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A recepção de Bumba, meu queixada no meio acadêmico

CAPÍTULO III – Do espectador ao leitor: a publicação do livro Bumba, meu queixada

3.7 A recepção de Bumba, meu queixada no meio acadêmico

A dramaturgia e a trajetória do Teatro União e Olho Vivo foi objeto de várias pesquisas acadêmicas, artigos de revistas especializas359 e textos jornalísticos. Dentre os inúmeros trabalhos desenvolvidos sobre a produção teatral do grupo, selecionamos os estudos que discorrem sobre a peça Bumba, meu queixada.

Um deles é o livro, já mencionado, de Silvana Garcia. A autora relata um breve histórico sobre a fundação do TUOV e ainda apresenta seus principais objetivos quanto aos

358O Estado de São Paulo, São Paulo. 20 de agosto de 1981. 359

temas, aos espetáculos e às apresentações, a partir das premissas básicas elaboradas pelo grupo. Realiza um estudo comparativo entre as peças Bumba, meu queixada, Pensão

Liberdade, do Grupo de Teatro Forja, e Acidente de trabalho, do Núcleo Independente.

Sobre Bumba, meu queixada, a autora destaca o processo de construção do enredo e a estrutura dramática. Ao falar sobre a pesquisa temática do grupo, Garcia considera que o tema da greve abordado na peça dialogou apenas com os movimentos grevistas ocorridos em São Paulo nos últimos anos da década de 1970, ou seja, as greves do ABC/1978 e em São Paulo/1979. Ela afirma que,

quanto às greves, o grupo optou por trabalhar com os movimentos mais recentes, ocorridos na Grande São Paulo, em sua maioria deflagrada pelos metalúrgicos. Em seguida, foi realizada a pesquisa de campo, com entrevistas a trabalhadores que participaram dos movimentos grevistas.360 Esse ponto de vista é reforçado quando Garcia analisa a quarta cena: “A cena quatro trata de paralisação do trabalho dos operários da ‘Metalurgia Brasilina’ tendo como pano de fundo a greve geral que parou o setor no final dos anos 70.”361

Com base nas citações acima, evidenciamos que Garcia desconsidera tanto o discurso de César Vieira sobre a pesquisa temática elaborada para a feitura da peça, na qual ele faz referência a outras paralisações, como a greve de Perus/1950 e Contagem/MG e Osasco/SP, ambas em 1968, quanto o texto teatral, pois conforme citamos anteriormente, o próprio título da peça é uma referência à greve de Perus, assim como a terceira cena é uma representação desse acontecimento. Outro aspecto se refere aos nomes de alguns personagens na quarta cena, como Zequinha e Mané, líderes operários da greve de Osasco/1968 — mais um indício do diálogo estabelecido com esse movimento.

Ao comparar as peças Pensão Liberdade e Bumba, meu queixada, no quesito dramaturgia, Garcia julga ser esta mais elaborada do que aquela. Os personagens, como apresentamos no segundo capítulo, também foram analisados pela pesquisadora.

Adamilton Andreucci Torres, em sua dissertação de mestrado intitulada Teatro União

Olho Vivo: uma pista para uma outra cena brasileira em São Paulo362

, tece uma reflexão sobre a proposta estético-teatral do TUOV a partir do estudo dos espetáculos O evangelho

segundo Zebedeu; Corinthias, meu amor; Rei Momo; Bumba, meu queixada e Morte aos brancos. Segundo ele, em comum essa dramaturgia apresenta

360

GARCIA, Silvana. op. cit., p. 148.

361Idem, ibidem., p. 166. 362

grande preocupação plástica; teatro como discurso; o texto se aproxima da linha do discurso político; todas as peças com pouca intriga; constante preocupação com a pesquisa – caráter de erudição; o plano histórico. A análise histórica, tanto da história passada como da presente, com o fim da denúncia.363

Dos textos selecionados pelo autor, O evangelho segundo Zebedeu e Corinthias, meu

amor foram elaborados por César Vieira antes de participar do TUOV. Assim, Torres cria e

reforça conexões entre a trajetória pessoal de Vieira e a relação do dramaturgo com o grupo. Ele faz um resumo de cada cena de Bumba, meu queixada e analisa que,

a partir de uma estrutura folclórica, César Vieira fala do homem trabalhador explorado e tenta, através do Queixadas, um “despertar” um “mexa-se” coletivo. Por meio de um mecanismo lúdico – a dança e o canto – em composição por um enredo didático engajado, o suporte ideológico é trabalhado dentro de um processo de intersecção de planos, levando o público a pensar, raciocinar e, finalmente, quiçá, agir.364

Outro trabalho que merece citação é a dissertação de mestrado de Felisberto Sabino Costa, A dramaturgia nos grupos alternativos no período de 1975 a 1985365, na qual analisa a dramaturgia dos grupos Teatro União e Olho Vivo, Mamão de Corda, Pod Minoga e Ventoforte. Da produção teatral do TUOV, selecionou o texto teatral Bumba, meu queixada. A abordagem de Costa privilegia os conflitos e as temáticas em cada cena. O autor lança mão da peça para problematizar a produção coletiva realizada pelo TUOV.

Em 2008, Alexandre Luiz Mate defendeu sua tese de doutoramento intitulada A

produção teatral paulista dos anos 1980 – R(ab)iscando com faca o chão da História: tempo de contar os (pré)juízos em percursos de andança.366

O estudo contempla a trajetória dos grupos paulistanos Apoena/Engenho e Teatro União e Olho Vivo na década de 1980. Para pensar a prática teatral do TUOV, no terceiro capítulo o autor agrega o percurso de César Vieira, partindo da sua infância em Jundiaí até a fase adulta de advogado e dramaturgo.

Mate dialoga com as experiências do grupo Teatro União e Olho Vivo e do Apoena, renomeado Engenho em 1986, buscando um elemento comum, a itinerância, para defender a tese de que essas duas iniciativas propuseram uma atividade teatral que questionou o teatro do circuito comercial paulista da década de 1980.

Bumba, meu queixada é mencionada pelo autor ao final do capítulo, quando apresenta

o resumo da dramaturgia produzida por César Vieira, antes e depois de se integrar ao TUOV.

363Idem, ibidem, p. 40 e 41. 364Idem, ibidem, p. 67. 365

COSTA, Felisberto Sabino. op. cit.

366

Ao discorrer sobre a peça, Mate comete alguns deslizes; informa que o texto foi “escrito em 1978 e publicado, neste mesmo ano, pela Editora Grafiti, de São Paulo.”367 Como vimos anteriormente, durante o ano de 1978, a peça ainda estava em processo de criação, a estréia aconteceu em 1979 e a publicação em 1980. Acreditamos que Mate chegou a essas conclusões porque se baseou no texto de Bumba, meu queixada publicado em 2008 na “Coleção TUOV 40 anos”, onde 1978 é apresentado como data da estréia.

Em comum, esses trabalhos apresentam uma semelhança na abordagem tanto do texto teatral Bumba, meu queixada quanto do grupo Teatro União e Olho Vivo. Em todos, a peça e o projeto do TUOV foram pensadas a partir de uma análise comparativa, buscando compreender elementos de aproximação e distanciamento da dramaturgia e da proposta do grupo com outras experiências de perfil semelhante.