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Falsificação através de rasura em documento: falsidade ideológica ou material?

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Academic year: 2021

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ANTONELLA SPINELLI PACIELLO

FALSIFICAÇÃO ATRAVÉS DE RASURA EM DOCUMENTO: FALSIDADE IDEOLÓGICA OU MATERIAL?

Florianópolis 2016

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ANTONELLA SPINELLI PACIELLO

FALSIFICAÇÃO ATRAVÉS DE RASURA EM DOCUMENTO: FALSIDADE IDEOLÓGICA OU MATERIAL?

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Graduação em Direito, da Universidade do Sul de Santa Catarina, como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Direito.

Orientador: Prof. Aldo Nunes da Silva Jr., Major da Polícia Militar do Estado de Santa Catarina e Professor de Direito Penal e Processual Penal na UNISUL

Florianópolis 2016

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Dedico este trabalho aos meus pais, por todo amor que me ofereceram ao longo de suas vidas. Ao meu namorado, por me incentivar e apoiar a todo momento. Aos meus familiares, pelo carinho costumeiro.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço primeiramente a Deus, pelos momentos em que a fé não me deixou esmorecer e pelas oportunidades a mim concedidas.

Aos meus pais, por se sacrificarem para a realização de um sonho nosso.

Ao meu professor orientador Major – PM Aldo Nunes da Silva Júnior, por toda a dedicação, paciência e instrução necessárias para a conclusão deste trabalho.

A todos os professores desta academia, por dedicarem seu tempo para transmitirem o saber por eles adquirido.

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“Teu dever é lutar pelo Direito, mas no dia em que encontrares em conflito o direito e a justiça, luta pela justiça” (Eduardo Couture).

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RESUMO

O trabalho busca analisar a questão da rasura com a finalidade de alterar fato juridicamente relevante e sua tipificação no Direito Penal. A falsificação de documento é incriminada, pois viola a fé pública, bem juridicamente relevante que diz respeito à veracidade de certidões e documentos. O Código Penal Brasileiro tipifica a falsificação de documento público (art. 297 do CP), a falsificação de documento particular (art. 298 do CP), a falsidade ideológica (art. 299 do CP) e o uso de documento falso (art. 304 do CP). Os artigos 297 e 298 do CP criminalizam a falsificação ou alteração de documento, seja ele público ou particular. Por vezes esbarra-se em conflitos aparentes dessas normas penais, havendo para isso princípios a serem aplicados: especialidade, subsidiariedade, consunção e alternatividade. A rasura em documento, tema do trabalho, pode ser grosseira ou idônea. Caso seja grosseira e não engane a coletividade, caracteriza-se o crime impossível (art. 17, CP) ou o estelionato (art. 171, CP), quando o agente induz ou mantém outrem em erro. A rasura idônea, no entanto, é entendida pela doutrina e pela jurisprudência majoritária como falsidade material. Isso se dá porque esta falsidade concerne ao exterior do documento, necessitando de perícia para sua certificação. A rasura, portanto, configura alteração no documento, elemento do tipo penal de falsificação de documento público ou particular.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ... 9

2 DA FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTO ... 12

2.1 HISTÓRICO ... 12

2.2 CONCEITO DE DOCUMENTO ... 16

2.2.1 Falsificação de documento público ... 17

2.2.2 Falsificação de documento particular ... 19

2.3 CONSUMAÇÃO E TENTATIVA ... 21

2.4 FALSIFICAÇÃO SEGUIDA DO USO DO DOCUMENTO FALSO ... 22

2.5 CLASSIFICAÇÃO JURÍDICA ... 23

3 DA FALSIDADE IDEOLÓGICA ... 26

3.1 CONCEITO ... 27

3.2 DISTINÇÃO ENTRE A FALSIDADE MATERIAL ... 28

3.3 REQUISITOS DA FALSIDADE IDEOLÓGICA ... 29

3.4 USO DE DOCUMENTO FALSO (ART. 304) ... 30

3.5 CONFLITO APARENTE DE NORMAS ... 32

3.5.1 Princípios aplicáveis ao conflito aparente de normas ... 34

3.6 CONSUMAÇÃO E TENTATIVA ... 36

3.7 CLASSIFICAÇÃO JURÍDICA ... 37

4 A RASURA EM DOCUMENTO COM O FIM DE ALTERAR FATO JURIDICAMENTE RELEVANTE ... 38

4.1 ANÁLISE DOUTRINÁRIA ... 39

4.2 ANÁLISE JURISPRUDENCIAL ... 41

4.2.1 A rasura como falsidade ideológica ... 41

4.2.2 A rasura como falsidade material ... 43

5 CONCLUSÃO ... 50

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1 INTRODUÇÃO

Como pré-requisito ao diploma do Curso de Direito da Universidade do Sul de Santa Catarina, desenvolve-se este Trabalho de Conclusão de Curso sob o título de “Falsificação Através de Rasura em Documento: Falsidade Ideológica ou Material?”

A escolha do tema se deve ao fato de que, apesar de inúmeras doutrinas e julgados pacificarem o entendimento a respeito da rasura em documento, há divergência em algumas decisões e dificuldade em diferenciar os institutos da falsidade ideológica e material inclusive entre os acadêmicos do curso de Direito.

A Fé Pública é de suma importância para o Estado pois diz respeito à crença que os indivíduos têm perante documentos e certidões emanados pelo Poder Público. Além de documentos essencialmente públicos, há a tutela de documentos equiparados (art. 297, §2º, CP) e até documentos particulares (art. 298, CP), pois estes produzem efeitos jurídicos que o Estado também visa proteger.

Sem esta presunção de veracidade que se impõe a documentos, as relações jurídicas ficariam conturbadas, implicando a cada indivíduo provar a autenticidade de documentos e certidões a todo instante.

Estuda-se a Fé Pública na linha do tempo através do histórico de leis concernentes à falsificação de documento, sendo a primeira que se tem conhecimento a “Lex Cornelia testamentaria nummaria” em 78 a.C. Importa também estudar a falsificação de documento público na história, no Direito e suas consequências.

O objetivo geral desta pesquisa é determinar se a falsificação através da rasura em documento caracteriza falsidade material ou ideológica. Para tal, cuida-se dos objetivos específicos: abordar os crimes contra a Fé Pública, identificar o crime de falsidade material, identificar o crime de falsidade ideológica e analisar a rasura em documento com o fim de alterar fato juridicamente relevante.

Portanto, no primeiro capítulo estudam-se os conceitos de Fé Pública e documento, o histórico de falsificações e tipificações deste delito ao longo dos anos, a falsificação de documento público, de documento particular, as classificações jurídicas das respectivas falsidades, a consumação e tentativa destes crimes e a falsificação seguida do uso de documento falso.

A este capítulo inicial cabe a identificação do crime de falsidade material, cuja definição principal é a de modificação na estrutura do documento. Caso a falsificação seja idônea, apta a iludir, cumpre à análise pericial a comprovação do delito.

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Em seguida, no segundo capítulo, identifica-se o crime de falsidade ideológica, através de seu conceito, seus requisitos, classificação, consumação e tentativa, da divergência entre esta falsidade e a falsidade material, os possíveis conflitos aparentes de norma e os princípios aplicáveis, além de identificar o uso de documento falso (art. 304, CP).

No último capítulo adentra-se no cerne da temática proposta por este trabalho, por meio da análise da rasura com o fim de alterar fato juridicamente relevante. Esta tarefa será cumprida através da retomada de conceitos de falsidade material e ideológica, além de apresentação de conceitos novos.

O capítulo responderá o objetivo geral proposto por este trabalho através da identificação da rasura em documento como sendo falsidade material ou ideológica. Caso seja falsidade material, cabe ainda a tipificação do delito como falsificação de documento público (art. 297, CP) ou falsificação de documento particular (art. 298, CP).

Importante para o entendimento do terceiro capítulo, o fato juridicamente relevante para a doutrina é aquele que provoca efeitos nas relações jurídicas e pode ofender direito de outrem, ameaçando as tutelas do Direito Penal. Estas tutelas estatais se relacionam com as garantias do Estado Democrático de Direito e estão sob observância da Teoria Finalista do Direito Penal.

A Teoria Finalista da Ação foi adotada por nosso Código Penal e relaciona a tipicidade de um fato ao dolo ou culpa, ao animus do agente. A análise da intenção do agente dá causa, por exemplo, ao erro de tipo, em que objetivamente a conduta é punível, mas subjetivamente não o é.

Em consonância com esta teoria, o último capítulo trará julgados em que o crime se configura pela simples contrafação do documento, tendo em vista que o autor do delito agiu com intenção de prejudicar. Se observará das decisões colhidas que muitas vezes o crime se configurou independente da produção de dano.

O método de abordagem será o dedutivo, tendo o racionalismo como base, o qual utiliza a razão para atingir o conhecimento necessário. Utiliza-se então o silogismo, na medida em que duas premissas originarão uma terceira, logicamente decorrente (conclusão).

A pesquisa será bibliográfica com objetivo exploratório. Para isso, utiliza-se o estudo de jurisprudência, artigos, legislação vigente e doutrinas, principalmente do Direito Penal.

O trabalho, como mencionado, está dividido em três capítulos: Da Falsificação de Documento, Da Falsidade Ideológica e A Rasura com o Fim de Alterar Fato Juridicamente Relevante.

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2 DA FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTO

Com vistas a atingir os objetivos expectados, o primeiro capítulo tratará da Falsificação de Documento, abrangendo sua tipificação, o objeto jurídico tutelado, o histórico de falsidade documental, o conceito de documento e as falsificações de documento público e particular.

Este capítulo abordará ainda a consumação e tentativa do crime de falsidade documental, a falsificação seguida do uso do documento e a classificação jurídica do referido delito.

Iniciando o estudo, a falsificação de documento insere-se como tipo penal descrito no Capítulo III do Título X do Código Penal Brasileiro. O referido título abarca os Crimes Contra a Fé Pública e é de suma importância para que haja credibilidade de documento nas relações sociais.

Esta confiança que os cidadãos têm com os papeis públicos, ou seja, com a autenticidade de documentos públicos, é chamada de fé pública. Portanto, se torna necessário ao progresso que não haja a obrigação incessante de se provar a autenticidade de papeis e documentos em transações ou demonstrações de um fato. (JESUS, 2012, p. 37).

Para Capez (2012, p. 342),

Toda vez que alguém, por exemplo, falsifica um documento público, isto é, cria materialmente um documento semelhante ao verdadeiro, há uma quebra nessa confiança geral, isto é, na crença de que os documentos emitidos pelo Poder Público são legítimos. [...] as pessoas, assim, passam a desconfiar da presunção de veracidade dos documentos, o que ocasiona verdadeira insegurança jurídica.

Por este motivo existe a tutela do objeto “fé pública”, que por vezes se estende de forma secundária a outros interesses, como por exemplo no crime de moeda falsa, em que se protege inclusive o patrimônio do sujeito passivo que porventura venha a receber a contrafeita moeda. (JESUS, 2012, p. 37).

2.1 HISTÓRICO

No que tange ao histórico da proteção ao objeto jurídico do documento, volta-se a 78 a.C. para trazer à baila a lei mais antiga de que se tem conhecimento a respeito do delito de falso, a Lex Cornelia testamentaria nummaria. (PRADO, 2008, p. 328)

Esta lei foi posteriormente chamada de Lex Cornelia de falsis, e previa punição para a falsificação de documento particular, para a falsidade monetária e a falsidade dos testamentos.

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Não havia, contudo, distinção na lei entre falsidade pública e falsidade documental. (PRADO, 2008, p. 328).

Posteriormente, no Século VI, o Código Visigótico (Codex Legum Visigothorum), previa como tendo efeitos jurídicos determinados documentos e vigeu na Península Ibérica, influenciando os germânicos, principalmente os visigodos. (GUERREIRO, 2014, p. 2).

O Título V - Livro II do referido Código estipulava “[...] sanções para quem falsificasse assinaturas ou documentos, por vontade própria ou mediante coação.” (GUERREIRO, 2014, p. 3)

Ainda sobre o Código Visigótico:

Ora, perante a contemplação destes comportamentos num diploma que geria a ordem pública, é evidente que a preocupação com os documentos que entravam em circulação na esfera jurídica já se fazia sentir, especialmente os contratos e toda a legislação que dissesse respeito à família (GUERREIRO, 2014. p. 3)

Já na era moderna, destacam-se as Ordenações Afonsinas, conjunto de leis promulgadas em Portugal durante o reinado de Dom Afonso V por conterem um livro dedicado exclusivamente aos delitos e penas, à imagem do que se possui hoje no Direito Penal. (GUERREIRO, 2014. p. 4)

Sua importância se dá para o histórico de falsidades documentais na medida em que:

[...] do (sic) título XXXVIII sob a epígrafe ‘Do que ufa de Efcripturas ou Teftemunhas falfas fem cometendo alguma falfidade’, já era legislado, ainda que de forma muito superficial, sobre o que nos dias de hoje se considera o crime de Falsificação ou Contrafação de Documento. (GUERREIRO, 2014. p. 4).

Sucessoras das Ordenações Afonsinas no Brasil, as Ordenações Filipinas não previam expressamente a existência de falsificação de documento particular, deixando este delito a cargo de outra possível tipificação. (PRADO, 2008, p. 328).

No entanto, o Título LII do Livro V destas Ordenações tutela expressamente o documento público, pois trata dos que falsificam sinal ou selo do Rei, ou outros sinais autênticos ou selos. As penas previstas para estes crimes podiam ser degradação para o Brasil, perda de bens para a coroa, degradação por dez anos para a África e até mesmo pena de morte. (QUINTO..., 1202).

Avançando na linha do tempo, o Código Criminal do Império penalizava “[...] genericamente a falsificação de ‘qualquer escritura, papel ou assinatura’, indistintamente” (PRADO, 2008, p. 328), conforme se vê a seguir:

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Art. 167. Fabricar qualquer escriptura, papel, ou assignatura falsa, em que não tiver convindo a pessoa, a quem se attribuir, ou de que ella ficar em plena ignorancia. Fazer em uma escriptura, ou papel verdadeiro, alguma alteração, da qual resulte a do seu sentido.

Supprimir qualquer escriptura ou papel verdadeiro.

Usar de escriptura, ou papel falso, ou falsificado, como se fosse verdadeiro, sabendo que o não é.

Concorrer para a falsidade, ou como testemunha, ou por outro qualquer modo. Penas - de prisão com trabalho por dous mezes a quatro annos, e de multa de cinco a vinte por cento do dano causado, ou que se poderia causar. (BRASIL, 1830).

Mais adiante, o Título V – Capítulo II do Código Penal de 1890,

[...] no Título V, Capítulo II, tratando das falsidades no âmbito da tutela da fé pública, já conferia tratamento diferenciado às falsidades de documentos públicos e particulares, contemplando-as em seções distintas e, estranhamente, impondo penas geralmente mais severas à falsificação de documentos privados. (PRADO, 2008, p. 328).

Abrem-se parênteses para mencionar que o referido Código fora escrito às pressas, sendo esta a causa para o excesso de falhas e penas severas, culminando com a apresentação de um novo projeto de Código apenas três anos depois. (CUANO; CUANO, 2001).

Destarte:

Por muito tempo as idéias (sic) de reformas ficaram sem êxito, e o Código foi acrescendo de alterações e aditamentos, para sanar-lhes os defeitos, completá-lo às novas condições práticas e cientificas. Essas leis esparsas retificadoras ou complementares do Código, o desembargador Vicente Piragibe, complicou (sic) e sistematizou em um corpo de disposições que denominou Consolidação das Leis Penais, tornando oficial, por Decreto de 14 de dezembro de 1932.

(CUANO; CUANO, 2001).

Assim, de acordo com o Decreto, oficializou-se a Consolidação das Leis Penais, cujo artigo 258 tratava do crime de falsidade de escrito ou papel particular, separado da falsificação de documento público, como se vê no código vigente. (PRADO, 2008, p. 328).

Com relação à falsidade documental no Direito e na História, há inúmeros exemplos de falsidades notáveis para ambas as áreas. Observa-se:

“Um deles, talvez o maior de todos, é o do Constitutum Constantini pelo qual o imperador Constantino teria doado ao Vaticano, ou mais precisamente ao Papa Silvestre, o Palácio de Latrão, Roma, além de todas as províncias e cidades da Itália e do Ocidente.” (FRANCO, 1997, p. 226).

A esse respeito o livro Relações de Força, Ginzburg (2002, p. 64-65) alude não só à ilegitimidade do documento, tendo em vista que Constantino era apenas administrador do império, como também à falsidade deste. No capítulo “Lorenzo Valla e a doação de Constantino”, Ginzburg explicita que “[...] a opinião que prevalece hoje entre os estudiosos é

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que o constitutum tenha sido redigido nas dependências da chancelaria pontifícia por volta de meados do século VIII, para fornecer uma base pseudo legal às pretensões papais ao poder temporal”.

Prosseguindo nas falsidades documentais históricas, há ainda a divisão do Novo Mundo entre Espanha e Portugal através do Tratado de Tordesilhas. O já citado artigo de Franco discorre a respeito da falsidade de autenticação do Tratado, tendo em vista que um pesquisador descobriu ser falso o selo autenticador deste documento. Explica: “Isso porque o exemplar encontrado em Santos, no Mosteiro do Carmo, revela que o selo aplicado a via arquivada na Torre do Tombo é de Jaime, o Conquistador, que viveu no século XIII, dois séculos antes [...].” (FRANCO, 1997, p. 229).

Episódio bastante lembrado no histórico brasileiro é o das cartas falsas atribuídas a Artur Bernardes, que resultou em uma celeuma entre o então candidato à presidência e os militares. Franco esclarece que a carta continha tratamento rude para com os militares e ainda referência ao ex-presidente Hermes da Fonseca como “sargentão sem compostura”. (FRANCO, 1997, p. 229)

Tendo em vista a negação de autoria de Artur Bernardes, a carta fora submetida à exames grafotécnicos, os quais divergiram em relação à falsidade. Segundo Franco,

Para reforçar seu instrumental defensivo, Artur Bernardes obteve de Rui Barbosa parecer opinando pela falsidade, com base em presunções estritamente jurídicas, tais como o de que só merece ser questionado o documento suspeito de falsidade se tiver, pelo menos, procedência aceitável. (FRANCO, 1997, p. 230).

Mencionando bibliografia de Afonso Arinos de Melo Franco, traz uma passagem em que “Melo Franco dá detalhes a respeito da participação de Irineu no episódio das ‘cartas falsas’, quando o mesmo manteve contatos com os falsários e viu nas cartas algo ‘muito bom para destruir a candidatura Artur Bernardes.’” (FRANCO, 1955, p. 126)

Franco (1997, p. 231) prossegue: “Outro falso atualmente confesso, e por isso inquestionável, foi o famoso plano Cohen, com base no qual o general Góis Monteiro pediu a Getúlio Vargas, e obteve, a ruptura da ordem constitucional e a instituição do Estado Novo”.

Para Mezzaroba (1992, p. 1) o plano foi fundamental no sucesso da instauração do Estado Novo por Getúlio, tendo em vista a comoção e aprovação da população para a implementação de medidas emergenciais que salvariam a nação.

Segundo o mesmo autor, “[...] o contexto geral, a gravidade maior do Plano Cohen, está, justamente, na irresponsabilidade das autoridades da época, ao dar publicidade a um documento, sabendo-se da sua falsidade.” (MEZZAROBA, 1992, p. 5).

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Assim, nota-se a importância que o Estado dá à tutela da fé pública e particularmente do documento para prevenir acontecimentos que se assemelhem às celeumas históricas aqui apresentadas.

Para melhor entendimento do delito de falsidade documental, a seção a seguir se incumbirá de analisar o objeto material da tutela estatal.

2.2 CONCEITO DE DOCUMENTO

Antes mesmo de estudar o crime de falsidade documental, necessária se torna a conceituação do objeto jurídico tutelado neste tipo penal, ou seja, a “coisa” sob a qual recai a conduta delituosa do agente.

Nos parágrafos que seguem parte-se de uma premissa ampla para posteriormente analisar-se o tema tendo em vista conceitos e subdivisões jurídico doutrinárias, que especificam o tipo do documento.

Para a língua portuguesa o conceito de documento nada mais é do que “sm (lat documentu) 1 Dir Instrumento escrito que, por direito, faz fé daquilo que atesta; escritura, título, contrato, certificado, comprovante 2 Escrito ou impresso que fornece informação ou prova”. (MICHAELIS, 2009).

Historicamente, “[...] a concepção de documento se definiu como prova dos fatos, seguindo a inspiração do modelo de Lorenzo Valla. Este modelo foi validado pela concepção cientificista de documento, e traduziu a afirmação da objetividade do conhecimento como dado”. (KNAUSS, 2006, p. 102).

Lorenzo Valla fora um estudioso que passou a reunir provas para demonstrar a falsidade da Doação de Constantino à Igreja. Deve-se destacar que Valla foi mencionado neste trabalho (item 2.1) em oportunidade anterior, tendo dado nome ao capítulo do livro de Ginzburg a respeito da descoberta de falsificação no Constitutum Constantini.

Para Mirabete (2009, p. 200),

A lei penal, porém, ao referir-se a documento, considera-o em sentido bem mais restrito. Podemos conceitua-lo como toda peça escrita que condensa graficamente o pensamento de alguém, podendo provar um fato ou a realização de algum ato dotado de significação ou relevância jurídica

Consoante esta definição que alude a um sentido restrito de documento para o direito penal, nota-se o artigo 232 do Código de Processo Penal, cujo conteúdo transcreve-se a

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seguir: “Art. 232. Consideram-se documentos quaisquer escritos, instrumentos ou papéis, públicos ou particulares”. (BRASIL, 1941).

Deve-se, no entanto, atentar para o fato de que no Direito a “[...] característica essencial do documento é a relevância jurídica do escrito, ou seja, que a expressão do pensamento nele contido tenha possibilidade de gerar consequências no plano jurídico.” (MIRABETE, 2009, p. 201)

Capez destaca ainda que o documento deve possuir a identificação do autor por meio de assinatura, no entanto esta falta pode ser suprida quando pelo conteúdo do documento pode-se entender a quem pertence a autoria. (CAPEZ, 2012)

Concluindo a temática, recorre-se à ideia de que futuramente os conceitos acima apresentados se alterarão, haja vista que com a evolução da eletrônica e da informática o documento deixará paulatinamente a forma escrita para se tornar digital, e consequentemente as assinaturas e sinais, tanto públicos como privados, serão substituídos por certificações eletrônicas. (GIRÃO, 2012, p. 114-115).

2.2.1 Falsificação de documento público

A falsificação de documento público insere-se no artigo 297 do Código Penal. Doutrinariamente se classifica como falsidade material, excetuando os incisos do §3º, que caracterizam a falsidade ideológica. (GIRÃO, 2012, p. 123).

A esse respeito, Rogério Greco demonstra contrariedade ao acréscimo dos parágrafos 3º e 4º pela Lei 9.983/2000 ao delito de falsificação de documento público:

Isso porque, antes da mencionada alteração, o delito de falsificação de documento público somente previa falsidade de natureza material. Agora, com os novos parágrafos, o tipo penal foi transformado em uma figura híbrida, pois prevê, em seus parágrafos, falsidade ideológica. (GRECO, 2016, p. 593).

Faz-se necessário destacar:

Art. 297 - Falsificar, no todo ou em parte, documento público, ou alterar documento público verdadeiro:

Pena - reclusão, de dois a seis anos, e multa. (GRECO, 2016, p. 593).

Ao analisar-se o caput do artigo 297, depreende-se que as condutas incriminadas neste tipo penal são a de falsificar (total ou parcialmente) documento público ou alterar documento público verdadeiro. Neste sentido, Prado explana:

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A ação de falsificar pode se concretizar por qualquer forma, mediante contrafação (isto é, fabricação de uma cópia falsa, similar a um modelo verdadeiro), fabricação (formação de um documento falso ao qual não corresponda um verdadeiro semelhante) ou modificação, pelo acréscimo, adulteração ou supressão de partes do conteúdo do documento (rasura de nomes, substituição de fotos, modificação de datas etc.), de modo a adulterar seu sentido original, levando-o a exprimir coisa diferente do que primitivamente atestava. (PRADO, 2008, p. 318).

Tal explicação é corroborada por Estefam, ao dizer que “[...] a conduta ‘falsificar’ tem o sentido de fabricar, contrafazer, formar”, já “[...] a conduta ‘alterar’ tem o sentido de modificar documento verdadeiro, quer nele introduzindo dizeres, quer os subtraindo, de modo que o documento não seja mais o primitivo.” (ESTEFAM, 2008, p. 314).

No entanto, “[...] é preciso que o documento sobre o qual incide a conduta do sujeito seja verdadeiro. O documento já previamente falso não pode ser objeto do crime, porque nova falsificação em documento que já era falso é inócua.” Porém, caso o autor do delito aperfeiçoe a falsificação anteriormente inócua, permitindo que esta seja apta a enganar terceiros, o crime se torna então penalizável. (PRADO, 2008, p. 320).

Nesta seara, “[...] caso o documento criado ou modificado não imite a verdade, mas ainda sim cause dano patrimonial, é possível falar em outro crime, como estelionato.” (GIRÃO, 2012, p. 121).

Para motivos de classificação dos documentos públicos, a doutrina os divide em formal e substancialmente público ou formalmente público, mas substancialmente privado. Capez esclarece que esta distinção se dá basicamente pela natureza do conteúdo destes documentos. (CAPEZ, 2012, p. 370).

Embora ambos sejam emanados por funcionário público, o documento substancialmente público possui um conteúdo de natureza pública. O documento substancialmente privado, no entanto, possui conteúdo de natureza particular (interesses particulares). (CAPEZ, 2012, p. 370-371).

Importante salientar que a própria Lei elenca os documentos públicos por equiparação (art. 297, §2º), quais sejam: o documento público emanado de entidade paraestatal, o título ao portador ou transmissível por endosso, as ações de sociedade comercial, os livros mercantis e o testamento particular.

São também documentos públicos “[...] os traslados, fotocópias com autenticação e as certidões.” (JESUS, 2012, p. 83). Porém, “[...] as cópias não autenticadas (fotocópias, xerox), no plano criminal, não são consideradas documentos”. (JESUS, 2012, p. 83).

Concernente ao sujeito ativo do delito, este pode ser qualquer pessoa, visto que a falsificação de documento público se trata de crime comum. A exceção se encontra no §1º do

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art. 297, que trata do funcionário público no exercício de sua função. (ESTEFAM, 2008, p. 313).

Desta forma, “[...] no caso de ser o agente funcionário público e cometer o delito prevalecendo-se de tal condição” haverá “[...] a exasperação de sexta parte da pena, por força do §1º”. Já “as condutas incriminadas tanto no caput quanto nos §§ 3º. e 4º. do artigo 297 são punidas com reclusão, de dois a seis anos, e multa. (PRADO, 2008, p. 324).

“Questão de interesse neste delito é a do concurso eventual de agentes, pois são coautores do crime os intermediários entre o falsificador e o destinatário do documento falsificado.” (GIRÃO, 2012, p. 121).

Quanto a análise do sujeito passivo, este é o Estado, detentor da Fé Pública tutelada. Em decorrência desta legitimidade, a ação penal é pública incondicionada à manifestação da vítima. (PRADO, 2008, p. 324).

Não se afasta, entretanto, a inclusão do “[...] particular eventualmente prejudicado pelo documento público falsificado” no polo passivo. (ESTEFAM, 2008, p. 313).

O momento consumativo do delito merece análise, já que existem duas correntes doutrinárias divergentes a esse respeito.

A primeira defende que a consumação se dá no momento da falsificação, independente de resultado posterior. “Para a segunda, o uso que faz surgir o dano potencial é o único apto a consumar o delito.” (GIRÃO, 2012, p. 121).

Por fim, a cominação da pena deste delito é de 2 (dois) a 6 (seis) anos, além da multa, sendo esta aplicada em conjunto com a pena privativa de liberdade. Tendo isto em vista, o procedimento é ordinário, não cabendo competência aos Juizados Especiais Criminais. (GIRÃO, 2012, p. 122).

2.2.2 Falsificação de documento particular

Tendo em vista que o documento público possui um maior resguardo do Estado, tendo em vista possuir presunção de veracidade necessária à segurança jurídica, o documento particular também é tutelado, apesar de possuir objeto material diferente, visando punir as já citadas condutas do item anterior. (PRADO, 2008, p. 327).

Aqui, a segurança jurídica também seria afetada caso não houvesse adequação do documento particular às normas legais vigentes. “É esta confiança na obediência de normas públicas pelo documento particular que resta afetada no caso da falsidade do crime sob estudo.” (GIRÃO, 2012, p. 124-125).

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No mesmo sentido,

[...] impõe a exigência de veracidade e confiabilidade a toda manifestação de vontade corporificada num documento capaz de produzir efeitos jurídicos, mesmo que restrito às relações interindividuais e alheio às atividades ou interesses diretos do poder público. (PRADO, 2008, p. 327).

Assim sendo, a função do Estado na tutela do documento particular é a de se manter “[...] como garante das normas pelas quais devem pautar-se as relações interindividuais.” (HUNGRIA, p. 22-23 apud PRADO, 2008, p. 320).

A falsificação de documento particular encontra-se então pautada no artigo 298 do Código Penal, a seguir transcrito:

“Art. 298 - Falsificar, no todo ou em parte, documento particular ou alterar documento particular verdadeiro: Pena - reclusão, de um a cinco anos, e multa.” (BRASIL, 1940).

O objeto material aqui tutelado pode ser caracterizado “[...], por um critério de exclusão: é todo aquele que não esteja compreendido como documento público, ainda que por equiparação” (PRADO, 2008, p. 329). Damásio ressalta ainda que “[...] o documento público, quando nulo por vício de forma, é considerado documento particular.” (JESUS, 2012, p. 90).

Ressalva-se uma recente modificação no artigo 298, que acrescentou um parágrafo único ao crime de falsificação de documento particular. Este parágrafo fora introduzido pela Lei nº 12.737 de 2012 para equiparar a documento particular os cartões de débito ou crédito. (BRASIL, 2012a).

Em decorrência do aumento no uso de cartões de crédito ou débito e da diminuição de compras por meio de emissão de cheques, Greco explica que “[...] o número de falsificações dessa modalidade equiparada de documento particular cresceu na mesma proporção, exigindo, igualmente, uma resposta do legislador, a fim de preservar as relações de consumo.” (GRECO, 2016, p. 601).

Consoante à falsificação de documento público, a contrafação de documento particular é um crime comum que pode ser realizado por qualquer pessoa e seu sujeito passivo continua sendo o Estado. Também aqui a pessoa que sofrer o dano pode ser sujeito passivo secundário e os elementos objetivos do tipo residem nos verbos “falsificar” e “alterar”. (JESUS, 2012, p. 89).

A diferença entre os dois tipos de falsificação (pública e particular) reside, principalmente, na autoria do documento. Para Damásio, o documento particular “[...] não tem

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formalidade especial, é feito por um particular, não sofrendo a intervenção de um funcionário público.” (JESUS, 2012, p. 90).

Pode ocorrer no delito a existência de concurso eventual de agentes, pois “[...] são coautores do crime os intermediários entre o falsificador e o destinatário do documento falsificado.” (GIRÃO, 2012, p. 126).

“Não é preciso, pois, que o agente tenha sido impelido por um especial interesse de prejudicar terceiro ou de obter vantagem como decorrência do falso, malgrado a potencialidade para tanto seja essencial à existência do delito”. (PRADO, 2008, p. 330).

A pena prevista é de reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos e multa, e a competência para julgar este crime é da Justiça Estadual. “Se houver seu posterior uso, poderá fixar-se a competência da Justiça Federal na hipótese de ser lesado interesse da União, de suas autarquias ou de suas empresas públicas.” (PRADO, 2008, p. 331).

Este delito segue os moldes do crime de falsificação de documento público no que tange ao tipo da ação penal, que é pública e incondicionada. Mas difere do artigo 297 ao admitir a suspensão condicional do processo, de acordo com a Lei 9.099/95. (PRADO, 2008, p. 331).

Por fim, a falsificação de documento particular aceita a mera possibilidade de ocorrência de dano para o reconhecimento do delito. Isto se deve ao fato de que esta falsificação pode ser de “perigo abstrato”, ou seja, existe risco de que o documento seja usado a qualquer hora, provocando o dano. (GIRÃO, 2012, p. 126).

2.3 CONSUMAÇÃO E TENTATIVA

Visto que os crimes contra a fé pública abalam uma crença que a população tem perante a veracidade dos documentos, a consumação destes delitos independe de prejuízo para a vítima. Desta forma, caracterizam-se estes crimes como formais, e “[...] o eventual dano a bens jurídicos individuais (liberdade pessoal, patrimônio etc.), provocado pela falsificação, aberra da órbita do crime, e, por isso, não é requisito da consumação.” (AMARAL, 2000, p. 111).

Defendendo a existência de tentativa para os crimes formais, Sylvio do Amaral explicita que “[...] o que propicia a concepção do conatus não é o fato de tratar-se de crime de resultado, mas o de ser delito que se desenvolve através de um iter criminis, e este requisito é contradiço também em crimes formais, como se sabe.” (AMARAL, 2000, p. 112-113).

Em consonância com este pensamento encontra-se Capez (2012, p. 373) ao dizer que “[...] o conatus ocorrerá se, por exemplo, o agente, estando no início do processo de

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formação da escritura pública falsa, tendo preenchido apenas algumas linhas, é surpreendido por terceiro.”

O autor Sylvio do Amaral conclui que, com “[...] exceção da forma omissiva da falsidade ideológica e dos crimes de uso de documento falso (que se aperfeiçoam com o primeiro ato de uso), todos os crimes de falso, embora formais, admitem juridicamente a tentativa”. (AMARAL, 2000, p. 115).

Em decorrência deste pensamento, Sylvio compara ainda, em nota de rodapé de sua doutrina, os crimes de dano com os crimes de falso:

Ora, assim como em relação aos crimes de dano a tentativa ocorre no momento em que para o bem jurídico atacado criou-se um perigo de dano, assim também, paralelamente, para os crimes que se aperfeiçoam com a só possibilidade de prejuízo (como a falsidade documental), é possível definir como tentativa a ação que chega a representar um perigo de criar-se aquela possibilidade (o chamado perigo de perigo). (AMARAL, 2000. p. 115).

Capez atenta para o fato de que “[...] é necessário que a falsificação seja apta a iludir terceiro, que tenha potencialidade ofensiva, pois, se grosseira, absolutamente idônea a enganar, não haverá o crime em questão.” (CAPEZ, 2012, p. 373).

Todavia, há divergência doutrinária a respeito do tema, sendo que a posição favorável à existência de tentativa defende a natureza plurissubsistente do delito. Para a posição contrária, “[...] é juridicamente impossível a tentativa do delito porque já se cuida de delito de perigo, sendo que o ato anterior que não chega a causar perigo é irrelevante para a punição penal.” (GIRÃO, 2012, p. 121).

Contudo, há consenso no sentido de que este crime é formal, sendo irrelevante a produção de resultado danoso para a sua consumação, competindo à próxima seção a análise do delito caso o agente que falsificou use o documento falso.

2.4 FALSIFICAÇÃO SEGUIDA DO USO DO DOCUMENTO FALSO

Quando da falsificação seguida do uso do documento falso, entende-se que a falsificação absorve o outro crime. Neste sentido, preleciona Damásio:

“Se na mesma pessoa reúnem-se as figuras de falsário e usuário, ela responde por um só delito: o de falsidade, que absorve o de uso (CP, art. 304). O uso, nesse caso, funciona como post factum impunível, aplicando-se o princípio da consunção na denominada progressão criminosa” (JESUS, 2012, p. 88).

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Na jurisprudência juntada a seguir, destaca-se que, quando o autor e o usuário da falsidade encerram-se sob a mesma pessoa, o delito de uso de documento falso é absorvido:

[...] CARÁTER IMPUNÍVEL DO USO POSTERIOR, PELO FALSIFICADOR, DO DOCUMENTO POR ELE PRÓPRIO FORJADO - ABSORÇÃO, EM TAL HIPÓTESE, DO CRIME DE USO DE DOCUMENTO FALSO (CP, ART. 304) PELO DELITO DE FALSIFICAÇÃO DOCUMENTAL (CP, ART. 297, NO CASO), DE COMPETÊNCIA, NA ESPÉCIE, DO PODER JUDICIÁRIO LOCAL - PEDIDO INDEFERIDO. - O uso dos papéis falsificados, quando praticado pelo próprio

autor da falsificação, configura "post factum" não punível, mero exaurimento do "crimen falsi", respondendo o falsário, em tal hipótese, pelo delito de falsificação de documento público (CP, art. 297) ou, conforme o caso, pelo crime de falsificação de documento particular (CP, art. 298). (BRASIL, 2004, grifo

nosso).

Na mesma seara, o julgamento da Sexta Turma do STJ alude a entendimento já assentado em jurisprudência do STF:

HABEAS CORPUS. FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTO PÚBLICO E USO DE DOCUMENTO FALSO. INÉPCIA DA DENÚNCIA. INOCORRÊNCIA. PRINCÍPIO DA ABSORÇÃO.CONSTRANGIMENTO EVIDENCIADO. [...] 3. O

entendimento sufragado pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é de que se o mesmo sujeito falsifica e, em seguida, usa o documento falsificado, responde apenas pela falsificação. 4. Ordem denegada. Habeas corpus concedido de

ofício, para trancar a ação penal quanto ao crime de uso de documento falso, devendo prosseguir no que concerne às demais imputações. (BRASIL, 2012b, grifo nosso).

Em consonância e citando a jurisprudência supra, a Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da Quinta Região decide:

PENAL E PROCESSUAL PENAL. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO DO MPF. CRIMES DO ART. 297 E 304 DO CPB. USO DE DOCUMENTO FALSO PRATICADO PELO PRÓPRIO AUTOR DA FALSIFICAÇÃO. CRIME DE FALSO SUBSISTE. USO DO DOCUMENTO. POST FACTUM IMPUNÍVEL. [...] 3. Questão que foi julgada pela Sexta Turma do STJ (Relator Ministro Og Fernandes), que fixou o seguinte entendimento, no informativo de jurisprudência 452, ao apreciar o HC 107.103-GO: (...). Para o Min. Relator, seguindo entendimento do STF, se o

mesmo sujeito falsifica documento e, em seguida, faz uso dele, responde apenas pela falsificação. Destarte, impõe-se o afastamento da condenação do ora paciente pelo crime de uso de documento falso, remanescendo a imputação de falsificação de documento público. (RECIFE, 2013, grifo nosso).

Entende-se, portanto, que no concurso dos crimes de falsidade documental e uso de documento falso, subsiste o delito de falsificação. Caso haja apenas o uso de documento falso, o delito será tipificado no artigo 304 do Código Penal, conforme se observará mais adiante. 2.5 CLASSIFICAÇÃO JURÍDICA

Conforme o entendimento de Rogério Greco, o crime de falsificação de documento público trata-se de:

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Crime comum, tanto no que diz respeito ao sujeito ativo quanto ao sujeito passivo; doloso (não havendo previsão para a modalidade de natureza culposa); comissivo (podendo, também, nos termos do art. 13, §2º, do Código Penal, ser praticado via omissão imprópria, na hipótese de o agente gozar do status de garantidor) e omissivo próprio (§4º do art. 297); de forma livre (caput) e de forma vinculada (§§ 3º e 4º); instantâneo; monossubjetivo; plurissubsistente; não transeunte. (GRECO, 2016, p. 594).

Deve-se atentar para o parágrafo 4º do artigo 297, que prevê expressamente a omissão própria, sendo esta a diferença encontrada entre a classificação jurídica da falsificação de documento particular para a classificação do crime de falsificação de documento público.

Assim, a falsificação de documento particular é classificada por Greco como sendo também um crime comissivo, comum, doloso, instantâneo, de forma livre, plurissubsistente, não transeunte e monossubjetivo. (GRECO, 2016, p. 601).

Amaral (2000, p. 111) acrescenta ainda que os crimes de falsidade documental são também formais, pois “[...] consumam-se independentemente de qualquer resultado danoso para a vítima.” Damásio corrobora com este entendimento ao elucidar que, por serem formais, os crimes de falso possuem como requisito a possibilidade do dano, “[...] não se exige, assim, que terceiro, pessoa física ou jurídica, venha a sofrer, efetivamente, um prejuízo.” (JESUS, 2012, p. 42)

Bitencourt corrobora com os entendimentos supracitados ao explicar que a falsificação de documento:

Trata-se de crime formal (que não exige resultado naturalístico para sua consumação), comum (que não exige qualidade ou condição especial do sujeito), de forma livre (que pode ser praticado por qualquer meio ou forma pelo agente), instantâneo de efeitos permanentes (consuma-se de pronto, mas seus efeitos perduram no tempo), unissubjetivo (que pode ser praticado por um agente apenas), plurissubsistente (crime que, em regra, pode ser praticado com mais de um ato, admitindo, em consequência, fracionamento em sua execução). (BITENCOURT, 2009, p. 324).

Apesar dos autores já citados nesta seção defenderem que a falsificação de documento é crime formal (que independe de resultado posterior), há os que creem que apenas o uso que acarreta o dano é apto a consumar o delito, fazendo parte de uma segunda corrente de pensamento. (GIRÃO, 2012, p. 121).

Legitimando o ponto de vista da primeira corrente doutrinária encontra-se Sylvio do Amaral, ao explanar:

É certo que não se concebe a tentativa nos delitos que unico actu perficiuntur, mas não é exato que todos os crimes formais sejam dessa natureza, pois há muitos que se compõem de vários atos. O que identifica o crime formal não é a sua eventual unissubsistência, mas a desnecessidade legal de resultado para a consumação: pode

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compor-se o delito de diversos atos, e, ainda assim, conceituar-se como formal. (AMARAL, 2000, p. 113).

Para esclarecer, o crime formal “[...] não exige a produção do resultado para a consumação do crime, embora seja possível a sua ocorrência” (CAPEZ, 2012, p. 288) e o crime plurissubsistente “[...] é aquele que exige mais de um ato para sua realização.” (CAPEZ, 2012, p. 290).

Após análise sobre a importância da tutela da fé pública, o conceito de documento, os crimes de falsificação de documento público e privado, suas tentativas, consumações e classificações, encerra-se o estudo da falsidade material para adentrar, no capítulo seguinte, no estudo da falsidade ideológica.

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3 DA FALSIDADE IDEOLÓGICA

O legislador brasileiro sentiu-se impelido a proteger também o conteúdo intelectual do documento, tendo em vista que a inserção ou omissão de “[...] declaração diversa da que devia ser escrita”1 ofende a fé pública, a exemplo dos outros crimes de falso tratados no capítulo anterior. (BRASIL, 1940).

Entretanto, ao tipificar este crime, o Código Penal visa não só tutelar a fé pública, como também proteger “[...] outros bens, como o interesse econômico, a paz social, a ordem pública ou familiar, a honra, a liberdade etc.” (JESUS, 2012, p. 40).

Falso moral, falso intelectual ou falso ideal são formas que algumas doutrinas abordam para se referirem à falsidade ideológica. Drummond defende ainda uma nomenclatura diferente de todas as citadas, e explica: “A chamada falsidade ideológica talvez com maior propriedade se chamasse falsidade expressional, o que pressuporia concomitância de declaração de vontade e da adulteração desta por adulteração de sua primeira formalização gráfica.” (DRUMMOND, 1944, p. 224)

No estudo do conceito de falsidade ideológica em outros países, há “[...] dissenções entre os doutos, refletidas nas legislações, [...] que o Direito italiano e o argentino restringem aos documentos públicos [...], relegando para o capítulo relativo às fraudes os casos incidentes sobre documentos privados e passíveis de representação penal”. (AMARAL, 2000, p. 55).

O legislador pátrio, apesar da influência dos conceitos divergentes de Carrara e da lei italiana,

Conceituou o falso ideológico com amplitude total, reconhecendo-o tanto em atos de funcionário público – desde que o agente omita no documento declaração que dele devia constar, ou nele insira, ou faça inserir, declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita (CP, art. 299). (AMARAL, 2000, p. 60).

Aprofunda-se, nas seções seguintes, o conceito de falsidade ideológica, sua distinção perante a falsidade material, seus requisitos, o conflito aparente de normas, a análise da consumação e tentativa, culminando com a classificação jurídica do delito.

1 Artigo 299 do Código Penal. Disponível em:

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3.1 CONCEITO

Antes mesmo de se identificar a diferença entre a falsidade material do capítulo anterior e a falsidade ideológica deste capítulo, torna-se necessária a conceituação do crime previsto no artigo 299 do Código Penal, através dos próximos parágrafos.

Primeiramente torna-se necessário entender que a falsificação ideológica “[...] caracteriza-se por versar sobre o conteúdo intelectual do documento, sem afetar sua estrutura material” (AMARAL, 2000, p. 52) Greco acrescenta que “[...] o documento, em si, é perfeito; a ideia, no entanto, nele lançada é que é falsa.” (GRECO, 2016, p. 605).

Para Amaral (2000, p. 53), no falso ideal simula-se a verdade com base em um documento inexistente. O conteúdo ideológico do documento não coaduna com a verdade, mas a autoria documental condiz com a identidade de quem escreve, tornando o documento extrinsecamente verdadeiro.

O objeto material do delito encontra-se no caput do art. 299, sendo ele o documento público ou particular. É tipificado o documento: “[...] no qual o agente omitiu declaração que nele devia constar, ou nele inseriu ou fez inserir declaração falsa ou diversa daquela que devia ser escrita, com o fim de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar verdade sobre fato juridicamente relevante.” (GRECO, 2016, p. 83).

Prossegue o autor ressaltando que o tipo penal “omitir, em documento público ou particular, declaração que dele devia constar” caracteriza-se como omissivo próprio, pois o agente possibilita a falsidade ideológica quando não fornece a declaração que devia consignar. (GRECO, 2016, p. 606).

Para Carrara, a falsidade ideológica quando praticada por funcionário público trata-se, na verdade, de falsidade material. Isso porque, para ele, a falsificação ideológica só pode ser praticada por um particular. (AMARAL, 2000, p. 55).

Divergem deste conceito Bitencourt (2009, p. 327) e Delmanto et al. (2010, p. 860). O primeiro defende que o sujeito ativo do crime “[...] é qualquer pessoa, independentemente de qualidade ou condição especial. Sempre, no entanto, que o crime for praticado por funcionário público, no exercício de suas funções e delas se prevalecendo, estará caracterizada causa especial de aumento de pena.”

Já Delmanto et al. (2010, p. 860), explica que o sujeito ativo pode ser “[...] qualquer pessoa, não precisando, necessariamente, ser quem redige o documento [...].”

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Inicia-se, nas seções seguintes, a análise pormenorizada do delito de falsidade ideológica, o qual entende-se incidir em fatos passíveis de gerar danos no âmbito jurídico, desde que a falsidade seja apta a iludir o homem médio.

3.2 DISTINÇÃO ENTRE A FALSIDADE MATERIAL

Visto que a falsidade material concerne à forma extrínseca do documento, refletindo também em seu conteúdo intrínseco, a falsidade ideológica, por sua vez, concerne à ideia que o documento aborda, ao pensamento que este transmite. Bitencourt (2009, p.328) esclarece que “[...] a falsidade ideológica versa sobre o conteúdo do documento, enquanto a falsidade material diz respeito a sua forma. No falso ideológico, basta a potencialidade de dano, independente de perícia.”

Concordando com a desnecessidade de perícia está Damásio, ao dizer que apenas a falsidade material pode ser averiguada pericialmente, sendo que a falsidade ideológica deve ser provada por outras formas. (JESUS, 2012, p. 39).

Ressalta-se o pensamento de Queiroz, defensor do conceito de que não há contrafação ou alteração na falsidade ideológica, ao contrário da falsidade material. O que há, no entanto, é um conteúdo inverídico na falsificação ideológica, apesar de se tratar de um documento genuíno. (QUEIROZ et al. 2013, p. 768)

Nesse sentido:

AGRAVO DE INSTRUMENTO - ARGÜIÇÃO DE FALSIDADE IDEOLÓGICA - INADEQUAÇÃO À PRETENSÃO DO AGRAVANTE - RECURSO IMPROVIDO. A falsidade ideológica diz respeito aos vícios do consentimento ou sociais do ato jurídico, autorizando a anulação do ato jurídico nas formas do CC 147, II. No falso

material, há alteração da forma do documento, sendo construído um novo, ou alterado o que era verdadeiro, perquirindo-se acerca da veracidade do próprio

documento apresentado. A falsidade ideológica, por sua vez, provoca uma

alteração de conteúdo, que pode ser total ou parcial, perquirindo-se acerca da falsidade das próprias informações e afirmações constantes no documento.

(MINAS GERAIS, 2008, grifo nosso).

Drummond, em seus comentários ao Código Penal, explica ainda:

Na falsidade ideológica, há uma expressão de vontade que se susta, que se suspende, que se substitue (sic) por uma inverdade no momento mesmo de elaboração material do documento. Na falsidade material, não há um declarante cuja declaração seria então viciada, adulterada, por omissão ou acréscimo que contrarie, uma ou outro, declaração feita na hora mesmo de ter expressão gráfica. (DRUMMOND, 1944, p. 224).

Depreende-se desta seção que na falsidade material há a alteração ou forja no “exterior” (forma) do documento, tornando-o novo. A falsidade ideológica, no entanto, mantém

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a forma do documento, alterando a ideia que este transmite (conteúdo falso). (BITENCOURT, 2008, p. 328).

Após a análise da distinção entre os dois tipos de falsidade (material e ideológica), segue-se para a próxima seção, que tem o intuito de identificar os requisitos da falsificação ideológica.

3.3 REQUISITOS DA FALSIDADE IDEOLÓGICA

Inicia-se o estudo dos requisitos da falsidade ideológica elencando os verbos do tipo penal do artigo 299, quais sejam: omitir, inserir ou fazer inserir com a finalidade de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante. Desta forma, caracteriza-se o agente por atuar com especial fim de agir. (GRECO, 2016, p. 606).

Neste sentido, concorda Bitencourt ao elucidar:

Com efeito, a falsidade somente adquire importância penal se for realizada com o fim de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante. Não ocorrendo qualquer dessas hipóteses, é de reconhecer a falta de justa causa para a ação penal, pois se trata de conduta atípica (BITENCOURT, 2008, p. 328).

Damásio explica ainda que “[...] assim, são insuficientes à configuração delitiva a vontade e a consciência de lesar a fé pública com a prática do falso”, o autor deve ter a intenção de prejudicar outrem para caracterizar o delito. (JESUS, 2012, p. 40-41).

Conforme introduzido nesta seção, existem três verbos do tipo penal que especificam a conduta. Estes verbos nada mais são do que as modalidades do crime de falsificação ideológica.

Analisa-se inicialmente a modalidade de “[...] omitir, em documento público ou particular, declaração que dele devia constar”, que caracteriza, como o próprio verbo alude, uma conduta omissiva. (ANDREUCCI, 2013, p. 473).

Posteriormente há a modalidade de “[...] inserir, em documento público ou particular, declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita” e a modalidade de “[...] fazer inserir, em documento público ou particular, declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita”. Ambas caracterizam uma modalidade comissiva. (ANDREUCCI, 2013, p. 473).

Capez (2012, p. 388) corrobora com este entendimento e ainda acrescenta que o delito em tela é crime de ação múltipla, possuindo várias ações nucleares do tipo penal. A primeira é a de “omitir declaração,” que classifica como de falsidade imediata, “[...] pois o agente que forma o documento é o mesmo que omite a informação."

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Segue sua explicação com a modalidade de “inserir declaração falsa”, categorizada também como de falsidade imediata, em que “o agente diretamente insere no documento a declaração inverídica.” (CAPEZ, 2012, p. 388).

Posteriormente alude à ação de “inserir declaração diversa da que devia ser escrita,” onde ocorre “[...] substituição de uma declaração verdadeira por outra igualmente verdadeira.” (CAPEZ, 2012, p. 388).

A penúltima modalidade para Capez é a de “fazer inserir declaração falsa”, na qual “[...] o agente induz terceiro a inserir a declaração falsa no documento”, ocorrendo desta forma uma falsidade mediata, em que apenas ao declarante se atribui o crime. Também é falsidade mediata a última ação nuclear típica, de “fazer inserir declaração diversa da que devia ser escrita.” (CAPEZ, 2012, p. 388).

Importante notar a necessidade do dolo para caracterizar o crime de falsidade ideológica e as modalidades em que este delito se subdividiu para o estudo. Em seguida, observar-se-á o uso de documento falso, delito que está diretamente relacionado aos outros crimes já explanados neste trabalho.

3.4 USO DE DOCUMENTO FALSO (ART. 304)

O legislador pátrio reuniu todos os delitos de falsidade documental para tipificar o crime de uso de documento falso, modalidade em que o autor utiliza conscientemente a contrafação. (AMARAL, 2000, p. 165).

Andreucci acrescenta que “o uso de documento falso, portanto, é um crime remetido, ou seja, um crime que, para sua perfeita caracterização, faz alusão a outro crime, no caso, o de falso.” (ANDREUCCI, 2013, p. 480).

Importante destacar que o uso do documento falso deve vir acompanhado de dolo, da mesma forma que a falsificação de documento. Mesmo sendo a falsificação grosseira e prejudicial, não há que se falar em uso de documento falso caso haja imperícia, imprudência ou negligência. (AMARAL, 2000, p. 166).

A respeito da falsificação grosseira, tem-se que “para a caracterização do crime, é necessária a imitação da verdade, ou seja, a imitatio veri, uma vez que a utilização de documento grosseiramente falsificado não tipifica o delito.” (ANDREUCCI, 2013, p. 480).

Ainda acerca de requisitos, Sylvio do Amaral esclarece:

[...] não é, porém, imprescindível que o usuário aja com o mesmo objetivo que animou o autor do falsum. Assim, especialmente nas hipóteses dos arts. 299 e 301, pode

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acontecer de usar o agente o documento falso sem consciência do dolo específico que inspirou a ação do falsário (no primeiro exemplo) ou das particulares qualidades do atestado ou da certidão (no segundo caso). (AMARAL, 2000, p. 166-167).

Entende-se, portanto, que entre a falsificação e o uso não há necessidade de uniformidade na consciência e na vontade dos agentes. Também não há necessidade de, para a consumação do crime do artigo 304, o uso de documento falso provocar prejuízo ou resultar em proveito para o autor. (AMARAL, 2000, p. 167).

Andreucci concorda quando diz que “[...] o crime se consuma com o efetivo uso do documento falso, independentemente da obtenção de proveito ou da produção de dano.” O mesmo autor ainda aduz ao fato de que “o uso pode ser de qualquer natureza, judicial ou extrajudicial” e não admite tentativa. (ANDREUCCI, 2013, p. 480).

Classifica-se o delito como comissivo, ou seja, dependente da efetiva utilização do documento. Esta classificação foi fundamental para precedentes jurisprudenciais que “[...] tem se posicionado no sentido de que o documento falso encontrado em revista policial ou retirado do bolso do portador, por ocasião de prisão, não configura o crime de uso de documento falso.” (ANDREUCCI, 2013, p. 480).

Neste sentido:

PENAL. USO DE DOCUMENTO FALSIFICADO. CARTEIRA NACIONAL DE HABILITAÇÃO TIPICIDADE. POSSE. I – A simples posse de documento falso não basta à caracterização do delito previsto no art. 304 do Código Penal, sendo necessária sua utilização visando atingir efeitos jurídicos. O fato de ter consigo documento falso não é o mesmo que fazer uso deste. II – Se o acusado em nenhum momento usou ou exibiu a documentação falsificada, tendo a autoridade policial tomado conhecimento de tal documento após despojá-lo de seus pertences, não se configura o crime descrito no art. 304 do Código Penal. Recurso desprovido. (BRASIL, 2002).

Corroborando o entendimento de que o delito em tela só se caracteriza através do efetivo uso e consequente dolo do agente:

APELAÇÃO CRIME – [...] CRIME DE USO DE DOCUMENTO FALSO (ART. 304 DO CP) - ABSOLVIÇÃO - CRIME QUE EXIGE USO EFETIVO DO DOCUMENTO, NÃO BASTANDO PARA SUA CONFIGURAÇÃO, SEU MERO PORTE E/OU POSSE - AUSÊNCIA DE PROVA DE USO EFETIVO PELO RÉU DO DOCUMENTO FALSIFICADO, NO MOMENTO DA PRISÃO. (PARANÁ, 2011).

No entanto, encontra-se também jurisprudência em sentido oposto:

USO DE DOCUMENTO FALSO - CARTEIRA NACIONAL DE HABILITAÇÃO (CNH) - Prova segura de que o réu tinha plena ciência da falsidade do documento apresentado - Configuração do crime, mesmo que a exibição do documento falso tenha se dado por solicitação de agente policial - Pena e regime prisional fixados com critério e corretamente - Recurso desprovido. (SÃO PAULO, 2015).

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Ainda no entendimento de que a simples ciência da falsidade do documento caracteriza o crime e afastando argumento de autodefesa do acusado:

RECURSO ESPECIAL. PENAL E PROCESSUAL PENAL. CRIME DE USO DEDOCUMENTO FALSO. APRESENTAÇÃO DE CÉDULA DE IDENTIDADE FALSIFICADA À AUTORIDADE POLICIAL, POR SER O RÉU FORAGIDO DA JUSTIÇA PAULISTA. ATIPICIDADE DA CONDUTA RECONHECIDA PELO TRIBUNAL A QUO. CONDUTA CARACTERIZADA NOS TERMOS DO ART. 304 DO CÓDIGO PENAL. RECURSO MINISTERIAL PROVIDO. 1. Portar documento falso para ocultar o fato de ser foragido da Justiça não configura a hipótese de autodefesa, consagrada no art. 5.º, inciso LXIII, da Constituição Federal, mas sim da prática delitiva tipificada no artigo 304 do Código Penal. Precedentes. 2. Recurso ministerial provido para, cassando o acórdão recorrido, determinar que o Tribunal a quo, considerando a tipicidade da conduta, prossiga no julgamento da apelação criminal. (BRASIL, 2011).

O uso de documento falso ficou desta forma demonstrado pelo dolo (apesar da demonstração de jurisprudências em sentido contrário) e pela necessidade de a falsificação ser apta a iludir a outrem. Na seção que segue, conceitua-se os delitos de falsidade material, ideológica e uso de documento falso, e discute-se os conflitos aparentes de normas e os princípios existentes para saná-los.

3.5 CONFLITO APARENTE DE NORMAS

Sucinto, Mirabete esclarece que o conflito aparente de normas ocorre “[...] quando a um mesmo fato supostamente podem ser aplicadas normas diferentes, da mesma ou de diversas leis penais.” (MIRABETE, 2010, p.106).

A importância de se afastar esse conflito é decidir qual norma incriminadora deve ser aplicada ao fato concreto, para que estas normas não atuem sobre o mesmo caso e consequentemente afetem o princípio do non bis in idem. (MIRABETE, 2010, p. 106).

Corrobora Damásio:

O problema apresenta enorme relevância prática porque, quando aparece, tratando-se de concorrência de preceitos primários das normas incriminadoras, a solução irá ligar o agente a uma ou a diversas sanctiones juris, e as penas nem sempre são iguais, qualitativa e quantitativamente. (JESUS, 2012, p. 149).

Damásio orienta que o conflito aparente de normas não se confunde com concurso material de crimes, pois “neste existe concorrência real de normas: há violação de várias normas ou violação sucessiva da mesma lei repressiva”. Já no conflito aparente de normas, “[...] a prática delituosa única se amolda a várias normas repressivas, mas estas possuem entre si relação de hierarquia ou dependência, de forma que somente uma é aplicável.” (JESUS, 2012, p. 149-150)

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Há que se falar ainda em divergência quanto à questão da falsificação seguida do uso do documento falso. Para Greco, o uso do documento pelo autor da falsidade ideológica enseja na tipificação do artigo 304 do Código Penal, devendo este responder apenas pelo crime-fim (o uso). (GRECO, 2016, p. 609).

Em contraposição, conforme mencionado em capítulo anterior, há jurisprudência do Supremo Tribunal Federal defendendo que nos casos de falsificação seguida de uso do documento falso, o autor responde somente pela falsificação (artigo 297 do Código Penal). (ANDREUCCI, 2013, p. 480).

Divergindo de ambos os autores supra e representando o entendimento de sua época (logo após a promulgação do Código Penal), está Drummond:

A solução que adotamos – reconhecer no caso a existência de dois crimes (o de falsificar e o de usar), encontra amparo ainda na sistemática do Código, segundo a qual só se nega existência autônoma a algum fato criminoso, em relação a outro, na expressa hipótese de entrar êle (sic) como elemento integrante dêsse (sic) outro crime. (DRUMMOND, 1944, p. 218).

Nota-se conflito aparente de normas também quando o autor falsifica documento público visando atribuir-se falsa identidade, já que a conduta pode se classificar tanto no tipo penal do artigo 297 como no tipo do artigo 307. Entende Capez que: “referido conflito deve ser solucionado por influxo do princípio da subsidiariedade, subsistindo tão somente a norma do art. 297, ante sua maior gravidade, ficando a falsa identidade como figura típica subsidiária”. (CAPEZ, 2012, p. 379).

Capez (2012, p. 379) prossegue elucidando que “a questão é controvertida na jurisprudência, mas o Supremo Tribunal Federal já decidiu pela configuração do delito do art. 297”, cuja ementa permite-se destacar a seguir:

Habeas corpus". Substituição de fotografia em documento público de identidade. Tipificação. - Sendo a alteração de documento público verdadeiro uma das duas condutas típicas do crime de falsificação de documento público (artigo 297 do Código Penal), a substituição da fotografia em documento de identidade dessa natureza caracteriza a alteração dele, que não se cinge apenas ao seu teor escrito, mas que alcança essa modalidade de modificação que, indiscutivelmente, compromete a materialidade e a individualização desse documento verdadeiro, até porque a fotografia constitui parte juridicamente relevante dele. "Habeas corpus" indeferido. (BRASIL, 1998).

Consoante à falsidade ideológica, Sylvio do Amaral preleciona, ao se referir ao documento público, que este “[...]exprime, sempre, ou uma declaração de vontade (do cidadão ou do Estado), ou uma atestação (ou certificação) da verdade.” (AMARAL, 2000, p. 89).

Destarte, o falso ideológico nem sempre se enquadra no artigo 299, tendo em vista que o documento possuidor da forma de atestado (atestação) ou certidão (certificação) foge da

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esfera dos artigos 299 e 297, sendo tipificado especificamente pela doutrina pátria no artigo 301. (AMARAL, 2000, p. 89).

3.5.1 Princípios aplicáveis ao conflito aparente de normas

Tendo em vista que já foram citados os conflitos aparentes de norma do tema abordado, nos resta demonstrar nos próximos parágrafos o rol de princípios existentes para a dissolução destas antinomias: o princípio da especialidade, da subsidiariedade, da consunção e da alternatividade. (MIRABETE, 2010, p. 106).

a) Princípio da especialidade

Damásio preleciona que uma norma é especial quando elenca todos os elementos do tipo de uma norma geral e ainda acrescenta outros (de natureza objetiva ou subjetiva), especializando e consequentemente aumentando a severidade desta. (JESUS, 2012, p.152).

Prossegue o autor a respeito da desnecessidade de confronto concreto entre as leis do conflito aparente de normas: “[...] a prevalência da norma especial sobre a geral se estabelece in abstracto, pela comparação das definições abstratas contidas nas normas.” (JESUS, 2012 p. 150).

E sentencia:

Dessa forma, se a lei especial, incriminando certos fatos, ou considerando determinadas figuras típicas sob ângulo diferente, ditar preceitos particulares para a sua própria aplicação, em contraposição às normas do Código, o conflito apenas aparente de normas será resolvido pelo princípio da especialidade. (JESUS, 2012, p. 152).

Este princípio se difere dos seguintes por estabelecer um confronto em abstrato das leis, enquanto os outros dependem de uma comparação em concreto das normas definidoras de um mesmo fato. (JESUS, 2009, p. 108-109)

b) Princípio da subsidiariedade

Damásio prevê que no princípio da subsidiariedade ocorre a absorção da lei de menor gravidade pela lei de maior gravidade. O autor subdivide este princípio em subsidiariedade expressa ou subsidiariedade implícita (a norma não vincula seu uso à inexistência da infração principal). (JESUS, 2012, p. 152-153).

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Desta forma, “ocorre a subsidiariedade expressa (ou explícita) quando a norma, em seu próprio texto, subordina a sua aplicação à não-aplicação de outra, de maior gravidade punitiva”. E então, “há subsidiariedade implícita (ou tácita) quando uma figura típica funciona como elementar ou circunstância legal específica de outra, de maior gravidade punitiva, de forma que esta exclui a simultânea punição da primeira: ubi major minor cessat”. (JESUS, 2012, p. 153-154).

c) Princípio da consunção

Mirabete sintetiza este princípio dizendo que “[...] consiste na anulação da norma que já está contida em outra; ou seja, na aplicação da lei de âmbito maior, mais gravemente apenada, desprezando-se a outra, de âmbito menor.” (MIRABETE, 2010, p. 107).

Reitera Fernando Capez que “há uma regra que auxilia na aplicação do princípio da consunção, segundo a qual, quando os crimes são cometidos no mesmo contexto fático, opera-se a absorção do menos grave pelo de maior gravidade.” (CAPEZ, 2012, p. 98).

Colhe-se jurisprudência que exemplifica o princípio da consunção:

APELAÇÃO CRIMINAL. CRIMES DE FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTO PÚBLICO E USO DE DOCUMENTO FALSO. ARTS. 297, CAPUT E 304 DO CÓDIGO PENAL. CONFECÇÃO DE CERTIDÕES NEGATIVAS DE DÉBITO DO INSS CONTRAFEITAS PARA SEU SUBSEQUENTE USO EM LICITAÇÕES. MATERIALIDADE DOS DELITOS COMPROVADA. AUTORIA DA CONTRAFAÇÃO PELO RESPONSÁVEL CONTÁBIL DA EMPRESA E PELO REPRESENTANTE LEGAL DESTA. CRIME DE USO PRATICADO, PORÉM, APENAS POR ESTE ÚLTIMO.CONDENAÇÃO DO PRIMEIRO PELO CRIME DO ART. 297 DO CP, E DO SEGUNDO PELO ART. 304 DO CP.INCIDÊNCIA DO PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO. ABSORÇÃO DO CRIME-MEIO (FALSO) PELO CRIME-FIM (USO DE DOCUMENTO FALSO) PELO REPRESENTANTE DA EMPRESA. PRECEDENTES. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. Quando a falsificação do documento é apenas meio ou fase necessária para a sonegação fiscal, não configurando crime autônomo, aplica-se o princípio da consunção. (PARANÁ, 2013).

Pode-se então notar que este princípio é aplicado pela jurisprudência no crime de falsificação (artigo 297 do CP) seguida do uso do documento (artigo 304 do CP).

d) Princípio da alternatividade

O princípio da alternatividade é, para alguns autores, a quarta opção existente para dirimir um conflito aparente de normas. Para Capez, “a alternatividade nada mais representa do que a aplicação do princípio da consunção, com um nome diferente”. (CAPEZ, 2012, p. 100).

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Todavia, Damásio explica que neste princípio “[...] a norma penal que prevê vários fatos alternativamente, como modalidades de um mesmo crime, só é aplicável uma vez, ainda quando os ditos fatos são praticados, pelo mesmo sujeito, sucessivamente.” (JESUS, 2009).

Capez esclarece ainda que o princípio da alternatividade está relacionado aos “[...]chamados tipos mistos alternativos, os quais descrevem crimes de ação múltipla ou de conteúdo variado.” (CAPEZ, 2012, p. 99).

3.6 CONSUMAÇÃO E TENTATIVA

Conforme estudado na última seção, é fundamental que para a consumação do delito haja dolo. O autor da falsificação ideológica deve então agir com o intuito de criar obrigação, inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, omitir declaração que devia constar no documento, ou alterar verdade sobre fato juridicamente pertinente. (GRECO, 2016, p. 607).

Existem duas modalidades de falsidade ideológica para Greco, sendo que a primeira é consumada “[...]quando da confecção do documento, público ou particular, sem a declaração que dele devia constar, em virtude da omissão dolosa do agente.” Para a consumação da segunda modalidade, o agente deve inserir ou fazer inserir, “[...] em documento público ou particular, declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita.” (GRECO, 2016, p. 607).

Quanto à tentativa, há conceituação doutrinária no sentido de que só é admitida na modalidade de inserir ou fazer inserir. Detentor deste ponto de vista, o autor Andreucci reforça que “admite-se tentativa apenas nos casos de inserção ou induzimento à inserção. Na conduta omissiva não se admite a tentativa, pois se trata de crime omissivo próprio”. (ANDREUCCI, 2013, p. 474).

Prado corrobora com o entendimento de Andreucci a respeito da modalidade omissiva:

A tentativa, na forma omissiva, é inadmissível, porquanto se trata de delito omissivo próprio. Destarte, ou o agente deixa de incluir a afirmação verdadeira exigível quando deveria consigná-la, e já estará consumado o delito, ou ainda pode fazê-la e não se cogita de tentativa. (PRADO, 2008, p. 338).

No entanto, defende que a tentativa só é admitida na forma comissiva sob a modalidade de fazer inserir, e explicita:

[...] na modalidade de inserir, tratando-se de falsidade imediata, como o agente é o autor direto do documento, enquanto não completado e aperfeiçoado este, poderá ele retirar o conteúdo mendaz ou retificá-lo a fim de restabelecer a verdade, e não terá havido tentativa. Realmente, nesta última hipótese poderia haver, quando muito, a

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