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1. RELAÇÕES INTERNACIONAIS: ELEMENTOS DE

1.2 RELAÇÕES INTERNACIONAIS CONTEMPORÂNEAS

1.2.3 A rede e a interdependência como bases de análise

Expostos os desenhos da revolução informacional e da interdependência, passa-se a esclarecer sobre suas potencialidades e justificar as razões pelas quais ambas as abordagens são utilizadas como base de análise das relações internacionais contemporâneas.

Em primeiro lugar, o aporte teórico elaborado por Robert Keohane e Joseph Nye alcança o entendimento de que diferentes modelos devem conjugar-se num todo interpretativo da política internacional. Desse modo, não há a presunção de que o olhar interdependentista assuma um caráter totalizante, esgotando a compreensão das diversificadas facetas relacionais e sendo, por isso, indicado como o mais adequado. Num interessante processo de autocrítica e reconhecimento das próprias limitações analíticas, essa formulação expõe que, à semelhança das demais, sua capacidade de tradução alcança somente parcelas do real, tendo em vista a inevitável seleção e ordenação de dados que sempre compõem o objeto a ser interpretado e explicado.186

Verifica-se, então, que num espaço multicêntrico, moldado como um mosaico de peças ajustadas, interpretar as relações internacionais contemporâneas envolve não somente ir além da concepção realista- estatocêntrica, mas abrir-se para o entendimento de que nenhum modelo, tomado de maneira isolada, reflete fielmente as atuações políticas dos atores em toda a sua complexidade. Não raro, no âmbito das Relações Internacionais, o trajeto teórico assume caráter evolutivo, no sentido de que a emergência do novo ocupa o lugar antes reservado ao antigo. Este, que perdeu seu poder explicativo por mostrar-se incapaz de perceber os novos elementos relacionais, vê-se suplantado, e aquele, que oferece respostas mais satisfatórias à realidade fenomenológica, consolida-se. Nesse processo, a interpretação e a apreensão dos fatos aprimorar-se-iam, numa marcha ao mesmo tempo excludente e inclusiva, mas que, observando-se atentamente, não deixa em momento algum de ser cíclica.

Diante das particularidades do objeto de estudo da disciplina, é apropriado pensar, como preveem Keohane e Nye, numa conjunção analítica, ou seja, na coexistência de teorias, de modo que todas permanecem úteis e capazes de retratar parcelas da realidade. Juntas, elas formam um corpo responsável por oferecer diferentes imagens de

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mundo, que, longe de se sobreporem ou se excluírem, compõem um todo explicativo das variadas facetas das relações internacionais. Portanto, não há que se falar em descarte de modelos, mesmo que num dado contexto seus pressupostos pouco esclareçam sobre as ações e interações dos atores, mas no seu acúmulo, sendo cada um deles formado por elementos responsáveis por ampliar o campo de visão e percepção do estudioso. De outra forma, a busca pelo modelo mais adequado implica um exercício incansável, improdutivo e sempre insuficiente perante o caráter dinâmico das relações e de suas consequentes transformações.

Detendo-se no âmbito das Relações Internacionais, é interessante observar que, na verdade, diferentes abordagens já convivem. Essa convivência não impõe opções ideológicas compatíveis e é exatamente por serem capazes de lançar um olhar sobre as distintas facetas das relações e da sociedade internacional que as teorias devem diferir enfaticamente entre si. A abordagem interdependentista oferece suporte para essa visão abrangente e a relativização do poder interpretativo das teorias, sendo essa a primeira de suas potencialidades e também uma das razões pelas quais se caracteriza como embasamento teórico pertinente ao presente estudo. Acredita-se que suas contribuições permitiram aos autores percorrerem um caminho intermediário, pautado pela associação da cooperação com o poder, e perceberem a existência de um cenário no qual estão presentes atores estatais e não estatais.

A percepção da existência de novos atores caracteriza-se como a segunda de suas potencialidades e outra razão pela qual a interdependência constitui base analítica apropriada das relações internacionais contemporâneas. Não perder de vista a figura do Estado, prevendo a permanência de suas funções políticas internas – organização, administração e manutenção do bem-estar e coesão social – e externas – relacionamentos e regulamentação de assuntos de interesse internacional –, e reconhecer a pluralidade de atores que incorporam outras formas de manifestação e exercício do poder são pressupostos que assumem a qualidade das maiores e mais fundamentais contribuições oferecidas pela abordagem interdependentista ao estudo contemporâneo.

Ela dispõe de elementos que captam a conjugação dos processos de fragmentação estatal e emergência de novos atores, orientando-se pelo potencial transformador da revolução tecnológica informacional e a formação de estruturas em redes, que desenharam o surgimento de novos fluxos, interesses, demandas e objetivos. Assim, é inegável que o Estado permanece como parte da realidade, mas já não representa a sua

totalidade e não age sozinho, tendo em vista que as conexões viabilizadas pelas redes fragilizaram o conceito absoluto de soberania e lançaram outros agentes no espaço político além-fronteiras.187

Em síntese, os pressupostos de análise em torno dos quais se constrói a teoria da interdependência apontam para uma elaboração comedida que, além de expor uma visão mais apurada da complexidade da política internacional, cumpre o importante papel de estabelecer-se num ponto ao mesmo tempo fora e equidistante da dicotomia idealismo- realismo. Em razão disso, é fundamentando-se nos citados pressupostos que a temática referente aos atores não estatais será desenvolvida no próximo capítulo.

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Convém relembrar que a rede constitui, para esta tese, um marco transformatório e um novo espaço no qual as relações se desenvolvem e, por assim ser, tais relações assumem as formas e potencialidades que a rede lhes proporciona. Por isso, olhamos para uma sociedade internacional bastante modificada e estruturada sobre novas bases, as quais fragmentam o papel do Estado e fazem emergir atores que, organizados e conectados por outro tecido social, possuem meios de atuação diferenciados. Em suma, presenciamos uma multiplicidade de coalizões que variam conforme o objeto e as circunstâncias.

2. ATORES INTERNACIONAIS E A ATUAÇÃO DOS