exploração conjunta, estabelecida em 1995 (COLONNA, 2007). Gómez (2013, p.
20), sustenta que a decisão foi motivada pela constante ação unilateral do governo
da ilha, mas com o apoio britânico, de desenvolver políticas destinadas à exploração
de potenciais recursos petrolíferos nas águas circundantes, com os consequentes
efeitos negativos sobre os interesses argentinos.
Dessa maneira, em clara oposição à década de 1990, materializou-se a
estratégia de confronto com Grã-Bretanha, que seria seguida pela futura presidente
e esposa de Néstor Kirchner: Cristina Fernández de Kirchner.
5.1.3.2 A estratégia argentina em relação às Malvinas durante as presidências de
No documento
Argentina e as chaves geopolíticas do Conflito das Malvinas: rumo a uma Estratégia viável para o Século XXI
(páginas 138-142)