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4.2 ANÁLISE JURISPRUDENCIAL

4.2.2 A rasura como falsidade material

O colendo Tribunal de Justiça de Santa Catarina dá início à análise jurisprudencial que se faz nesta seção, através de julgado que consolida o entendimento doutrinário já citado neste capítulo:

APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME CONTRA A FÉ PÚBLICA. ALTERAÇÃO DE DOCUMENTO PÚBLICO VERDADEIRO (CP, ART. 297, CAPUT). [...] ALEGAÇÃO DE AUSÊNCIA DE DOLO E DE PREJUÍZO. IMPOSSIBILIDADE. [...]. CRIME FORMAL QUE SE CONFIGURA DA SIMPLES ALTERAÇÃO DO DOCUMENTO VERDADEIRO INDEPENDENDO DE PREJUÍZO A OUTREM. PLEITO DE INCIDÊNCIA DO ERRO DE TIPO E ERRO DE PROIBIÇÃO. APLICAÇÃO DO ART. 21, CAPUT, PRIMEIRA PARTE, DO CÓDIGO PENAL. IMPOSSIBILIDADE. DOLO RECONHECIDO. CONHECIMENTO DE QUE O ATO DE RASURAR DOCUMENTO INCORRERIA EM CRIME. SENTENÇA MANTIDA. - O agente que rasura documento público utilizando-se de elementos químicos para apagar dados anteriores e preenche com novas informações, comete o crime do art. 297, caput, do Código Penal. (SANTA CATARINA, 2015).

No acórdão supra o acusado fora denunciado pelo crime do artigo 297, caput, do Código Penal por alterar certificado de registro de veículo, com o intuito de modificar o nome do comprador disposto no referido documento público.

Posteriormente o veículo em questão foi vendido e, no ato da transferência, agentes da polícia civil encaminharam o registro (que estava em nome do acusado) para a perícia, a qual confirmou a adulteração.

Devido a este fato o autor da falsificação foi condenado no juízo a quo à pena de 2 (dois) anos de reclusão pelo incurso na sanção do art. 297, caput do CP. Observando o artigo 44 do Código Penal (das penas restritivas de direito) esta condenação fora substituída por limitação do final de semana, prestação pecuniária e o pagamento de 10 (dez) dias multa.

Assim, apelou o autor pela inexistência de dolo e prejuízo para o Estado ou terceiros e, subsidiariamente, pela incidência de erro de tipo e proibição, pois “não sabia que rasurar documento público verdadeiro é crime.” (SANTA CATARINA, 2015).

A votação unânime do Tribunal foi pelo desprovimento da apelação pois “[...] a falta de efetivo prejuízo não tem o condão de arredar a culpabilidade do apelante, pois o crime de alteração de documento verdadeiro é formal, configura-se com a simples alteração.” (SANTA CATARINA, 2015).

Neste diapasão, tem-se Capez conceituando o crime formal: “[...] o tipo não exige a produção do resultado para a consumação do crime, embora seja possível a sua ocorrência. Assim, o resultado naturalístico, embora possível, é irrelevante para que a infração penal se consume.” (CAPEZ, 2012, p. 288).

Quanto a alegação de erro de tipo e de proibição pela defesa, cabe aqui a conceituação de cada um destes termos, antes mesmo de chegar-se na decisão do acórdão a esse respeito.

Erro de tipo nada mais é do que a ausência da finalidade típica, “[...] quando o agente não sabe que está realizando um tipo objetivo, porque se enganou a respeito de um de seus elementos”. (MIRABETE, 2010, p. 155).

Já no erro de proibição, o agente, “[...] em virtude de uma equivocada compreensão da norma, supõe permitido aquilo que era proibido”. Este erro é estudado no instituto da culpabilidade. (CAPEZ, 2012, p. 349).

No entanto, as alegações de erro de tipo e erro de proibição também não foram acolhidas pelo julgado, “[...] isso porque o conjunto probatório confirma a intenção do apelante, presente, desta forma, o elemento subjetivo do dolo.” (SANTA CATARINA, 2015).

A rasura restou caracterizada no decisum pela utilização de elementos químicos para a ocultação de informação e posterior inserção de novo conteúdo. Após, tipificou-se a rasura no artigo 297 do CP, a então falsidade material.

Apenas para enfatizar o entendimento acerca da desnecessidade de dano no crime formal que é a falsificação de documento público:

PENAL. FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTO PÚBLICO. DIPLOMA UNIVERSITÁRIO.APTIDÃO LESIVA. PRODUÇÃO DO RESULTADO PRETENDIDO. OBJETO APROPRIADO À CONFIGURAÇÃO DO CRIME. RECURSO NÃO CONHECIDO. 1. Para a caracterização do crime previsto no art. 297 do Código Penal, basta que a falsificação tenha aptidão para lesionar a fé pública, sendo dispensável, assim, a comprovação de efetivo dano. 2. Na hipótese, o documento falsificado pelo acusado não só era hábil a ofender a fé pública, como efetivamente o fez, logrando o agente obter o resultado que pretendia com a falsificação, uma vez que o falso diploma de farmacêutico lhe propiciou a retirada da Carteira de Identificação Profissional. 3. Dessa forma, não há falar em crime impossível por impropriedade absoluta do objeto na espécie, sendo inaplicável o disposto no art. 17 do Código Penal. 4. Recurso não conhecido. (BRASIL, 2006).

A ementa reiterou o julgado anterior ao mencionar a desnecessidade de “comprovação de efetivo dano” pela falsificação do artigo 297 e não reconheceu o recurso quanto à alegação de crime impossível por impropriedade absoluta do objeto levantada pela defesa.

O crime impossível é previsto no artigo 17 do Código Penal e ocorre nos casos em que “[...] de forma alguma o agente conseguiria chegar à consumação, motivo pelo qual a lei deixa de responsabilizá-lo pelos atos praticados.” (MIRABETE, 2010, p. 151).

Trata-se de “[...] causa geradora de atipicidade, pois não se concebe queira o tipo incriminador descrever como crime uma ação impossível de se realizar.” (CAPEZ, 2012, p. 280).

Desta forma, na impropriedade absoluta do objeto material alegada “[...] a coisa sobre que recai a conduta é absolutamente inidônea para a produção de algum resultado lesivo”. No entanto, o acusado logrou êxito em seu intuito de obter a Carteira de Identificação Profissional, motivo pelo qual o recurso não foi conhecido.

Também afastando a tese de crime impossível, colhe-se:

CRIME CONTRA A FÉ PÚBLICA. CARTEIRA NACIONAL DE HABILITAÇÃO. FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTO PÚBLICO VERIFICADA QUANDO DE SUA RENOVAÇÃO. LAUDO PERICIAL ATESTANDO RASURA E INSERÇÃO DE CARACTERES FALSOS NO CAMPO DA CATEGORIA. CÓPIA DO PROCESSO FORNECIDO PELO DETRAN ATESTANDO APENAS UMA CATEGORIA COMO PRETENDIDA. [...]. AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS. DELITO PERFEITAMENTE CONFIGURADO. ABSOLVIÇÃO INVIÁVEL. CRIME IMPOSSÍVEL. REALIZAÇÃO DE RASURAS EM CARTEIRA ORIGINAL. FALSIFICAÇÃO NÃO PERCEPTÍVEL POR QUALQUER PESSOA [...]. FALSIFICAÇÃO CONSUMADA. ATO PRATICADO COM O INTUITO DE OBTER TAL PERMISSÃO. [...] CONDENAÇÃO MANTIDA. SANTA CATARINA, 2008).

Neste caso, o Ministério Público ofereceu denúncia contra o apelante, incurso nas sanções do artigo 297 do Código Penal, por apresentar carteira de habilitação com categoria diversa daquela permitida originalmente.

No momento da apresentação do documento para renovação, a funcionária da Delegacia Regional de Polícia visualizou a alteração e encaminhou a CNH para análise pericial. Comprovou-se que o autor rasurou a categoria “C” (caminhão) para que se assimilasse à categoria “A2” (motocicleta).

O denunciado inconformou-se com sua condenação, que inicialmente foi a pena de dois anos de reclusão em regime aberto e pagamento de 10 (dez) dias multa, posteriormente substituída (art. 44, CP, das penas restritivas de direitos) por prestação de serviço à comunidade e suspensão por 2 (dois) anos da habilitação para dirigir qualquer tipo de veículo.

Recebendo a apelação o TJSC não acolheu a tese defensiva de “falsificação grosseira”, porque somente após a constatação da escrivã de polícia e de laudo da perícia se comprovou a “[...] raspagem de caracteres da carteira original e inserção de dados falsos.”

Devido a isso, a alegação de crime impossível restou afastada, tendo em vista que “[...] o reconhecimento imediato da falsidade do documento por parte de policiais não implica entender-se por grosseira a falsificação, já que estes são treinados para detectar contrafações.” (JORGE, 2007, p. 427).

Acerca da rasura visível, destaca-se julgado que entende pela absoluta impropriedade do objeto:

FALSIDADE DE DOCUMENTO PÚBLICO. DIFERENCAS ENTRE ESTE DELITO E O DE FALSIDADE IDEOLOGICA. SE O "FALSUM" E VISIVEL "ICTU OCULI", O DOCUMENTO NAO TEM IDONEIDADE MATERIAL, ESPECIALMENTE PORQUE RASURADO NO PONTO ESSENCIAL E NAO RESSALVADA A RASURA. CRIME IMPOSSIVEL, POR ABSOLUTA IMPROPRIEDADE DE OBJETO. ABSOLVICAO DECRETADA. (RIO GRANDE DO SUL, 1992).

A ementa tratou do caso da falsidade “ictu oculi”, ou seja, a falsidade a olhos vistos, incapaz de enganar. Portanto, considerou o crime como sendo impossível (previsto no artigo 17 do Código Penal), conforme já se detalhou nesta seção.

A esse respeito, a doutrina elucida que “[...]a falsificação grosseira, de acordo com a posição majoritária de nossa doutrina, afasta a configuração do delito de falsidade de documento público, tendo em vista a sua incapacidade para iludir um número indeterminado de pessoas.” (GRECO, 2016, p. 592).

Assim, “[...] não podendo causar prejuízo moral ou econômico a ninguém, a conduta será atípica”. (JORGE, 2007, p. 388).

Na mesma seara:

USO DE DOCUMENTO FALSO - CARTEIRA NACIONAL DE HABILITAÇÃO COM ADULTERAÇÃO NA DATA DE VALIDADE DO EXAME MÉDICO - RASURA E DANIFICAÇÃO DO PAPEL - FALSIFICAÇÃO GROSSEIRA - CRIME INEXISTENTE - ABSOLVIÇÃO - APELO PROVIDO.É inexistente o crime, por absoluta ineficácia do meio empregado, a conduta de usar documento falso (art. 304 do CP), ou seja, carteira nacional de habilitação com adulteração na data de validade do exame médico, se a falsificação é grosseira, pois efetivada com rasura que chegou a danificar o papel, e por isso facilmente perceptível a olho nu, portanto, incapaz de causar dano à fé pública por ilusão ou engano tanto do homem comum como da autoridade de trânsito a cuja exibição o documento é destinado como prova de habilitação para dirigir veículos automotores. (SANTA CATARINA, 2004).

Aqui a falsificação grosseira também gerou absolvição, sob a alegação de se tratar de “crime inexistente” por absoluta ineficácia do meio empregado. Este crime também se nota“[...] quando para a prática de estelionato o agente utiliza como fraude meio inidôneo para iludir, como ocorre, por exemplo, no uso para esse fim de falsificação grosseira, perceptível a

qualquer pessoa, ou em que não existe a preocupação da imitatio veri.” (MIRABETE, 2010, 152).

Essa falsificação “efetivada com rasura que chegou a danificar o papel”, como visto, não caracteriza um crime de falso. Portanto, a utilização deste documento também não está configurada como o delito do artigo 304, sendo este o motivo da absolvição do autor. (GRECO, 2016, p. 640)

A seguir junta-se ementa acerca de laudo pericial em título de crédito:

APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME CONTRA A FÉ PÚBLICA. FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTO PÚBLICO. SENTENÇA CONDENATÓRIA. RECURSO DA DEFESA. PLEITO ABSOLUTÓRIO POR INSUFICIÊNCIA DE PROVAS. IMPOSSIBILIDADE. MATERIALIDADE DO CRIME E AUTORIA DEVIDAMENTE COMPROVADAS. CONFISSÃO DOS RÉUS CORROBORADA PELO LAUDO PERICIAL GRAFOTÉCNICO, QUE CONFIRMA A FALSIFICAÇÃO DA NOTA PROMISSÓRIA. TÍTULO DE CRÉDITO EQUIPARADO A DOCUMENTO PÚBLICO (ART. 297, § 2º, DO CP). (SANTA CATARINA, 2015b).

Interessa primeiramente relembrar que o art. 297, § 2º do Código Penal alude a documentos equiparados aos públicos, conforme se analisa: “§ 2º - Para os efeitos penais, equiparam-se a documento público o emanado de entidade paraestatal, o título ao portador ou transmissível por endosso, as ações de sociedade comercial, os livros mercantis e o testamento particular.” (BRASIL, 1940).

Amaral (2000, p. 25) explica que o título ao portador ou transmissível por endosso “[...] giram intensamente no seio da coletividade, sempre graças à fé que inspiram. Embora sejam documentos tipicamente privados, a confiança que tradicionalmente infundem recomenda a maior severidade da lei penal em face da sua adulteração.”

Nesta apelação os autores foram denunciados por falsificarem nota promissória, de acordo com o art. 297, § 2º do Código Penal (falsificação de documento público). Em razão disso foram condenados a 2 (dois) anos de reclusão e ao pagamento de 10 (dez) dias-multa, substituídos por penas restritivas de direito (prestação pecuniária e prestação de serviços à comunidade).

Desta feita, os denunciados interpuseram recurso de apelação sob a alegação de que as provas são insuficientes para a condenação, além da ausência de dolo e do erro de tipo.

Por alterar a forma material do documento, como toda falsidade material, o título de crédito foi submetido à perícia. Assim, a alegação de insuficiência de provas foi afastada sob o pretexto de que a nota promissória em questão obteve laudo pericial positivo para a rasura e autoria dos apelantes.

A alegação de ausência de prejuízo também foi afastada, pois, de acordo com o voto, “[...] neste tipo penal (artigo 297, § 2º, do CP), ou seja, crime de falsificação de documento público ou equiparado, o sujeito passivo é o Estado, secundariamente a vítima prejudicada, a qual, inclusive, teve sua assinatura falsificada.” (BRASIL, 1940).

A respeito da ausência de dolo e erro de tipo, o parecer foi que os autores tinham conhecimento de que o ato praticado era crime, sendo que um dos autores possuía experiência no mercado comercial e o outro era formado em ciências contábeis. Desta forma, a decisão alegou vontade dos autores em obter vantagem financeira.

Ex positis, verifica-se o julgado:

REVISÃO CRIMINAL - CRIMES CONTRA A FÉ PÚBLICA - FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTO PÚBLICO E FALSIDADE IDEOLÓGICA – [...] - PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO ENTRE OS DELITOS DE FALSIDADE DE DOCUMENTO PÚBLICO E IDEOLÓGICA - INADIMISSIBILIDADE - DELITOS CONSUMADOS EM CONTEXTOS FÁTICOS DISTINTOS - PRÁTICA DE DUAS CONDUTAS DIVERSAS - CRIME DE FALSIDADE MATERIAL QUE NÃO CONFIGURA MEIO PARA O DE FALSIDADE IDEOLÓGICA - CONDENAÇÃO MANTIDA - FALSIFICAÇÃO GROSSEIRA - NÃO CONFIGURADA - DESCLASSIFICAÇÃO PARA O DELITO DE ESTELIONATO – INCABÍVEL. (MATO GROSSO, 2013).

Na revisão criminal supra, a parte foi condenada na primeira instância à pena de 4 (quatro) anos, 2 (dois) meses e 80 (oitenta) dias multa por incurso nos artigos 297 e 299 do CP. Pugnou pela desclassificação do referido decisum para o delito de estelionato (art. 171, CP) e consequente aplicação da regra do concurso formal.

O acusado alegou o princípio da consunção para que a decisão fosse desconstituída, excluindo da condenação a falsidade ideológica (art. 299, CP). Alegou ainda “falsificação grosseira”, pedindo afastamento da tipicidade do artigo 297 do CP.

Haja vista a necessidade de perícia para comprovar a falsidade do documento, entendeu o Tribunal que a falsificação não era grosseira, adentrando na seara da falsificação material.

O Tribunal entendeu ainda que o agente praticou os dois delitos da condenação, o de inserção de “[...] informação e assinatura falsa em documento particular de prestação de serviço” e o de falsificação do “[...] reconhecimento de firma e o carimbo da escrevente do cartório”.

Portanto, conceitua-se o concurso formal, que ocorre quando “[...] o agente, com uma única conduta, causa dois ou mais resultados.” Possui como requisitos uma conduta única que dê origem a dois ou mais fatos típicos. (CAPEZ, 2012, p. 553).

Com relação ao princípio da consunção, vale relembrar que ocorre quando um fato maior “[...] absorve, engole, consome o fato menor, de modo que somente sobra a norma que o regula”, sendo importante que ocorra sob o mesmo contexto. (CAPEZ, 2012, p. 99).

Considerando os conceitos acima, afastou-se a possibilidade de concurso formal e da aplicação do princípio da consunção sob a alegação de que os crimes praticados são autônomos e consumaram-se em diferentes contextos fáticos.

5 CONCLUSÃO

No primeiro capítulo o trabalho explorou a importância da Fé Pública e sua tutela para o Estado, o conceito de documento, a falsificação de documento público e particular, a consumação e tentativa dos referidos crimes, a classificação destes e a falsificação seguida do uso.

Os artigos estudados encontram-se no Título X do Código Penal Brasileiro, o qual tutela a Fé Pública, primordial para a confiança nas relações jurídicas do Estado. Sem esta crença, ficaria restado comprovar a todo instante a veracidade de documentos, públicos ou privados.

Logo, impende ao Estado afastar toda e qualquer ameaça a essa confiança através da tipificação, por exemplo, dos delitos de falsificação de documento público, falsificação de documento particular, falsidade ideológica e uso de documento falso.

Depreende-se do estudo destes crimes que, dentre as falsificações estudadas, a falsificação de documento público é a que possui maior severidade em sua pena (reclusão de dois a seis anos e multa), pois a legislação pátria entende pela primazia do público sobre o particular.

Na observância do delito do artigo 297 do CP, destaca-se que este é crime comum e formal, que independe de resultado. A falsificação de documento público reside nos verbos

falsificar - criar um novo documento para que pareça verdadeiro - e alterar – modificar,

conforme o interesse do agente, um documento que já é verdadeiro.

Também crime comum e formal, a falsificação de documento particular (artigo 298, CP) elenca os mesmos núcleos verbais do artigo antecedente, embora tenha como objeto material o documento particular. A este objeto fora recentemente equiparado o cartão de crédito e débito, ressalta-se.

A falsificação de documento seguida do uso mostra-se pacificada na doutrina e na jurisprudência como exaurimento do crime de falsidade (STF - HC: 84533), punindo-se apenas

a contrafação do documento.

Para o segundo capítulo abarcou-se a falsidade ideológica e seus requisitos, sua classificação, consumação e tentativa, sua distinção perante a falsidade material, o conflito aparente de normas e princípios aplicáveis e o uso de documento falso (art. 304, CP).

A falsidade ideológica é crime tratado no artigo 299 do Código Penal e incrimina - através dos verbos omitir, inserir ou fazer inserir e alterar - a modificação na essência do documento.

Aí reside a diferença desta falsidade para a falsidade material. A falsidade ideológica, como o próprio nome diz, busca modificar a ideia que o documento transmite, sem que para isso a parte física do documento se altere (como nos casos de falsidade material).

O uso de documento falso (artigo 304 do CP) depende dos crimes de falsificação, tendo em vista que as penas deste delito são cominadas à falsificação ou à alteração. Este uso, como visto, deve ser consciente e voluntário.

Operou-se consequentemente o esclarecimento do conflito aparente das normas do artigo 304 e da falsificação seguida do uso de documento falso pelo próprio agente. Este conflito é dirimido pela simples definição de que no uso de documento falso do art. 304 o agente não atua com o mesmo objetivo que o falsificador, ao contrário da falsificação seguida do uso.

Os conflitos aparentes de normas possuem amparo doutrinário para sua resolução. Por isso, citam-se os princípios aplicáveis a estes casos: princípio da especialidade, princípio da subsidiariedade, princípio da consunção e princípio da alternatividade.

Por fim, ao último capítulo coube responder o tema proposto por este trabalho, qual seja, a rasura em documento com o fim de alterar fato juridicamente relevante, sua análise doutrinária e jurisprudencial.

Conclui-se que a rasura caracteriza alteração de documento já existente para a inserção de informação que interesse ao autor do falso. A alteração, como já mencionado, caracteriza o tipo penal da falsidade material, em que a parte externa do documento é modificada.

Comprovou-se através de excertos da doutrina e de julgados que a rasura, quando passível de iludir a coletividade, constitui o crime de falsidade material. A rasura grosseira, no entanto, foge do âmbito da falsidade documental e pode ser tipificada no delito de estelionato (art. 171, CP) ou ser considerada crime impossível (art. 17, CP).

REFERÊNCIAS

AMARAL, Sylvio do. Falsidade documental. Campinas: Millennium, 2000.

ANDREUCCI, Ricardo Antônio. Manual de direito penal. 9. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2013.

BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte especial. 3. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008. v. 4.

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BRASIL. Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del3689Compilado.htm>. Acesso em: 6 abr. 2016.

BRASIL. Lei de 16 de dezembro de 1830. Mandar executar o código criminal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/LIM/LIM-16-12-1830.htm>. Acesso em: 23 abr. 2016.

BRASIL. Lei nº 12.737, de 30 de novembro de 2012a. Dispõe sobre a tipificação criminal de delitos informáticos; altera o Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal; e dá outras providências. Disponível em:

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