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Evolução do Poder e Pensamento Naval na segunda metade do Século

4. O CONFLITO DAS MALVINAS E A GEOESTRATÉGIA ARGENTINA NO

4.3 PERÍODO 1946-1989: DESDE O INÍCIO DO PERONISMO ATÉ AS

4.3.3 Evolução do Poder e Pensamento Naval na segunda metade do Século

A estratégia nacional que considerou o desenvolvimento da Patagônia como

mais uma forma de defesa da soberania, aspectos derivados do pensamento

Storniano e do Coronel Atencio, promoveu atividades científicas com campanhas de

balizamento e hidrográficas, que tinham seu principal centro de operações no sul da

Argentina. Faróis de luz nos portos de Río Gallegos e San Julián, a edição e

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reedição de cartas náuticas, os levantamentos precisos da costa atlântica e o

culminar dos trabalhos hidrográficos em Puerto Belgrano, Caleta Olivia, San

Clemente e na Grande Ilha da Terra do Fogo, entre outros, modificaram o conceito

de que o mundo tinha das possibilidades e segurança para a navegação nas águas

argentinas. (DELAMER; OYARZÁBAL; MONTENEGRO; BERGALLO; SANTILLÁN,

2011b, p. 154).

Esse processo foi ainda mais projetado para o sul até a Antártica, com os

mesmos critérios, atingindo seu ponto culminante em 1954, com a aquisição do

quebra-gelo General San Martín, que permitiu garantir a presença e a participação

conjunta das três Forças Armadas, por meio de bases permanentes e operações

históricas, como campanhas realizadas no Polo Sul. (ARGUINDEGUY;

RODRÍGUEZ, 1995).

A partir da década de 1960, a Marinha continuou com um processo em

andamento há mais de uma década, que expandiu sua concepção marítima

estratégica, que havia estado restrita à defesa e cuidado da costa argentina, em

direção a outra de natureza oceânica. Essa estratégia foi inicialmente materializada

com a aquisição do primeiro porta-aviões, o Independência, sem o qual a projeção

do oceano era difícil e ineficaz; navios anfíbios e logísticos; capacidade naval e

submarina (DELAMER et al., 2011b, p. 154). Dessa maneira, consolidava-se a ideia

de Storni de expandir a visão da Estratégia Naval Nacional em direção ao Oceano

Atlântico. Posteriormente, a evolução tecnológica e uma clara política de defesa

aceleraram a implementação dessa estratégia em outros aspectos. Foi assim que

ocorreu a incorporação de unidades avançadas de superfície naval, submarinos e

aeronaves. Dessa maneira, buscou-se alcançar a necessária interoperabilidade com

as marinhas da OTAN, tornando efetiva a integração militar na ordem internacional.

Nos mesmos anos, a capacidade operacional naval alcançada permitiu à

Marinha, com doutrina e preparação para sua projeção oceânica, ampliar sua

participação em operações sob o guarda-chuva da ONU, a serviço da política

externa da Nação. É apropriado citar a participação no bloqueio contra Cuba em

1962, ordenado pelo governo do Presidente Doutor José María Guido, em face da

crise dos mísseis soviéticos lançados na ilha (MORGENFIELD, 2012). Também

foram iniciados exercícios combinados, inicialmente com as marinhas dos EUA,

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Brasil, Uruguai e Paraguai, depois expandidos para a África do Sul, Itália, Espanha e

Chile.

No início da década de 1970, a Marinha havia consolidado a reorganização

abrangente e moderna de sua estrutura. Havia uma frota marítima à frente das

principais nações sul-americanas; A Aviação Naval possuía um importante grupo de

pilotos treinados em porta-aviões, e um Corpo de Fuzileiros Navais foi adicionado

como elemento articulado, com pessoal e meios que permitiam a projeção de forças

e a execução de operações anfíbias no nível de uma Brigada do Corpo de Fuzileiros

Navais (DELAMER et al., 2011b, p. 155).

No decorrer daquela década dos anos 70, começou a ser vista a necessidade

de renovar as unidades navais originárias da Segunda Guerra Mundial, para as mais

modernas. Um marco importante foi a incorporação do porta-aviões 25 de Mayo, no

início da década, que proporcionou uma importante melhoria qualitativa das

operações aéreas a bordo (ARGUINDEGUY; RODRÍGUEZ, 1995).

Em 1971, foi adotada uma medida importante que teria uma influência

significativa no pensamento estratégico naval, a criação do Centro de Estudos

Estratégicos da Marinha. Este foi estabelecido como um centro de pesquisa para

todas as questões relacionadas ao mar. Seu estatuto prevê que seja um centro de

estudos e pesquisas com o objetivo de aumentar e aprofundar o conhecimento

estratégico nos vários campos de ação, sobre questões navais, marítimas e militares

(nacionais e internacionais) que sejam consideradas de valor atual e futuro, a fim de

contribuir com pontos de vista e contribuir para a tomada de decisão do Alto

Comando da Marinha. Da mesma forma, propõe-se divulgar à sociedade as

questões de importância estratégica, do ponto de vista naval, da realidade nacional

e internacional e, em particular, aspectos relacionados ao tema marítimo. Segundo

Delamer et al. (2011b), suas tarefas foram expandidas para a atividade acadêmica,

com a organização de seminários nas universidades, nacional e internacionalmente,

ministrando cursos de treinamento universitário sobre questões marítimas e o

desenvolvimento de estágios universitários.

Continuando com o aspecto material de renovação da segunda metade do

século, o país se viu com o mercado de armas norte-americano fechado e teve que

recorrer ao europeu. Respondendo a essa política, foi a aquisição de corvetas de

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mísseis de origem francesa, alimentadas pelo conflito de fronteira que surgiu com o

Chile em 1978, o de submarinos alemães da classe 209 e destroieres antiaéreos

ingleses, de classe 42 (ARGUINDEGUY; RODRÍGUEZ, 1995).

Retornando à política antártica, o país reforçou sua posição com a

incorporação de um quebra-gelo de características significativas, o Almirante Irizar.

Essa unidade, embora permitisse maior capacidade de provisionamento logístico às

bases, estava equipada com laboratórios que permitiam pesquisas científicas nas

áreas de oceanografia, hidrografia, glaciologia e meteorologia. Essa incorporação

mostra o quanto a Argentina está interessada e preocupada com o continente

antártico, onde participa, cada vez mais, do que acontece neste território, em todos

os seus aspectos: político, jurídico, econômico e ecológico (ARMADA ARGENTINA,

2020).

Os esforços contínuos da Argentina neste continente, que são política de

Estado, foram reconhecidos, de alguma forma, pela comunidade internacional, pois

a Cidade Autônoma de Buenos Aires foi designada como sede permanente da

Secretaria do Tratado da Antártica (setembro de 2004).

4.3.3.1 Impacto da Guerra das Malvinas no Poder Naval

Foi em 2 de abril de 1982, onde a Argentina demonstrou ao mundo a vontade

de reivindicar seus direitos legítimos e soberanos sobre as Ilhas Malvinas. A crise

começou, a partir de eventos que ocorreram nas ilhas da Geórgia do Sul, que se

transformaram em um intenso conflito armado. Essa experiência, dolorosa para o

povo argentino, não foi desperdiçada. Lições valiosas foram aprendidas, como a

importância da ação militar conjunta e inúmeras outras experiências operacionais.

Para Delamer et al. (2011b, p. 156), produto dessa experiência de guerra foram

incorporados ao pensamento naval argentino elementos importantes para a análise

estratégica. Com base nos resultados da guerra, as três Forças Armadas

começaram a assumir responsabilidades e a árdua tarefa de reorganizar -se. Isso

começou com uma etapa de racionalização de seus recursos humanos e materiais,

com o objetivo de obter um instrumento militar moderno, poderoso e móvel, com a

capacidade de se mover de maneira rápida e eficiente. No entanto, a disponibilidade

econômica, de acordo com a situação nacional prevalecente, impediu a consecução

de todos os objetivos previstos.

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Simultaneamente, o país já havia iniciado uma renovação de equipamentos

navais, para adaptar-se às necessidades impostas pelo vertiginoso avanço da

tecnologia. É assim que uma série de unidades é incorporada, entre outras:

destroieres de mísseis MEKO 360 e submarinos TR 1700, fabricados na Alemanha,

corvetas MEKO 140 fabricadas nos estaleiros argentinos e aeronaves de ataque de

origem francesa Super Etendar (ARGUINDEGUY e RODRÍGUEZ, 1995).

Contribuindo para isso, a Marinha, buscou para seu Corpo de Fuzileiros Navais uma

implantação estratégica baseada em um posicionamento geográfico ao longo da

costa atlântica e hidrovias.

Após o Conflito, o pensamento estratégico naval começou a ser baseado no

chamado de "Controle do Mar". Esse conceito, que será abordado integralmente no

Capítulo 5 desta pesquisa, significa, fundamentalmente, o conhecimento e

monitoramento permanente do que acontece nas áreas marítimas e fluviais de

interesse da Nação; particularmente, em suas águas jurisdicionais (DELAMER et al.,

2011b, GANEAU, 2019). O entrevistado E1 acrescenta que, além de uma

concepção teórica, são necessários meios concretos (do Poder Naval) para

conseguir o efeito de “controle” dos espaços marítimos.

Isso traz como consequência a necessidade de realizar uma presença efetiva

com os meios navais, a fim de alcançar o controle e, com ele, a dissuasão para

quem, potencialmente, pudesse tentar violar a segurança ou o direito que assiste o

pais em uma extensa área marítima, que ainda possui riquezas incalculáveis. Isso

reconhece sua origem, em particular, a partir do momento em que começaram a

definir-se "soberanias limitadas" nas áreas do mar adjacentes às costas dos

Estados, a partir Convenção do Mar de 1982.